“No dia 7 de abril de 2018 cheguei cedo ao Sindicato dos Metalúrgicos. Fui direto a uma sala no subsolo, onde encontrei Lula sozinho tomando seu café, que seria o último em liberdade naquele ano. Os dias anteriores tinham sido intensos em São Bernardo do Campo. Milhares de pessoas cercaram o Sindicato, idas e vindas de advogados e militantes, perante o dilema do que fazer com uma ordem de prisão injusta e evidentemente política contra a maior liderança popular do país.
Apesar de toda a confusão, Lula estava sereno e decidido naquele café. Não via outra alternativa a não ser cumprir a determinação e entregar-se. Talvez porque a reação popular não tenha sido a suficiente para uma resistência maior, amortecido que estava o povo após 3 anos de massacre midiático contra sua figura. Talvez porque avaliasse que as cortes superiores da Justiça teriam a dignidade de interromper rapidamente uma prisão sem fundamento como aquela. Talvez, o mais provável, pelas duas razões juntas.
O fato é que, depois de um dia turbulento, inclusive com tentativa de bloqueio de parte da militância, Lula foi preso. Não sem antes fazer um discurso sobre sua trajetória e os desafios que via adiante, que ficará para a história como uma de suas mais célebres intervenções. E saiu no meio do público, carregado por meu amigo e companheiro Batoré.
Passados 365 dias, as injustiças só se avolumaram. Viu seu habeas corpus ser negado pelo Supremo Tribunal Federal, sua candidatura à Presidência ser indeferida pelo TSE, foi impedido de dar entrevistas para a imprensa – mesmo com inúmeros precedentes em contrário – e até mesmo de ir velar seu irmão Vavá, morto no fim de janeiro. Está sendo vítima de uma vingança mesquinha e sádica, que opera na lógica da “Justiça do Inimigo”. As peripécias de ministros do Supremo, a começar pela então presidente Carmen Lúcia, pra não votar o tema das prisões em segunda instância, assim como o voto casado na dosimetria pelos desembargadores do TRF 4, entrarão nos anais dos casuísmos mais escandalosos do Judiciário brasileiro.
Não bastassem as injustiças, vieram as provações. Lula foi submetido a perdas que derrubariam qualquer um: após Marisa, sua companheira de vida, e o irmão Vavá, veio o pequeno Arthur. Perder um filho ou neto talvez seja uma das dores mais antinaturais e inconsoláveis, uma dor que ele, Marlene e Sandro compartilham com milhares de mães, pais e avôs que perdem seus jovens na carnificina das periferias urbanas, neste caso por “morte matada”. Lula tinha uma relação especial com o Arthur, que morou um tempo na sua casa. Certa vez, algumas semanas antes de ser preso, Lula me disse numa conversa: “Conviva mais com suas filhas, Guilherme. Uma das coisas que mais me entristecem foi não ter podido ver meus filhos crescerem” e completou: “Agora quero ver meus netos crescerem”.
No enterro de Arthur ele estava destroçado, como qualquer avô estaria. As insinuações em contrário e as provocações de alguns mostram até onde o cretinismo pode habitar um ser humano. Mas, apesar dos golpes do destino, Lula resistiu a esse ano de prisão de forma altiva e corajosa. Não buscou acordos que o diminuiriam, nem deixou de expressar suas opiniões sobre o país, pelas vias indiretas que sobraram. Quase ganhou uma eleição de dentro da cadeia. E foi assim – lúcido, bem-humorado e querendo debater o país – que o encontrei em novembro quando fui visita-lo em Curitiba. O mesmo Lula de sempre. Mais indignado, é verdade, e com razão.
Nesse ano que passou, ficou ainda mais claro para o Brasil e o mundo que se trata de uma prisão política. A nomeação de Sergio Moro para ministro da Justiça de Bolsonaro, colhendo os frutos como político de suas definições como juiz, dissiparam dúvidas sinceras que ainda podiam existir. Até mesmo juristas, políticos e colunistas que não podem ser acusados de simpáticos ao PT ou à esquerda passaram a manifestar seu incômodo. Incômodo que só aumenta quando se vê políticos com cr
sem condenação. Defender sua liberdade é um dever da opinião pública democrática. Não tenho dúvidas de que o período de prisão de Lula passará para a história como uma prisão política e injusta.A questão é o quanto ainda durará. Está nas mãos do Superior Tribunal de Justiça reformar as sentenças de Curitiba e Porto Alegre no julgamento do mérito, que deverá ocorrer nas próximas semanas. Resta saber se terá coragem. Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal fazer valer a Constituição e tirar das prisões aqueles que não tenham condenação transitada em julgado, ressalvado os casos expressos em lei. Exatamente por este julgamento afetar Lula, tem sido adiado a perder de vista. Resta saber se o Supremo, que em outras matérias tem sido um importante contrapeso, em relação a esse caso permanecerá ou não acovardado.
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