ARRENEGO DE QUEM DIZ QUE NOSSO AMOR SE ACABOU.

Era um clube da esquina num plano onde esquinas não são permitidas. Naquele dia me lembro de Dilma em Brasília, mais ainda me lembro de Luís, todo suado. Era um dar a mão no fim do caminho, uma saída, um saimento, um jeito ou solução. Tão feroz se impunha naquele momento a força da comunicação de massa, que como cunha, arara todas as opiniões e como soja brilhava no campo, tão fértil.

Tão inútil toda dor naquele dia, reconheci entre a multidão, nossas certezas em sentinela. Tantas coisas sem jeito naquele dia para a poesia. Dilma, a presidenta, saía de sua casa de poder, e Luis suava, tão terno na camisa azul.

Tempos de mãos dadas? Avante fomos todos, à esquerda, vermelhos tal sangue de uma pátria que não coagula, uma camisa suja de batom popular.  Fez-se noite, minha casa não é minha nem é meu esse lugar, tudo parece uma travessia, que entope o meio fio, ouço em música de rádio de pipoqueiro na esplanada.

Ah, o monstro global tem o dom de iludir. O monstro que detém nosso olhar é o mesmo que afaga e aniquila a verdade, se alimenta de nossas costelas, nosso fígado, nosso marejar.

Nefasto é o mundo global a invadir nossa mente, extra abrindo o temor, ditando uma humanidade que não se reconhece ou tolera-se. E mente, e comunica. Mas insistimos à esquerda, um dia seremos irmãos, um vento solar a nos ter por mais um dia, um girassol da cor de nosso cabelo.

Como Lula ou Dilma devoram dona Carmen também. Por sua boca devora a serpente a todos. O inferno tem tanto apetite, é fato.

Lamento tal fome. Conheci dona Carmen numa reunião no hall do antigo hotel Cambridge ocupado em movimento, há 3 anos, numa reunião em que imigrantes congoleses tinham ali um espaço para expor sua mente, davam depoimentos de suas veredas. Conheci a mulher em outros encontros e vi bem sua face determinada e envolvimento com os sem casa. Casa, palavra fundamental e de entendimento difícil para a árida elite brasileira.

Palafita, favela, mocambo. Nossos pensamentos tem a cor de outros juízes nesse momento. Padeço, mais fértil é folha que cai de árvore, é outono, será adubo.

A judicialização da política, a politização da justiça, a ideologização da corte; ai, tudo virou um angu de caroços nesses tempos. Minha casa não é minha nem é meu esse lugar, há no ar canção assim antiga, vou querer me matar mesmo tendo muito que viver. Talvez por isso fazem em periferia com seus braços e penduram bandeiras.

Eu aguardo, tal jacaré na praia de boca aberta, invento amor e sei a dor de me encontrar.

Inventamos sim o sonhador. Há algo livre em nós que crê, que reluta, que é negreiro, é índio, é gay, deveras 

é poesia, é cais, é thiago.

Como sei pouco, e sou pouco,

faço o pouco que me cabe

me dando inteiro.

Sabendo que não vou ver

o homem que quero ser.

 

Já sofri o suficiente

para não enganar a ninguém:

principalmente aos que sofrem

na própria vida, a garra

da opressão, e nem sabem.

 

Não tenho o sol escondido

no meu bolso de palavras.

Sou simplesmente um homem

para quem já a primeira

e desolada pessoa

do singular – foi deixando,

devagar, sofridamente

de ser, para transformar-se

– muito mais sofridamente –

na primeira e profunda pessoa

do plural.

 

Não importa que doa: é tempo

de avançar de mão dada

com quem vai no mesmo rumo,

mesmo que longe ainda esteja

de aprender a conjugar

o verbo amar.

 

É tempo sobretudo

de deixar de ser apenas

a solitária vanguarda

de nós mesmos.

Se trata de ir ao encontro.

(Dura no peito, arde a límpida

verdade dos nossos erros.)

Se trata de abrir o rumo.

 

Os que virão, serão povo,

e saber serão, lutando.

 

  • por Thiago de Mello.

 

*Imagens por Helio Carlos Mello©

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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