A Ópera dos Canalhas

Ilustração sobre foto do Painel do teto da Ópera de Paris (Palais Garnier), Marc Chagall

 

Il vino si fa con l’uva
Ditado italiano

O liberalismo conseguiu fazer conviver no Brasil o discurso liberal e a escravidão. O romantismo dos discursos liberais destoava da realidade da qual se falava. Todas as rebeliões dos liberais no Brasil nenhuma teve por fundamento a liberdade. Pura canalhice. Os liberais brasileiros no século XIX usaram e abusaram do discurso sobre a liberdade, justificando suas condutas de transformar pessoas em mercadoria. Enfim, o discurso liberal das oligarquias bacharelescas justificou no século XIX a escravidão.

No Brasil do século XXI, magistrados da alta oligarquia bacharelesca do Judiciário se utilizam da teoria do domínio do fato para justificar a seu bel prazer o combate à corrupção [1]. Pura canalhice! O brio da Toga oculta um objetivo político inconfessável: destruir o PT e afirmar a desfaçatez persecutória ao ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2017, o caso exemplar da aplicação desvirtuada da teoria do domínio do fato é a sentença de um juiz da Vara Federal de Curitiba condenando o ex-presidente Lula a mais de nove anos de prisão. Paulo Nogueira Batista Jr. sintetizou o absurdo da sentença condenatória. Disse ele:

“O ex-presidente foi condenado em primeira instância por crime de corrupção passiva. Ora, para caracterizar tal crime, parece que há pelo menos dois requisitos indispensáveis. Primeiro, comprovar o recebimento pelo corrupto de um favor ou benefício. No caso, o tríplex em Guarujá. Segundo, comprovar que o acusado se valeu de um cargo para prestar alguma contrapartida ao corruptor, no caso a OAS. Quanto ao primeiro aspecto, o juiz reconhece que não tem provas de que o tríplex pertence ou tenha pertencido a Lula. Alega, entretanto, que o ex-presidente era ‘proprietário de fato’. O juiz comprova a “propriedade de fato”? Comprovou-se o uso frequente do imóvel por Lula e seus familiares? Não. O que se alega simplesmente são uma ou duas visitas de Lula e dona Marisa ao tríplex. Uma, talvez duas visitas. Parece caricatura, mas não é. Quanto ao segundo aspecto, como o juiz comprova a contrapartida? Não precisa comprovar. A sentença alega: ‘Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam’. Atos de ofício indeterminados. A citação é literal”. (Paulo Nogueira Batista Jr., “Ponto Paragrafo”. In: https://oglobo.globo.com/opiniao/ponto-paragrafo-21613089, Acesso em 23/07/2017).

O ativismo judicial a serviço da direita brasileira tornou-se protagonista da cena política brasileira pelo menos desde o dito “Escândalo do Mensalão” (2005). O Poder Judiciário brasileiro tem protagonizado pelo menos nos últimos 12 anos, o tenor da Ópera dos Canalhas que tomaram de assalta a República Federativa do Brasil. Como diria Lévy-Strauss: Tristes Trópicos.

Um detalhe: utilizamos canalha não como ofensa pessoal, mas como característica de uma conduta moral atávica da classe dominante brasileira e seus aliados de “classe mélia” bacharéis e pseudoilustrados, que, de modo cínico, justificam seus interesses particularistas de serviçais históricos da oligarquia dominante dizendo combater pelo interesse geral. No Dicionário Houaiss existe uma longa (e precisa) definição do verbete “canalha”. Vejamos:

Canalha. 1. relativo a ou próprio de pessoa vil, reles. 2 que ou aquele que é infame, vil, abjeto; velhaco • 3 conjunto de pessoas infames, abjetas, desprezíveis. Etimologicamente a palavra canalha deriva do italiano canaglia, tendo sido utilizado mesmo antes do ano de 1338. A palavra deriva. de cane ‘cão’ + suf. coletivo e depreciativo -aglia. Nesse caso, significa “conjunto de pessoas desprezíveis’ ou ainda, ‘pessoa malvada’. Como sinônimos e variações temos: abjeto, acanalhado, baixo, bocório, cafajeste, chulo, desbriado, desgraçado, desonroso, desprezível, escroto, espurco, feio, ignóbil, ignominioso, imundo, incorreto, indecoroso, indigno, infame, inominável, inqualificável, intolerável, mal-afamado, mariola, mesquinho, miserável, mísero, moleque, mucufa, obnóxio, odioso, ordinário, pangarave, patife, pífio, pulha, rebaixado, reles, ribaldo, sacana, sem-vergonha, soez, sórdido, sujo, terrulento, torpe, tratante, tratista, velhaco, vergonhoso, vil, vilão. Ver também como sinonímia de pulha, rale e súcia.

Abertura

Assistimos pelo menos nos últimos doze anos uma tremenda ofensiva de frações da burguesia neoliberal brasileira ligadas ao polo hegemônico do imperialismo norte-americano, o mesmo que apoiou a ditadura militar e os governos de direita na América do Sul. Ás vésperas da eleição de 2006, produziu-se nos laboratórios da media de direita o “Escândalo do Mensalão”. O objetivo latente da media neoliberal articulada com frações da oligarquia bacharelesca do alto Judiciário era criar um clima politico e social para derrotar Lula nas eleições de 2006 e impedir a sua reeleição. Era preciso inovar na fundamentação jurídica para condenar a cúpula do PT e o próprio Presidente Lula acusando-os de corrupção. Deste modo, utilizou-se com deturpada criatividade, a teoria do Domínio do Fato, adequando-o ao ativismo judicial da direita brasileira.

No Brasil, fez-se uma mistura à brasileira da teoria do domínio do fato com a Razão Cínica, que não é novidade na cena brasileira, pelo menos desde o século XIX (a vanguarda do atraso civilizatório da terra brasilis deveria impressionar e fascinar, por exemplo, o filósofo alemão Peter Slotedijik, autor de “Crítica da Razão Cínica” que, se fosse brasileiro, teria incluído em seus cinismos cardinais, o cinismo judiciário).

Entretanto, em 2006, o tiro saiu pela culatra: a articulação juridico-midiática do Escândalo do Mensalão fracassou no seu intento político, pois Lula foi reeleito, derrotando o candidato do PSDB, José Serra. Entretanto, a ofensiva juridico-midiática contra o PT e suas lideranças politicas prosseguiu, encarcerando importantes quadros da estratégia de poder petista (p. exemplo, o ex-ministro José Dirceu).

Foi notável a habilidade política de Lula em lidar com o poder oligárquico brasileiro, dividindo-o e algumas vezes, confundindo-se com ele. A partir de 2007, após reeleger-se para a Presidência da República, Lula aproximou-se do PMDB de Michel Temer buscando criar uma maioria política capaz de avançar no projeto reformista do PT (o emblema do lulismo, “reformismo sem reformas” ou “reformismo fraco”, como diria André Singer). Imbuído de pragmatismo politico intrínseco à inteligência sindical de Lula, o lulismo “confundiu-se” com a banda fisiológica da oligarquia brasileira (o PMDB de Michel Temer) visando isolar a direita neoliberal aliada aos interesses do Departamento de Estado norte-americano.

O governo Lula enfrentou com sucesso os impactos imediatos da crise financeira de 2008 no Brasil. O sucesso da economia brasileira e os programas sociais com transferência de renda, tal como o Bolsa Família, impulsionou sua popularidade. O Escândalo do Mensalão e a acusação de corrupção contra o PT, cruzada ideológica levada a cabo pela mídia neoliberal e a oligarquia bacharelesca liberal do alto Judiciário brasileiro, não impediu que Lula elegesse sua candidata a Presidência da República em 2010 – Dilma Rousseff pelo PT, tendo como vice-presidente Michel Temer, do PMDB. Lula cumpriu o acordo feito com o “cacique” peemedebista Michel Temer logo após as eleições de 2006, indicando-o como “sombra” de Dilma Rousseff. Entretanto, como iremos ver, o pragmatismo do lulismo levaria o PT a pagar um alto preço político mais tarde.

O sucesso da empreitada do PT levada a cabo por Dilma Rousseff foi bruscamente interrompida com a conjuntura da economia mundial aberta pela crise do capitalismo global que chegou ao Brasil na primeira metade da década de 2010. A desaceleração da China (2013) e a queda dos preços das commodities (2014), além de erros pontuais na política macroeconômica conduzida pelo Ministro Mantega no primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), contribuíram para uma das maiores crise da economia brasileira dos últimos tempos.

O Ministro da Fazenda de Dilma errou ao manter a apreciação do real em detrimento da indústria nacional (embora a redução da inflação no começo do governo Dilma, tenha aberto espaço para que o câmbio fosse desvalorizado sem que isso implicasse rompimento da meta de inflação, a politica de desindustrialização se manteve); ao adotar uma politica de benefícios fiscais para o empresariado brasileiro iludindo-se com a perspectiva de que eles voltassem a investir (os benefícios fiscais concedidos pelo governo Dilma Rousseff, de 2011 até 2015, passaram de 408 bilhões de reais!); e ao conter preços das tarifas dos serviços públicos (por exemplo, petróleo e energia elétrica) como estratégia para manter a inflação na Meta. Além disso, a rendição em 2013 à politica do Banco Central, que diante da retomada inflacionária voltou a aumentar juros num cenário de flagrante desaceleração da economia. Entretanto, os erros de condução macroeconômica e a profunda inabilidade política de Dilma Rousseff diante do desmoronamento da arquitetura política do lulista (dissenções no PMDB e rompimento do PSB), indicavam algo mais profundo: os limites do neodesenvolvimentismo diante da crise estrutural do capitalismo brasileiro.

Presto Agitato

A luta de classes num cenário de avanço da crise da economia e inquietação social, polarizou esquerda e direita no seio da sociedade brasileira. A manipulação midiática da TV Globo e redes afins e a ofensiva jurídica com a nova operação “desmonta PT” – a Operação Lava Jato – iniciada em 2014, ano da eleição para a Presidência da República, criou um clima de guerra às vésperas da eleição de 2014.

Por um lado, a alta classe média hegemonizada pela mídia neoliberal de direita foi as ruas contra o governo Dilma. Desde 2013, o ano das jornadas de julho, a rebelião do precariado que se tornou a revolta da “classe média” coxinha, movimentos sociais – MBL, Vem Pra Rua, Revoltados On-Line – financiados pelo empresariado brasileiro – e provavelmente com dólares – aproveitaram a crise político-moral no País para instalar nas ruas a pauta da direita brasileira. A baixa “classe média” inquieta pela proletarização – parte dela sob inspiração de ideologias “esquerdistas” sedentas da luta de classes e pregando a luta pelo socialismo – também insurgiu-se como oposição contra o governo Dilma confundindo-se objetivamente com a demanda politica da direita reacionária.

Apesar dos desvarios à direita e à esquerda da “classe média” brasileira, a nova classe trabalhadora (que Lula errou ao denominá-la “nova classe média”), a classe operária organizada e o subproletariado – beneficiários dos Programas Sociais – conseguiram reeleger por uma pequena margem de votos, Dilma Rousseff em 2014, derrotando o candidato do PSDB, Aécio Neves. Foi uma vitória de Pirro. Mais uma vez, Lula, cabo eleitoral de Dilma, demonstrou sua notável força política de líder popular. A nova derrota politica da direita brasileira – a terceira derrota eleitoral em pouco mais de dez anos! – seria inaceitável para o bloco no poder da oligarquia brasileira. O bloco de poder recomposto no Brasil não deixaria impune o atrevimento da esquerda petista.

Presto Bruscamente

A arquitetura política do lulismo construída em 2006 desmoronou-se mesmo antes da eleição de Dilma Rousseff. O projeto neodesenvolvimentista do PT estava condenado. Em 2014, Lula, Dilma e o PT ganharam no voto popular, mas perderam efetivamente na correlação de força no interior da sociedade política e do aparelho de Estado, incluindo Parlamento e os estamentos da Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Federal, Polícia Federal e o alto Poder Judiciário (elite política de classe média de extração oligárquico-bacharelesca sob hegemonia liberal).

O Congresso Nacional, eleito em 2014, tinha dentro de si uma composição-bomba, financiada pelo grande capital e articulada em bancadas para fechar com a pauta empresarial da direita conservadora. A conspiração efetiva pelo “desmonte do Brasil” vinha, pelo menos desde 2013. A burguesia brasileira de extração colonial-escravista, diante da crise profunda do capitalismo brasileiro, no calor do Golpe em processo, expressou-se em 2015 por meio do Programa do PMDB – “Ponte para o Futuro” – que sinalizava, logo após Dilma ser reeleita, para a necessidade de uma nova ofensiva neoliberal no Brasil. O Golpe era uma crônica de uma morte anunciada.

Eleita em 2014, com o PT sob fogo cruzado da Operação Lava Jato e sem maioria política no Congresso Nacional (a arquitetura de alianças política do lulismo tinha implodido – a burguesia não queria mais o PT!), e diante do aprofundamento da crise da economia brasileira – caos da economia criada pelo empresariado nacional, capitaneado pela FIESP e CNI – Dilma cometeu erros cruciais na resistência politica: por exemplo, iludiu-se (?) indicando Joaquim Levy, homem do Bradesco, para o Ministério da Fazenda acreditando que pudesse acalmar a burguesia rentista que comanda o bloco no poder recomposto. Outro erro politico: manteve como Ministro da Justiça, o débil José Eduardo Cardoso que, com seu republicanismo venal, assistiu impassível movimentações do golpismo nas barbas da Polícia Federal; indicou para a Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot, homem do corporativismo do Ministério Público Federal, outro articulador passivo do golpe de 2016; e manteve como articular politico o insosso Aluízio Mercadante. Enfim, contra canalhas o republicanismo, além de ineficaz, é burro. Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff seria destituída por impeachment num ritual macabro de venalidade parlamentar nunca antes visto na história desse país.

Teoria do Domínio do Fato e a Razão Cínica

A Operação Lava Jato, nascida em 2014, e que hoje acusa e condena o ex-Presidente Lula é personagem principal da Ópera dos Canalhas, o processo do Golpe de 2016 que propiciou que uma quadrilha de bandidos profissionais da política, tomassem de assalto o Parlamento brasileiro e o Palácio do Planalto. A Operação Lava Jato é o baixo-barítono que acompanha o alto Judiciário como barítono do Golpe parlamentar-juridico de 2016. Como tenores e contratenores temos o Congresso Nacional. O contralto, mezzo-soprano e soprano são compostos pelos postos-chaves do aparelho de Estado no Brasil (STF, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Mídia neoliberal hegemônica). Em 2017, após a canaglia destituir inconstitucionalmente a Presidenta Dilma Rousseff (PT) e empossar o Vice-presidente Michel Temer (PMDB) como Presidente da República, digladiam-se entre si para ver quem dá prosseguimento ao desmonte da Nação e a espoliação dos direitos do provo brasileiro.

O exercício de memória história torna-se fundamental para nos fazer lembra que vinho é feito de uva, assim como a digna Justiça que condena Lula é a mesma que foi colaborou (e colabora) com os desdobramentos da Ópera dos Canalhas, utilizando com desfaçatez da Teoria do Domínio do Fato, artifício jurídico perigosíssimo nas mãos de oportunistas de plantão da alta estratégia política conspiratória credenciada pela CIA e Departamento de Estado norte-americano.

No Brasil, a teoria do domínio de fato foi temperada no bom ecletismo culinário tupiniquim, pela Razão Cínica que crassa na pós-política da hipermadoria senil. O choque de capitalismo de FHC, Lula e Dilma produziram cidadãos reclusos em seu narcisismo, armados de cinismo até a alma.

Os juristas da Toga oligárquica brasileira apenas expressam a cultura de “classe média” pós-ditadura militar. O medo do povo produz monstros. O advento da razão cínica na hipermodernidade senil anuncia um aprofundamento das mistificações constitutivas do sistema ideológico do capital – política e ideologia jurídica, impondo profundas limitações ao modo tradicional de operar o Estado democrático de direito. Como se sabe, tais mistificações apareciam como inerentes à realidade social burguesa, como condição necessária para que ela própria se reproduza.

Contudo, como bem observou Slavov Zizek, a compreensão da ideologia nessa forma clássica pressupunha, segundo ele, que os agentes comprometidos diretamente na prática utilitária, assim como os analistas superficiais dos acontecimentos econômicos, desconhecessem os pressupostos objetivos de suas crenças. Disse ele que a melhor expressão dessa inocência por ignorância fora fornecida pelo próprio Marx quando declarara nas páginas de “O Capital”, sobre a redução do trabalho concreto ao abstrato, que ela ocorria realmente por meio das práticas sociais cotidianas dos agentes econômicos – e porque não, jurídico-políticos -, mas que “eles não sabem, mas o fazem”.” (ZIZEK, Slavov. “Eles não sabem o que fazem: O sublime objeto da ideologia”, Zahar Editores, 1992)

Entretanto, Zizek concorda com Peter Sloterdijik (“Crítica da Razão Cínica”, Estação Liberdade, 2012) que o funcionamento da ideologia se tornara cínico. Segundo ele, “o sujeito cínico tem perfeita ciência da distância entre a máscara ideológica e a realidade social, mas, apesar disso, contínua a insistir na máscara”. [o grifo é nosso] Portanto, o filósofo Sloterdijk, num acesso de sinceridade cruel, propusera uma mudança na fórmula expressiva da ideologia: ao invés de afirmar que “eles não sabem, mas o fazem”, ter-se-ia de proferir que “eles sabem muito bem, mas fazem assim mesmo”. Enfim, a elite togada brasileira que utiliza a teoria do domínio do fato para perseguir lideranças políticas de esquerda, tal como o ex-Presidente Lula, sabe muito bem o que faz e faz assim mesmo.

Voltemos à questão inicial do nosso artigo: a elite oligárquica bacharelesca do alto Poder Judiciário no Brasil possui impressa em seu DNA de extração colonial-escravista, medos e preconceitos atávicos contra o povo e seus representantes políticos. A burguesia canalha brasileira e sua “classe média” herdaram do passado lúgubre da formação histórica do Brasil, o estigma do sentido da colonização (vide Caio Prado Jr.). Isto não é nenhuma novidade. Desde 1964 vislumbramos os desvarios da miséria brasileira nos golpes nosso de cada dia (lembram da operação midiática da TV Globo contra Lula nas eleições para Presidência da República em 1989?). Os canalhas apostam no Alzheimer nacional: a doença degenerativa da memória pública que assola o povo brasileiro.

A magistral “Ópera dos Canalhas” que se encena diante dos olhos perplexos da Inteligência brasileira prossegue fazendo a nova (e insana) revolução burguesa no Brasil – revolução e contrarrevolução. Os canalhas se digladiam entre si. Na politica da Triste República, a grotesca aliança pós-trágica entre mídia neoliberal, burguesia rentista, classe média imbecilizada e povo inquietamente sonolento (que o lulismo na sua era dourada embalou com o canto do consumo e meritocracia) parece levar o País para a convulsão social.

2018 é a incógnita da Incógnita. Como ato grotesco da Ópera dos Canalhas, a condenação de Lula por uma sentença histriônica que o condena em provas, pois se utiliza, com sua Razão Cínica, do artifício jurídico da teoria do domínio do fato, apenas compõe mais um ato de desvario da elite barítona de Toga do pobre capitalismo brasileiro rumo ao abismo histórico.

[1] A teoria do domínio do fato foi criada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida pelo jurista Claus Roxin, em sua obra Täterschaft und Tatherrschaft de 1963, fazendo com que ganhasse a projeção na Europa e na América Latina. Como desdobramento dessa teoria, entende-se que uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata sobre um agente ou grupo de agentes que prática ilicitude, em situação ou contexto de que tenha conhecimento ou necessariamente devesse tê-lo, essa autoridade pode ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos. Tal entendimento se choca com o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, todos são inocentes, até que se prove sua culpabilidade. Isto porque, segundo a teoria do domínio do fato, para que a autoria seja comprovada, basta a dedução lógica e a responsabilização objetiva, supervalorizando-se os indícios. Ela foi utilizada pela primeira vez no Brasil, no julgamento do “Escândalo do Mensalão”, para condenar José Dirceu, alegando-se que ele deveria ter conhecimento dos fatos criminosos devido ao alto cargo que ocupava no momento do escândalo, além de os crimes terem sido aparentemente perpetrados por subordinados diretos seus. Entretanto, conforme declarou o próprio jurista Claus Roxin, a decisão de praticar o crime “precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido”.

* Giovanni Alves ([email protected]) é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da RET (Rede de Estudos do Trabalho) – www.estudosdotrabalho.org ; e do Projeto Tela Crítica/CineTrabalho (www.telacritica.org).. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais “O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000)”, “Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Boitempo Editorial, 2011), “Dimensões da Precarização do trabalho” (Ed. Praxis, 2013), “Trabalho e neodesenvolvimentismo” (Ed. Praxis, 2014) e “Labirintos do labor” (Ed. Praxis, 2017, no prelo). E-mail: [email protected]. Home-page: www.giovannialves.org

Notas

1 Esse artigo do professor Giovanni Alves foi originalmente publicado em: http://editorapraxis.com.br/a-opera-dos-canalhas/

2 Essa matéria recebeu o selo 019-2018 do Observatório do Judiciário.

3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:

https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Texto com boas ideias, mas péssima redação, com uma infinidade de erros de concordância, pontuação, etc. Por isso, leitura desagradável.

  2. Texto com ideias interessantes, mas péssima redação, com inúmeros erros de concordância, pontuação etc. Estilo confuso, também.

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