Lula está preso e Moro é ministro, babacas!

 

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de Bacellar

 

Ora ou outra aparece no Brasil alguém defendendo o “Estado mínimo”. Pura bravata! Na verdade, na verdade mesmo, ninguém quer Estado mínimo. Os ricos não querem. Os pobres também não. Todos querem mesmo é o “Estado Máximo” para si, o que significa impor Estado mínimo ao outro. Não existe Estado mínimo em sociedades complexas. O que existe é a disputa pelo Estado. Temos aí a síntese da crise brasileira contemporânea: um período de radicalização das disputas pelo Estado.

Este cenário fica muito claro quando lançamos luz sobre programa ultraliberal de Paulo Guedes, que pretende extinguir a vocação assistencialista do Estado moderno brasileiro. O projeto de desmonte do Estado brasileiro é muito antigo e sempre foi rejeitado pela opinião pública. Por isso, o sucesso de Paulo Guedes depende da confusão mental da maioria da população.

O governo precisa de uma nuvem de fumaça densa, capaz de confundir os sentidos daqueles que mais precisam da ação protetora do Estado. Por isso, Sérgio Moro é o ministro da Justiça. Por isso, Lula está preso. Uma coisa está diretamente ligada à outra.

Moro quer aumentar o tamanho do poder punitivo do Estado. O projeto do Ministro da Justiça pretende dar carta branca para a polícia matar um certo tipo social, exatamente aquele que é visto pelas classes proprietárias como a representação perfeita do crime: o homem jovem, preto, vestindo bermuda, calçando chinelo de dedos e envolvido com o tráfico varejista de drogas.

Se Guedes quer Estado mínimo na assistência social, Moro quer Estado máximo na repressão e na violência.

A sociedade civil, acuada pela violência nos grandes centros urbanos e tomada por um certo sentimento hobbesiano, apoia a iniciativa e aplaude o projeto do Ministro da Justiça. Este é o capital político necessário para fortalecer o governo e preparar terreno para outra pauta, essa nada popular: a reforma da previdência e a radicalização da reforma trabalhista propostas por Paulo Guedes.

Moro sob os holofotes e Guedes nas sombras. Essa é a estratégia.

Todas as pesquisas de opinião mostram que a população não apoia a agenda ultraliberal de Paulo Guedes. É que ainda sobrevive no imaginário popular a ideia de que o Estado deve atuar como provedor de direitos sociais. Por isso, Paulo Guedes foi silenciado durante a campanha. Por isso, antes de ser eleito, Bolsonaro se manteve distanciado de Michel Temer, de quem não é apenas sucessor, mas também herdeiro.

As pessoas ainda não entenderam que aquilo que elas reprovam é exatamente o que o governo pretende fazer. Para que elas continuem não entendendo, Lula precisa permanecer preso, completamente incomunicável. Lula é uma ameaça a esse projeto de desmonte do Estado. Talvez seja a única.

Antes de tudo, Lula é um pedagogo.

É exatamente a sobrevivência da imagem do Estado provedor que explica a força política de Lula, mesmo preso e alvo de uma campanha negativa com grau de agressividade nunca antes visto na história do Brasil.

Mas o PT perdeu as eleições. Jair Bolsonaro, o mesmo que nomeou Paulo Guedes para a chefia do Ministério da Fazenda, venceu por uma diferença expressiva de votos. Será que Lula continua sendo tão forte assim?

A derrota do PT não significa a derrota de Lula. A força política de Lula não está vinculada ao PT.

Como já demonstrou André Singer, a partir de 2006, as bases da sociedade passaram a votar no PT porque queriam votar em Lula (ou com Lula, no caso das eleições de Dilma). Quando os brasileiros e brasileiras mais pobres apertavam “13” na urna, não estavam querendo votar na esquerda, tampouco no PT. Queriam votar em Lula. Hoje, o grande desafio do Partido dos Trabalhadores é formar uma nova liderança que seja capaz de herdar o capital político de Lula e sensibilizar os afetos da população mais pobre. Não é nada fácil. Não nasce um Lula do dia para noite. Sequer nasce um Lula a cada geração.

Em 22 de agosto de 2018, o Instituto Data Folha publicou a última pesquisa eleitoral que apresentava o nome de Lula na lista dos presidenciáveis. Lula liderava com 39%. Muito atrás vinha Bolsonaro, com 19%. Na simulação de segundo turno, Lula batia Bolsonaro por 52 a 32.

Definitivamente, não foi Lula que perdeu as eleições. Foi o PT. Lula estava preso. Lula está preso.

E está preso porque o atual regime de poder sabe perfeitamente o tamanho do seu capital político. Eles sabem que Lula, personificando a imagem do Estado provedor, é a única liderança capaz de confrontar o governo de Jair Bolsonaro.

Imaginem, leitor e leitora, Lula saindo por esse país em caravana explicando pras pessoas o que é o projeto de Reforma da Previdência de Paulo Guedes. Lula dizendo pras pessoas que o governo quer que elas deixem de comer coxa e peito e voltem a assobiar o pescoço e chupar o pé. Lula tem uma capacidade única de traduzir a luta de classes na anatomia do frango.

O Estado mínimo de Guedes, na prática, significa o Estado máximo para os proprietários e rentistas. A viabilidade política desse projeto depende da distração da sociedade. Os brasileiros e brasileiras mais pobres precisam continuar não entendendo o que significa esse tal de “Estado mínimo”. Se entenderem, não vão querer, não vão apoiar o governo. Os pobres podem até estar confusos e mal informados, mas não são burros.

É por isso que o populismo penal de Sérgio Moro é tão estratégico quanto o desaparecimento de Lula. Afinal, Lula tá preso porque Sérgio Moro é ministro da Justiça, e vice-versa.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Quanta besteira. Lula está preso porque cometeu crimes. O PT perdeu as eleições porque o poste desqualificado da Dilma quebrou o país!

  2. Ual! Que lucidez de texto…que texto útil. Parabéns

  3. Mas o jogo virou. E por incrível que possa parecer, Professor, exatamente por essa época em que vosso texto foi escrito; e bem antes da Vaza-Jato do intercept e o raker de Araraquara nos salvarem, eu já acreditava que o STF tornaria Moro suspeito e parcialna, e na possibilidade do Lula ser candidato em 2022 e com chances de ganhar no no primeiro turno. É óbvio que esse não era o único desdobramento dessa daquela conjuntura. Haviam outras. Mas felizmente vem prevalecendo aquela por qual mais torci.Minhas postagens no Facebook provam isso. Por isso me identifiquei com seu texto imediatamente. Parabéns. Foi um enorme prazer ter conhecido o Professor. Um forte abraço

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