O poeta Manoel de Barros, homem de águas, versava: o menino foi andando na beira do rio e achou uma voz sem boca. A voz era azul. Difícil foi achar a boca que falasse azul. Tinha um índio Terena que diz que falava azul. Mas ele morava longe. Era na beira de um rio que era longe. Mas o índio só aparecia de tarde. O menino achou o índio e a boca era bem normal. Só que o índio usava um apito de chamar perdiz que dava um canto azul. Era que a perdiz atendia ao chamado pela cor e não pelo canto. A perdiz atendia pelo azul.
Andando na beira de rio, imagem que preencherá muitos livros no século XXII. Rios? Até quando? Tudo se altera no século XXI e o idioma das cores, a que Manoel se referia muitas vezes, perdemos definitivamente. Rios tingiram-se de vermelho na América do Sul, outros no oriente mancharam-se em tons de disputa, na Ásia tudo contamina a fonte. Tudo polui no homem a água. Estanca, fede, fere. A chuva, os rios voadores, desvia, retarda, inunda.
A água trará guerra após pequenos conflitos entre vizinhos, cidades, nações. Ah, a sede e a água fresca, a hora do banho, o barulho da fonte; pequenos detalhes que valem ouro, valem bancos centrais. E no entanto evapora-se assim como a Terra move-se.
Na Bahia, nesta semana, a população, o homem que bebe e banha-se, revoltou-se contra um projeto de irrigação no solo agro nacional. No entanto, economistas enaltecem tão belos resultados no campo. Esqueceram de avisar o governo atual que os homens ainda bebem água no sertão, e não superavit. Também, nesses dias, vimos imagens do rio Javaés que desaparece entre praias na Ilha do Bananal, bem como em Oriximiná, grandes lagoas de rejeitos se escondem na floresta e ameaçam todas as artérias dos rios amazônicos.
Vai água pro céu, vai água pra terra, vai água pro ralo. E água não volta, rebela-se.