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A ÉTICA FASCISTA

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ARTIGO

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Guidacci

 

O vocabulário político é formado por conceitos que se transformam ao longo do tempo, sem que com isso percam seu significado básico. Não é apenas de transformações que se faz a história. Há as continuidades também;

O conceito “fascismo” é prova disso.

Termo criado para designar os governos autoritários que ascenderam na Europa na década de 1930, especialmente na Itália e na Alemanha. “Fascismo” se tornou uma daquelas palavras constantemente evocadas no debate político, sempre com o objetivo de desqualificar o adversário.

“Fascista” é sempre o outro.

Para não cairmos nas armadilhas de uma palavra muito usada e abusada, é necessário conhecer com cuidado o seu significado básico, aquele que sobreviveu aos últimos 90 anos.

Tanto os governos autoritários europeus dos anos 1930 como parte do governo de Jair Bolsonaro são fascistas, porque evocam uma ética peculiar, perigosamente relativista.

Ética: conjunto de preceitos que definem os comportamentos humanos como certos ou errados.

O fascismo é semente que só dá fruto no terreno do caos, da destruição completa. Apenas sociedades que se percebem como colapsadas, destruídas, se tornam receptivas ao fascismo.

O fascismo é sempre mobilizador, pois conta com adesão apaixonada de parcela da população. O fascismo jamais fica restrito às elites. Pra ser fascismo mesmo, carece de apoio popular.

O fascista está convencido de que diante do caos, da corrupção total, apenas o líder é honesto e virtuoso. O líder teria, então, uma missão redentora a cumprir, custe o que custar. Aqui, nesta percepção, começa a funcionar a ética fascista.

Aquilo que normalmente é visto como errado (matar, torturar) é tolerado pelo fascista, que considera esses crimes como desvios necessários para a regeneração.

A ética fascista mira no futuro. O fascista considera legítimo o sacrifício do presente. O futuro é seu objeto de desejo. O fascista goza com a ausência, com aquilo que existe apenas como projeção, como expectativa.

A relação do fascista com o líder precisa ser direta, sem nenhum tipo de mediação. O fascista não tolera as instituições mediadoras que fundam a democracia moderna: o poder Legislativo e o poder Judiciário.

Para o fascista, todas as instituições estão corrompidas e, por isso, devem ser abolidas, ainda que temporariamente. Na lógica fascista, a representação política não se dá através do voto, mas sim pela projeção de afeto ao líder.

Em 27 de fevereiro de 1933, os fascistas alemães atearam fogo ao Parlamento, considerado obstáculo ao projeto regenerador liderado pelo chefe.

Em 26 de maio de 2019, os fascistas brasileiros foram às ruas para pedir o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Precisamos ser cuidadosos com a comparação.

No Brasil dos nossos tempos, o fascismo ainda não conseguiu ocupar a totalidade do Estado. Não ocupou sequer a totalidade do governo. Por mais de uma vez, as instituições da República funcionaram e confrontaram a pulsão fascista do núcleo mais próximo a Jair Bolsonaro.

A cada derrota institucional, Bolsonaro radicaliza seu discurso, o que o coloca diante de um paradoxo: é fraco como presidente, mas é forte como agitador fascista. Pra ser presidente na democracia, precisa trabalhar com as instituições, por dentro das instituições. Bolsonaro não sabe fazer isso. Não quer fazer isso. Pra ser líder fascista, precisa excitar uma base social disposta a ultrapassar todos os limites. Bolsonaro sabe fazer isso como ninguém.

A novidade das últimas semanas é que o escândalo da Vazajato aumentou o campo de adesão ao fascismo junto aos figurões da política brasileira. Acuado, Sérgio Moro busca legitimidade junto à base social orgânica do fascismo bolsonarista. Isso não deixa de ser uma derrota para o homem que, em janeiro, era o “superministro”, o grande fiador do governo que tomava posse sob a desconfiança de todos.

Os vazamentos trouxeram à luz do dia toda sorte de violação dos valores fundamentais ao Estado de direito. Moro perdeu apoio. Veículos da mídia como a revista “Veja” e os jornais “Estadão” e “Folha de São Paulo”, que nos últimos quatro anos colaboraram para monumentalizá-lo, desembarcaram.

Sobrou apenas a Globo e a base social fascista. A empresa dos irmãos Marinho sabe que não é possível, simplesmente, abandonar Sérgio Moro, de quem foi cúmplice durante esses anos todos. Trata-se de uma adesão pragmática, movida por instinto de sobrevivência. Os fascistas estão convencidos de que os desvios de Moro foram necessários, se justificam pelo bem maior: a punição daqueles que corromperam a nação.

Cadeia é pouco! Se pudessem, os fascistas estripariam Lula e outras lideranças petistas, lhes arrancariam as vísceras em praça pública.

A marcha fascista segue firme, com sua base em estado de crescente radicalização. Nem todos os 57,8 milhões de eleitores de Bolsonaro são fascistas. Dizer o contrário seria de uma insensibilidade política imperdoável.

Parte desse contingente já pulou fora, como comprovam as recentes pesquisas de opinião. Mas uma parcela nada insignificante, cujo tamanho ainda não conhecemos com clareza, se mantém firme, convicta. O fascismo, por natureza, é filho da convicção.

É assim, leitor e leitora, que o fascismo vai ganhando eco na sociedade civil. De repente, aquele tio atencioso, aquele pai carinhoso, aquela mãe acolhedora, começam a dizer que nomeação de filho pra embaixada não é nepotismo. Afirmam que, a depender das circunstâncias, a tortura é prática tolerável. Trabalho infantil passar a ser algo aceitável, atividade formadora de caráter.

“O trabalho liberta”. Assim estava escrito no portão de entrada de Auschwitz.

Pouco a pouco, o tio, o pai, a mãe, vão ultrapassando limites, vão chegando próximos daquilo que consideram ser a solução final para todos os problemas: o extermínio daqueles que atrapalham o projeto regenerador.

Ninguém acorda fascista, de repente, em uma manhã de inverno ao sul do Equador. As pessoas vão se tornando fascistas dia após dia. O processo é irreversível. O fascismo é doença política terminal.

 

 

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4 Comments

4 Comments

  1. Débora Regina Sales

    03/08/19 at 9:39

    Texto maravilhoso!

  2. Vidomar Silva Filho

    17/01/20 at 21:27

    Excelente artigo!

  3. Andréa Araújo

    07/04/20 at 20:26

    Existe um grupo de pessoas que estão produzindo livros, filmes em defesa do neoliberalismo, onde fazem uma salada teórica. Então, lá eles dizem que fascistas são os líderes comunista. Que de uma certa forma, promoveram o autoritarismo em seus países Cuba e China. É bom para analisar para compreender esse fenômeno social de manipulação das massas pelas mídias sociais. “BRASIL PARALELO” e a sua produção “Pátria Educadora” da forma que foi apresentada se torna sedutora e explica a entrada em massa de boas pessoas ao fascismo.

  4. Daniel

    08/04/20 at 21:45

    Artigo excelente, parabéns

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fascismo

O Bolsonaro de sempre: porrada na boca do povo e de quem revela seus crimes

Já para os amigos milicianos, a famiglia delinquente e o grande capital é sombra, água fresca, Rodrigo Maia e o STF acovardados

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Bolsonaro é porrada @Antonio Cruz/Agência Brasil

É conhecida a fábula do Sapo e o Escorpião. Certo dia, o escorpião pediu ajuda ao sapo para levá-lo a outra margem do rio. O sapo temia ser picado, mas o escorpião garantiu que não faria isso, pois se o sapo morresse, ele também morreria afogado. Com a explicação convincente, o sapo decidiu ajudar o “amigo”, mas no meio do rio recebeu a picada mortal. Antes de morrer perguntou: “Por que você fez isso?” O escorpião respondeu: “É da minha natureza”. Assim age Bolsonaro. Como o escorpião.

Por Dacio Malta*

Sempre foi assim, e assim continuará.

A trégua que ele deu ao país, após a prisão do amigo Queiroz, foi para inglês ver.

O capitão é caso perdido.

Nem curso intensivo da Socila  — escola tradicional no ensino de etiqueta e boas maneiras — daria jeito no capitão meio bandido, meio desastrado, mas completamente ignorante.

A resposta dada ao repórter de “O Globo”, que perguntou ao presidente por que a terceira primeira-dama Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz, mostrou um Bolsonaro em sua forma mais genuína:

 —Minha vontade é encher sua boca de porrada.


Um milhão de tweets já publicados contra a declaração, em nada mudará seu comportamento.

O capitão é assim.

Desastrado ao ponto de, no Piauí, pegar um anão no colo pensando ser uma criança.

Grosso ao dizer, em Mossoró, na mesma semana, que na política “sou imbrochável”.

 —E não é só na política não. Eu tenho uma filha de 9 anos de idade, que foi feita sem aditivo.


Em princípio teremos de conviver com a besta por mais dois anos e meio.

Supersticioso, o presidente da Câmara não quer discutir o impeachment.

E tem lá suas razões.

A pandemia é a desculpa, mas a razão verdadeira é o apoio do centrão ao presidente que, junto com os R$ 600,00 alçou sua popularidade a 37% de aprovação, o que é muito pouco, mas suficiente para segurá-lo no cargo.

Obviamente, é preciso haver o combate diário não só contra ele, mas também contra os Ernestos, as Damares, os Ônixs, os Pazuellos, os Salles, os Mendonças e todos aqueles que insistem em avacalhar o país aqui e no exterior. E em especial ao Corisco do Lampião, e que atende pelo nome de Paulo Guedes.

Nos próximos 28 meses ainda iremos sofrer e nos envergonhar por termos de conviver com um presidente tosco com viés miliciano.

Mas ele passará.

Sua força é com um castelo de cartas.


Quis fazer um partido para chamá-lo de seu, e disputar as eleições deste ano, mas já sabe que não conseguirá formá-lo nem para 2022. Precisava do apoio de 492 mil eleitores, mas só conseguiu 15.762 apoiadores.

A resposta virá.

E o melhor.

Ele, e os filhos bandidos, terão o destino que merecem: a cadeia.

*Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

Leia mais Dacio Malta em:

HTTPS://JORNALISTASLIVRES.ORG/BOLSONARO-FACILITA-FUGA-DE-ABRAHAM-WEINTRAUB-PARA-OS-ESTADOS-UNIDOS/

CADÊ O QUEIROZ? BRAÇO DIREITO DE BOLSONARO TEM A SENHA PRA DERRUBAR O PRESIDENTE

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Brasília

Racistas, fascistas, não passarão!

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Em um lado da Esplanada dos Ministérios, um ato em defesa da democracia, contra o racismo e o fascismo. No outro, a marcha do ódio e antidemocrática dos bolsonaristas defendendo o mesmo de sempre: fechamento do STF, intervenção militar, morte aos comunistas, maconheiros e outros absurdos.

Houve muita provocação verbal dos dois lados, mas apenas os bolsonaristas tentaram criar um embate físico, ao cruzarem a barreira policial no gramado central, para correr entre os manifestantes antifa. A polícia? Parecia mais preocupada em intimidar aqueles que defendem a democracia. Mas a resposta dos que lutam contra o racismo e o fascismo foi linda: muito grito de luta, um ato cheio de emoção e sem violência, como era esperado.

Confira a galeria de imagens da cobertura dos Jornalistas Lives em Brasília

Galeria 1- Fotos: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

 

Galeria 2- Fotos: Matheus Alves

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#EleNão

Ato na Paulista, neste sábado (13/06), faz protesto “contra governo da morte”

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Neste sábado (13/6), a avenida Paulista será o espaço de mais uma manifestação pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. O ato está sendo organizado por grupos sem vínculos partidários ou institucionais, que protestam contra o genocídio produzido pela irresponsabilidade do governo federal diante da pandemia do Covid-19 e contra a violência policial e estatal que vitima os brasileiros mais pobres e vulneráveis.

Bolsonaro, que já vinha pressionando prefeitos, governadores e empresários para um “retorno à normalidade”, antes mesmo do Brasil atingir o pico da pandemia e a contaminação estar controlada, estimulou, em live transmitida na úlltima quinta-feira (11/06), que a população invada os hospitais, filme os leitos e envie as imagens para a Polícia Federal e para a Abin, colocando em cheque os números apresentados pelas secretarias de saúde de estados e municípios. De acordo com nota divulgada pelo grupo que organiza o Ato, não resta outra alternativa que não seja ocupar as ruas e confrontar o governo com os resultados de sua própria política, “o Brasil não pode mais aguentar duas crises ao mesmo tempo: a pandemia e Bolsonaro. Uma se alimenta da outra. A única maneira de lutar contra a pandemia é derrubando este governo irresponsável. Não sairemos das ruas até que ele caia”.

Jair Bolsonaro também ameaçou, nesta quinta-feira (11), vetar a prorrogação do auxílio emergencial, caso o Congresso mantenha o valor de R$ 600. A proposta apresentada pelo governo é reduzir o valor pela metade, para mais dois meses de auxílio.

“A função primeira de um governo é proteger a população. Bolsonaro e seus seguidores zombam dos mortos e conspiram contra políticas que poderiam salvar vidas”.

 

 

 

Outra medida tomada por Bolsonaro esta semana, que vai de encontro às reclamações do Ato Contra o Governo da Morte, foi a exclusão da violência policial do relatório sobre violações de direitos humanos, uma tentativa clara de maquiar os números, assim como é a política oficial com o Coronavírus.

Serão distribuídas para os manifestantes, 500 fotos com vítimas da violência do Estado na ditadura e nos dias atuais, pela polícia e Covid-19. O uso de máscaras e a observação da distância de dois metros uns dos outros será obrigatório. Uma equipe irá garantir a distância e a segurança dos participantes.

O Grupo que organiza a ação é apartidário e espontâneo, composto por ativistas, artistas, advogados, professores, profissionais de saúde, estudantes, comunicadores. Cidadãs e cidadãos que não verão calados mais um genocídio do Estado brasileiro contra o seu povo.

Leia a íntegra do manifesto:

 

 

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