Por Dirce Waltrick do Amarante*
Na sociedade da pequena Santana do Livralenço, a high society não iria se curvar a um vírus qualquer, principalmente a um vírus comunista e chinês. Ele que fosse para Cuba ou Venezuela. O Brasil não era o seu lugar.
Para a elite local, não bastasse o vírus, o cúmulo era ter que receber ordens de um biólogo de quinta, negro e ainda por cima africano – “Da Etiópia!”, diziam alguns –, o mundo estava realmente de pernas pro ar, não existia mais respeito. Para os mais instruídos e analistas políticos, o etíope certamente agia por ressentimento e ódio aos brancos, por isso queria vê-los trancados em casa.
As damas, em mensagens de WhatsApp, alertavam para um fato terrível: “Logo vamos ser dominados pelos negros”, e prosseguiam: “Essa é a ideia por trás da ‘inseminação’ do vírus, não ouviu o ministro?”. E, depois de algumas figurinhas com a bandeira do Brasil, outra dama completava a ideia das amigas: “Negros e comunistas!”.
Foi então que decidiram organizar um chá beneficente em apoio à causa branca e empresarial. Foi uma festa linda! Mas elas próprias não compareceram, mandaram os serviçais no seu lugar, os quais depois de uma semana foram entubados.
E as damas? Ora, andam desesperadas atrás de alguém para limpar a casa, colocar cloro na piscina, ir ao supermercado… Da próxima vez, mandarão só alguns deles, não todos: “Parece que precisamos sofrer para aprender alguma coisa”, lamuriou-se uma delas.
*Em tempos de pandemia nem sei mais quem eu sou.
**Sim, é o título de uma peça de Eugène Ionesco, mas ele nem vai saber.