Eu já estava pensando num texto sobre Brumadinho, depois de ter passado 5 dias junto às famílias atingidas, quando surge a notícia, até hoje meio embaçada, da morte de Sabrina Bittencourt, que teria cometido suicídio após as mais violentas ameaças, já que Sabrina foi uma das principais denunciadoras dos sistemas de abuso sexual em nome da fé. Nomes como João de Deus, Prem Baba e Marco Feliciano estão na lista de líderes religiosos denunciados…

Quanto aos abusos no meio evangélico, sempre foram atribuídos ao baixo nível cultural dessa enorme massa, considerada por muitos um povo “inferior”, levado por qualquer conversa e, portanto, alvo fácil de mercenários e crápulas que fazem da fé um negócio para lá de lucrativo.

Mas, o que dizer quando os abusadores são, por exemplo, Prem Baba e João de Deus, e os abusados são figuras da alta sociedade, artistas, intelectuais, gente que, nem de longe, se encaixa no perfil “socio-antropológico” dos “alienados” evangélicos?

Isso nos deveria acender um alerta: abusos espirituais independem da classe social, nível cultural ou capacidade cognitiva. Abusos espirituais acontecem porque a fé é, em última instância, suprarracional. E aqui encontramos um grande erro da “análise geral”: a fé não nega a razão, mas está acima dela. É suprarracional, e não irracional. Por isso encontramos gente com pós-doutorado, mas que tem cristais em casa para energizar chacras, intelectuais que não dispensam um bom passe ou uma fitinha do Bonfim… Vai que…

Ainda que a baixa escolaridade e o abalo social favoreçam os abusadores, não são as causas dos desvarios dos líderes religiosos. Há outros elementos, presentes em todos, de todas as classes, gêneros e raças, que perpassam a nossa humanidade e nos deixam vulneráveis aos abusadores: sensibilidades, medos, neuras, dores, perdas… e quem abusa sabe se aproveitar bem disso. Daí o enorme número de pessoas abusadas pela fé, e, principalmente, abusos sexuais.

A fé que abusa não olha rótulos, mas vê cifrões e poder, ganância e posição. Gente fragilizada é alvo fácil dos pilantras abusadores, já que se submetem ao “poder” desses “enviados divinos”, desde que o seu problema seja resolvido. E uma promessa “divina”, nessa lógica, às vezes custa sacrifícios, sejam eles financeiros, emocionais ou, em casos extremos, sexuais. E os casos extremos são cada vez maiores.

Portanto, deixo, para terminar, alguns sinais de como identificar um abusador espiritual, e espero que isso nos ajude na caminhada por um mundo melhor:

1) Geralmente são líderes vaidosos, que valorizam o seu nome, muitas vezes usado na terceira pessoa, como se ele fosse alguém além dele;

2) Promovem momentos “secretos” com seus liderados, geralmente acompanhados de ameaças e “fracasso espiritual” caso falem o que acontece ali;

3) Tentam afastar as pessoas lideradas de pais, família e amigos, ainda que juntos na “comunidade de fé”, mas sempre sozinhos nesses momentos especiais;

4) Em muitos casos, esses líderes dizem possuir revelações ou poderes especiais que ninguém mais tem, o que causa dependência do liderado;

5) Impõem medo, angústia, culpa e tristeza caso as pessoas não continuem seus “tratamentos” ou “jornadas espirituais”;
Pelo menos surge um novo momento, onde gente abusada começa a ter coragem de denunciar os abusos sofridos. Que isso continue, e que a fé não seja mais usada para abusar de nenhuma pessoa. Que todas sejam respeitadas em seus momentos de dor e sofrimento. E que os abusadores sejam punidos e não mais as vítimas sejam, como muitas vezes são, tidas por culpadas diante desses que usam a fé para seus próprios prazeres.

Que assim seja!

José Barbosa Junior – Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho – Belo Horizonte

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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