Quinta feira (29/10) Paris foi reconfinada. Esse reconfinamento é, porém, um pouco diferente do anterior: atividades como usinas e outras consideradas como primeira necessidade continuam, e as escolas primárias continuarão abertas.
As universidades, as empresas, os restaurantes, cabeleireiros estão fechados. No pronunciamento do dia 28, Macron afirmou que em 24 horas tivemos 36 437 novos casos, sendo que em todos esses meses a França teve um total de 35 785 casos, ou seja, em um dia o número de casos superou o total do ano todo.
A reação dos parisienses confinados
Mas e como os parisienses se comportaram diante dessa novidade inesperada? Comprando muito chocolate. As filas dos cholatiers, que são chefs especialistas em chocolates, estavam cheias. Me parece irônico que a primeira necessidade deles seja…Chocolate. Enquanto 58% dos leitos de hospital estão completos, os parisienses fazem fila para comprar chocolate.
Minha primeira passagem por Paris nesse dia foi a Ópera de Paris, porque queria ir andando até o Louvre, que é uns 10 minutos à pé de lá. No caminho vi uma moça com uma mala e seu cachorrinho, além de algumas modelos sem máscara que com certeza vivem em um mundo à parte.
O que mais vi, todavia, foram pessoas com pacotes entrando no metrô, e jovens saindo para tirar fotos em frente à Ópera. Uma jovem mascarada estava a beira do choro nas escadarias da Ópera enquanto segurava seu celular. Me perguntei qual má notícia ela estava escutando, esperei que não fosse a morte de alguém próximo, por COVID ou terrorismo, porque durante a manhã houve um atentado em Nice no qual três pessoas foram mortas, inclusive uma brasileira.
Segui o meu caminho para o Louvre, onde vi o resultado da crise afetando também estabelecimentos comerciais prodigiosos, mesmo na esquina do Louvre vi um restaurante que estava passando o ponto.
Nos metrôs, nas ruas, em todos os locais vi pessoas saindo com mala e até com seus animais de estimação. Me lembrou um pouco uma exposição que vi sobre o êxodo de Paris durante a segunda guerra, quando os nazistas tomaram a cidade a cidade foi evacuada de forma deliberada, com os franceses fugindo de todas as formas possíveis.
Aqueles que ficaram na cidade se comportaram como se fosse o fim do mundo: qualquer restaurante aberto estava cheio, e qualquer museu aberto também. Nunca tinha visto o Louvre tão cheio em um dia de semana. Os casais se abraçavam, alguns ousavam tirar a máscara e se beijarem, as mães com os filhos tiravam mil fotos deles em frente ao museu, como se ele (ou os filhos) fosse desaparecer.
Era uma atmosfera de desespero. O rio Sena praticamente vazio, sem barcos, e os que haviam estavam quase sem turistas. Saí do Louvre para ver o D’Orsay, que é um museu de arte moderna que um dia foi uma estação de trem, para ser mais precisa era a estação de trem onde os judeus desembarcaram após sua liberação dos campos da morte, como são chamados aqui os campos de concentração.
Visiões da cidade
Também estava cheio, e as pequenas lojas de crepe que existem ao lado estavam quase todas fechadas. Continuei caminhando por essa avenida, passei em frente ao Invalides (museu e local em que Napoleão está enterrado), ao brilhante Obelisco de Paris (oferecido pelo governo do Egito, ele tem 3300 anos), e por todos os locais via as mesmas expressões de tristeza e preocupação nas mais diferentes faces.
Por todo o caminho vi pessoas tanto francesas quanto estrangeiras indo com suas malas em direção ao metrô, que passou o dia cheio.
Chegando ao museu Quai Branly ouvi o som de cantos indígenas, o que me trouxe muita paz porque me pareciam cânticos brasileiros, e realmente eram. Essa última exposição gratuita que encontrei, ‘A Memória do Mundo’, fazia parte de toda uma programação específica sobre a Amazônia, com palestras, filmes e debates.
Vi diversas famílias observando as fotos dos indígenas refletidas nas árvores, e ao conversar com uma segurança do museu descobri que ela não havia entendido nada, e que para ela nem as fotos, nem o cântico, nem o documentário, nada do que ela presenciara até o momento fazia sentido. Triste.
Na torre Eiffel o cenário foi o mesmo de todos os outros locais, atolado de pessoas, todos em um ritmo estranhamente calmo. Digo estranhamente calmo porque além do Covid houve outras duas tentativas de atentado terrorista. Os que ficaram na cidade tentaram aproveitar até os últimos instantes de liberdade, o que fez com que o metrô estivesse cheio às sete da noite de um dia em que todos deveriam ter ficado em casa. Pelo que presenciei o fim de Paris para muitos significa simplesmente o fim de sua liberdade individual, enquanto para outros é o fim de sua vida em Paris, essa cidade de passageiros.
5 respostas
Magnífico.
Desculpe, mas desde quando o Orsay é “museu de arte contemporânea”?
Corrigido para arte moderna, já que impressionismo e expressionismo podem ser considerados como tendências modernas, porém não contemporâneas, apesar de que há algum conflito entre essas nomenclaturas.
Verdade, é este sentimento mesmo que temos com toda situação atual… Sem saber o que fazer ou esperar acontecer … Triste!
Gostei muito da parte jornalística da sua reportagem. Mas achei uma certa arrogância julgar o que os outros estão sentindo, da forma como estão reagindo.