A briga não é Über versus taxistas. A briga é tecnologia versus trabalhadores

No dia 27 março desse ano, 200 motoristas de taxi se mobilizaram pelas ruas de SP para pedir mais segurança a categoria, diversas ruas foram paralisadas — Foto: Mídia NINJA

Por Eduardo Afonso

Nos últimos meses, uma polêmica já conhecida lá fora chegou atrasada no Brasil — tal como dita o complexo de inferioridade do brasileiro: ‘tudo chega atrasado no Brasil’ — o Uber. Uber é um aplicativo de celular, tipo WhatsApp ou Instagram. Os aplicativos de celular tornaram-se ferramentas obrigatórias do nosso dia-a-dia.

Eles tendem a deixar os meios de trabalho básicos do ser humano mais efetivos, confortáveis e, em casos como o do Netflix e do WhatsApp, mais baratos. Eles estão tomando conta de diversos setores — os canais de televisão e rádio, por exemplo, não tem outra alternativa a não ser migrar para as redes sociais, a forçar seus telespectadores a interagir com aquilo que estão assistindo ou ouvindo, pois essa é a tendência de nossa geração. Tudo está ficando muito mais dinâmico por causa desse tipo de aplicativo, que é um fruto da internet, que veio pra revolucionar o mundo assim como vieram as máquinas na revolução industrial. A internet tornou-se uma poderosa ferramenta de troca de informações, sejam elas fúteis ou não, e somente isso já aumenta a porcentagem de participação ativa de cada um dos membros de qualquer sociedade. A internet atingiu até os locais mais pobres do mundo, e fez desses lugares, lugares íntimos em uma questão de segundos pra qualquer um que tenha acesso à ela. Anos à frente nossos filhos estudarão a revolução da internet na escola, se é que a internet não vai encontrar também uma alternativa para as escolas até lá. Um dos principais motivos pra isso ser chamado de revolução são os tais dos aplicativos. O caso do Uber é um grande exemplo disso.

Foto: Mídia NINJA

O Uber é um aplicativo de celular que ajuda você a encontrar um motorista, do Uber, pra te levar onde você precisa por um valor específico. O serviço apresentado é bem parecido com o famoso taxi, que existe em massa por todo o Brasil e por todos os países que seguiram o molde europeu de civilização. A diferença é que o Uber é um serviço colaborativo — qualquer um que tiver os requisitos mínimos pra ser um motorista Uber pode ser um motorista Uber, inclusive você e eu. As exigências não são muito complicadas de se agradar — a pessoa precisa ter apenas uma carteira profissional com licença pra exercer atividade remunerada, seguro que cubra o passageiro e um sedã comprado após 2009. Os candidatos a motorista do Uber passam também por uma série de entrevistas antes de se tornar um, mas se você não for um psicopata ou algo parecido dificilmente vai ser rejeitado. O serviço torna-se, então, mais confortável e efetivo, mais ‘direto ao ponto’, por assim se dizer, e em certas horas do dia, mais barato. Além disso, o serviço é melhor que o dos taxistas, apesar de sair um pouco mais caro nas outras horas do dia. O serviço dos taxistas, porém, nunca foi barato no Brasil. Só se move de taxi pelas grandes cidades aqueles que tem o mínimo de dinheiro sobrando pra isso. Quem ganha menos de mil reais, que é o caso da maioria da população brasileira, não utiliza o taxi, utiliza o transporte público, que ainda não tem uma alternativa cibernética.

Os taxistas estavam confortáveis em suas posições, muitas vezes pegando o caminho mais longo pra ganhar uns trocados a mais, sem oferecer nenhum luxo para o passageiro que muitas vezes era, inclusive, tratado como um problema, como um incômodo a se carregar numa madrugada meio preguiçosa, e agora terão que modificar seu modo de trabalho se quiserem se manter no mercado. A tecnologia veio pra dominar, e todos os lugares onde ela começar a ser utilizada, substituirá qualquer prática que seja considerada abusiva ou inefetiva. Ela começou afetando áreas como a comunicação entre as pessoas, em seguida derrubou o mercado fonográfico com os mp3s e o streaming, e agora começa a atacar mercados mais arriscados como o do transporte.

Por outro lado…

Os taxistas se invocaram com o aplicativo pelo que ele representa no futuro, sentindo-se ameaçados com o avanço da tecnologia. Muitas áreas estão sofrendo com isso, e acredito eu que parte da crise mundial seja consequência do avanço tecnológico. Nas fábricas de carros, por exemplo, as pessoas começaram a ser substituídas por robôs anos atrás. A linha amarela do metrô de São Paulo não tem operador, tudo é controlado remotamente. A tendência é que isso aconteça mais e mais, e quem estiver ligado à mudança do mercado terá como se adaptar. Aqui entra também a discussão do livre mercado, defendido pelos liberalistas como uma opção mais efetiva na evolução da sociedade e de nossa espécie. Eles erram em acreditar que as regras têm poder de frear esse avanço, ou de achar que uma prática ou organização específica ditará o avanço de nossa espécie. O ser humano tem fome de evolução instintivamente, e não importa o quanto seu mercado for regrado ele sempre encontrará uma forma mais barata e efetiva de lucrar nesse mercado. Ele sempre procurará caminhos pra evolução. Não importa quantos sites de torrent sejam derrubados, sempre surgirá um outro em seguida pra tomar o lugar do que fora derrubado. A questão a se pensar pelo lado progressista da coisa é a do ataque do avanço tencológico no mercado de trabalho. Os progressistas deveriam estar defendendo os trabalhadores, os taxistas, que querem nada mais que se cumpra as regras pré-estabelecidas do mercado brasileiro. Há de se deixar que os aplicativos existam, pois não há como freiá-los, mas há também de adaptar o mundo internético dos aplicativos às regras de nosso mercado pra que nossos trabalhadores, mesmo que autônomos, não sofram bruscamente com a mudança que a internet vêm provocando no mercado mundial.

A forma como os taxistas trabalham teria que mudar e no processo diversos empregos seriam perdidos caso o Uber não se enquadre nas exigências do mercado. O custo de trabalho aumentaria e a renda diminuiria. Muitas famílias que dependem do sustento do pai ou mãe taxista ficariam sem ter o que comer caso o pai ou mãe não fizesse algo pra reverter a situação. Há de se pensar no trabalhador, acima de tudo, e do que o conforto da classe média que utiliza de tais serviços realmente significa para os que estão noite e dia nas ruas a servi-los. A teoria do livre mercado, defendida pelos liberalistas, não pode ser o discurso dos progressistas — estamos aqui pra defender o trabalhador. Se o mercado indica uma mudança brusca na forma de trabalhar, há de ser adaptar as novas práticas ao mercado e não de se destruir toda uma classe somente por questões de eficácia. E também não devemos apoiar as tecnologias pois elas nos trazem conforto. O conforto de uns é a catástrofe de outros. Essa é a grande lição que deveríamos tirar do sistema capitalista que nos rege.

A internet veio pra ficar, e assim vieram também os aplicativos, que tendem a facilitar nossas vidas. Ela pode e deve ser usada como ferramenta pra derrubar diversas coisas — a mídia manipuladora, os políticos mentirosos, a hipocrisia de nossos líderes religiosos, mas nunca a internet deve atacar os trabalhadores e o cidadão comum. Ela deve ser uma aliada, não uma ameaça, ela deve ser a voz do povo e não a destruição de empregos. Que fique para os taxistas a lição do motivo dos sindicatos existirem, pra proteger o trabalhador quando as empresas ou o mercado quer esmagá-los. Filie-se a seu sindicato, corra atrás de seus direitos e defendam seus empregos. No que depender de mim, estarei sempre com vocês.

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