Suspensão de repasses para a saúde mental afeta rede de tratamento em 22 estados e no Distrito Federal

2014.04.09 - Canoas/RS/Brasil - Centro de Atenção Psicossocial. Saúde mental. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br

O Ministério da Saúde (MS) anunciou no final da semana passada a suspensão de repasses no valor de R$ 78 milhões para estabelecimentos que compõe a rede de tratamento da saúde mental em 22 estados e no Distrito Federal. Segundo a pasta, a decisão foi tomada em razão de municípios e prestadores destinatários dos recursos não terem fornecido as informações sobre a produção dos serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS) e ela pode ser revertida com a regularização da situação. Contudo, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) expressa preocupação com o impacto no tratamento da saúde mental e cobra o fato de que a medida afeta os usuários, não os gestores dos serviços.

A Portaria Nº 3.659 do Ministério da Saúde (MS), publicada no Diário Oficial da União do dia 16 de novembro, determinou a suspensão dos repasses destinados ao incentivo de custeio mensal para Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA) e de Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral, instituições que compõe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ao todo, 319 instituições foram  afetadas. O registro das informações no SUS é utilizado para o monitoramento da prestação de serviços em saúde e para o planejamento de estratégias para o setor.

O ministério aponta que a decisão está prevista na Resolução CIT nº 36, de 25 de janeiro de 2018. O órgão informa que o restabelecimento do incentivo financeiro é condicionado à regularização do registro da produção dos estabelecimentos afetados nos sistemas de informação do SUS. A Portaria aponta ainda que, caso a situação não seja regularizada em até seis meses, os estabelecimentos em falta terão a habilitação revogada, isto é, terão os repasses cancelados de forma definitiva.

A psicóloga e conselheira do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES-RS), Ivarlete Guimarães de França, diz que a suspensão dos repasses foi discutida no 1º Seminário Nacional de Saúde Mental, realizado nesta quarta-feira (20), em Brasília, um evento preparatório para a 16ª Conferência Nacional de Saúde, que irá acontecer em agosto de 2019, também na capital federal.

Ela destaca que a avaliação dos trabalhadores, autoridades de saúde, usuários e lideranças comunitárias que compõe o controle social é de que a medida terá um impacto negativo no atendimento e também para as finanças dos municípios afetados. “Com a retirada dos recursos, a rede toda é desmontada. O impacto é gravíssimo, principalmente nos municípios com menor estrutura de cuidados. Viamão, por exemplo, vai sofrer um impacto muito grande, porque eram os únicos recursos que eles contavam na RAPS. Isso vai agravar os problemas de saúde mental”, avalia.

Ivarlete diz que o registro das informações é importante e compreende que medidas sejam tomadas quando o processo não é devidamente cumprido, mas ressalta que a crítica é feita ao fato de que a decisão tomada acaba por punir os usuários da saúde mental. “O ministério penalizou os usuários, porque, quando não repassa o recurso, o que o gestor faz é suspender os serviços. A gente quer que eles encontrem outra forma de responsabilizar o gestor que não seja recaindo sobre o cuidado ao usuário”, afirma.

Ao final do seminário, a Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde elaborou um documento, aprovado pelos presentes, elencando justificativas técnicas, éticas e políticas para pedir a suspensão da decisão. Ela diz ainda que o documento deverá ser utilizado para subsidiar uma ação civil pública a ser ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) solicitando em caráter de urgência o restabelecimento dos repasses. “São muitas pessoas que dependem da rede de atenção psicossocial e de saúde mental, pessoas que vivem e moram nos residenciais terapêuticos, pessoas que dependem das internações nos hospitais gerais e nas unidades de acolhimento”, afirma Ivarlete.

Impacto no RS

A suspensão afeta 25 estabelecimentos no Rio Grande do Sul – 12 CAPS, 6 SRTs, 2 UAs e seis hospitais gerais que contam com leitos para a internação de usuários de saúde mental – nas cidades de Porto Alegre, Viamão, Capão da Canoa, Crissiumal, Dom Pedrito, Osório, Frederico Westphalen, Passo Fundo, São Gabriel, Triunfo, Pelotas, Venâncio Aires, Cachoeira do Sul, Taquara, Cacequi, Tapes, Bom Jesus e Santo Antônio da Patrulha (confira a lista dos estabelecimentos afetados pela decisão ao final). Somados, os repasses para os estabelecimentos localizados Estado atingem o montante de R$ 8.709.380,16.

O Ministério da Saúde informa que a rede de atenção psicossocial atendida pelo SUS é composta no Brasil por 2.497 CAPS, 427 SRTs, 27 UAs, 1.492 leitos em hospitais gerais e 3.163 leitos em hospitais psiquiátricos. A previsão de orçamento para a saúde mental para o ano de 2019 é de R$ 1,5 bilhão.

Ivarlete explica que os CAPS são os estabelecimentos responsáveis pelo tratamento de pessoas com sofrimento mental e uso problemático de drogas. Quando estes usuários perdem os vínculos com a família, são encaminhados para um SRT, onde tem uma moradia temporária e recebem tratamento para que possam restabelecer as condições de convívio social. As UAs são os estabelecimentos em que eles retomam o convívio social e os leitos em hospitais são destinados para as pessoas que estão em sofrimento muito grave e temporariamente sem condições de serem atendidas pelos demais serviços.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) diz que a responsabilidade de registrar as informações de produção dos estabelecimentos de saúde mental no sistema do SUS compete aos municípios, que já haviam recebido em janeiro deste ano um ofício do ministério a respeito de irregularidades na prestação destas informações. A secretaria destaca que está em contado com os municípios para verificar o que aconteceu em cada situação individualmente e que alguns deles já atualizaram as informações, sendo então orientados a informarem o MS da situação por ofício para que o repasse seja regularizado.

“Outros estavam, de fato, sem nenhum registro nos sistemas, apesar de estarem realizando os atendimentos. Nesses casos, estão sendo orientados a regularizarem as informações e comunicarem ao MS assim que os registros estiverem normalizados. Dos 25 estabelecimentos listados, apenas um hospital geral não vinha realizando atendimentos de saúde mental, por dificuldades operacionais do prestador (já informado previamente ao MS)”, diz a SES.

A secretaria diz que, com a expectativa de que a situação seja regularizada em breve por municípios e prestadores de serviços, o atendimento aos usuários não deve ser afetado. “Esperamos que, em breve, todos os estabelecimentos e municípios envolvidos tenham regularizado a situação e que, portanto, os repasses sejam restabelecidos”.

Em Porto Alegre, foram suspensos os repasses para o custeio de um residencial terapêutico com 10 vagas (no valor de R$ 240 mil) e de 20 leitos da saúde mental no Hospital de Clínicas (R$ 1.346.426,40). Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde informou que as instituições afetadas já prestou esclarecimentos sobre os questionamentos feitos pelo Ministério da Saúde e que espera que os repasses sejam regularizados. Informa ainda que a rede de atenção psicossocial social da cidade não foi impactada pela decisão. Os demais serviços da rede estavam com as informações em dia, segundo a SMS.

Confira os estabelecimentos atingidos:

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
1) CAPÃO DA CANOA – CAPS Casa do Sol
2) CRISSIUMAL – CAPS Novo Horizonte Pedro Osvaldo Scheid
3) DOM PEDRITO – CAPS Dom Pedrito
4) FREDERICO WESTPHALEN – CAPS Frederico Westphalen
5) OSÓRIO – CAPS I Centro de Saúde Mental Casa Aberta II
6) PASSO FUNDO – CAPS 2 Nosso Espaço
7) PASSO FUNDO – Centro de Atenção Psicossocial Alcool e Drogas Vida (CAPS AD)
8) PASSO FUNDO – CAPS Infantil
9) SÃO GABRIEL – Centro de Atendimento em Saúde Mental
10) TRIUNFO – CAPS I Triunfo
11) VIAMÃO – CAPS II Casa Azul Viamão (CAPS 2)
12) VIAMÃO – CAPS Infantil Viamão

Unidade de Acolhimento – UA
13) PELOTAS – Unidade de Acolhimento Infanto Juvenil
14) VENÂNCIO AIRES – Unidade de Acolhimento Infanto Juvenil

Serviços Residenciais Terapêuticos – SRT
15) CACHOEIRA DAO SUL – SRT tipo 2 (9 vagas)
16) PORTO ALEGRE – SRT tipo 2 (10 vagas)
17) TAQUARA – SRT tipo 2 (10 vagas)
18) VIAMÃO – SRT tipo 1 (6 vagas)
19) VIAMÃO – SRT tipo 1 (7 vagas)
20) VIAMÃO – SRT tipo 2 (5 vagas)

Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral
21) BOM JESUS – Instituto de Saúde e Educação Vida – Isev (4 vagas)
22) CACEQUI – Hospital São Luiz Gonzaga – (6 vagas)
23) PORTO ALEGRE – Hospital de Clínicas de Porto Alegre – (20 vagas)
24) SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA – Hospital Santo Antônio – (6 vagas)
25) TAPES – Hospital Nossa Senhor do Carmo – (2 vagas)

2014.04.09 – Canoas/RS/Brasil – Centro de Atenção Psicossocial. Saúde mental. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br

 

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