As máscaras estão caindo

As máscaras estão caindo. Com essa frase o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Cézar Britto, analisou o cenário político e social brasileiro na noite desta terça-feira (14) em Curitiba. Ele participou do 3º ato dos Advogados pela Democracia e do lançamento do livro “A Resistência ao Golpe de 2016”.

 

“Que tempos são esses? Quando estávamos discutindo a campanha de retirar o financiamento (empresarial) das campanhas, entramos no STF e o Congresso Nacional teve quórum para constitucionalizar esse financiamento no auge da demonstração da corrupção que as grandes empresas fazem no Brasil? Como imaginar que a perspectiva real de aprovação da precarização do trabalho?”, questionou Britto.

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Para ele, esse cenário, somado a vários outros, é a clara demonstração de que as máscaras da civilidade caíram e isso é positivo, na visão do jurista. “Agora não é mais preciso dar um tapinha no ombro. Eles são e se exibem efetivamente como são. Sem máscaras. Com seus rostos próprios”, argumentou.

 

Britto ainda comparou o atual cenário jurídico brasileiro com a inquisição. “Eles chegavam e diziam ‘estamos aqui e vocês têm 30 dias para confessar ou denunciar os hereges. As pessoas se apresentavam para denunciar aquele que achavam que ia lhes denunciar”, disse referindo-se as delações premiadas e as prisões temporárias que nunca terminam.

 

Ele reforçou, ainda, o convite para as organizações de coletivos de advogados que lutam pela democracia. “O momento é de expor, defender a democracia e é isso que estamos fazendo aqui”. Para aglutinar esses movimentos, que aconteciam de forma simultânea mas sem uma integração, foi criada a Frente Brasil de Juristas pela Democracia que nos dias 4, 5 e 6 de julho realizará seu primeiro encontro, em Brasília.

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As críticas ao poder judiciário, contudo, não foram exclusivas de Cezar Britto. Um magistrado presente no evento, Hugo Melo Filho, presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, também elevou o tom contra parte dos seus pares, especialmente Sérgio Moro.

 

Ao falar do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, o magistrado analisou os métodos adotados para a espetacularização das investigações. “Um processo absolutamente seletivo que tem como objetivo a derrubada da Presidente da República por intermédio de um juiz protegido pela cúpula do poder judiciário”, enfatizou.

 

Se para ele a independência judicial é a garantia da cidadania e a condição para um estado democrático de direito, um juiz deve decidir como utilizar sua liberdade a partir da consciência. Esse é o limite de atuação do juiz, com a sua independência judicial não significando extrapolar a lei e tomar atitudes ilegais, no que Melo Filho chamou de “iniciativa messiânica de forma seletiva”.

 

O magistrado também fez referência a ausência de democracia no poder judiciário. Não por ser o único poder cujos representantes não são eleitos pelo povo, mas pela própria estrutura. “Imaginem os senhores que nós não participamos de coisa nenhuma. Não elegemos os presidentes dos nossos tribunais, não participamos do estabelecimento de metas ou do planejamento estratégico. Tudo é decidido pelas cúpulas. Somos a única instituição que não elege seus administradores”, relatou.

 

Além de ser um ilustre desconhecido da população e não gozar de credibilidade, segundo o presidente da ALJT, o poder judiciário não é respeitado. “Ele é temido pelo mal que pode causar, mas não respeitado pelo bem que ele pode fazer. Já perdemos até para o Ratinho (em credibilidade). Por quê? Porque ninguém nos conhece, quando muito nos temem pelo mal que podemos fazer”, lamentou.

 

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Outros movimentos — O ato dos advogados também abriu espaço para outros setores da sociedade, como tornou-se praxe em Curitiba. Na noite desta terça-feira (14) representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) falaram sobre os problemas enfrentados na ocupação Tiradentes, em Curitiba. Estudantes falaram da sua luta para manutenção de cursos técnicos na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e dois jornalistas da Gazeta do Povo, Chico Marés e Euclides Garcia, contaram um pouco sobre o episódio dos processos articulados por juízes no Paraná contra eles. A motivação foi uma reportagem que falava sobre magistrados que extrapolavam o teto salarial com “penduricalhos” em seus vencimentos.

 

Ao todo, são 46 juízes que entraram com diversos processos nas mais diversas cidades do Paraná. Esta situação obriga os jornalistas a realizarem longas viagens e, praticamente, destruiu as suas vidas sociais e profissionais. “Passamos os últimos dois meses percorrendo o Paraná. É algo que tem afetado a nossa vida pessoal e profissional. Não conseguimos mais trabalhar. Voltamos agora de União da Vitória e amanhã (hoje) já vamos para Medianeira. Nossa vida nos últimos dois meses se tornou isso”, relata o jornalista Chico Marés.

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No caso de Euclides Garcia a situação é ainda mais dramática. Sua esposa está grávida de 36 semanas e o jornalista sequer consegue acompanhar o período de gestação. “A mãe dela precisou vir de Maringá porque alguém precisa estar com ela e eu não posso”, desabafou.

 

Livro — Durante o 3º ato dos Advogados pela Democracia também foi lançado o livro “A Resistência ao Golpe de 2016”. A publicação foi pensada, organizada e publicada em pouco mais de um mês. São mais de 100 artigos em 450 páginas que reúnem textos de juristas, jornalistas e ativistas dos movimentos sociais. Luís Nassif, Miguel do Rosário, Guilherme Boulos, João Pedro Stédile e Giovanni Alves são alguns dos que assinam os textos que compõem a obra, além de autores internacionais, como Boaventura Sousa Santos, François Houtart, Antonio Baylos, Baltasar Garzon, entre outros.

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“O livro foi concebido por quatro professores universitários imaginando que a resistência ao golpe deve ser eternizada. Muita gente fez postagens na internet criticando a atitude golpista do executivo, por intermédio do seu vice-presidente e por parte da quadrilha que está no congresso nacional e parte do judiciário que poderia ter impedido o golpe e não o fez. Mas essas coisas de internet são fugazes, podem desaparecer muito rapidamente. Daqui dois anos ninguém mais se lembraria qual era a crítica, quem aderiu ao golpe e quem posicionou-se contra. Para gravar isso em papel, em letras de forma, concebemos a publicação deste livro”, explicou a advogado e professor da UFPR, Wilson Ramos Filho, o Xixo.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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