UM ANO DA PRISÃO DE CANCELLIER: Universidade prepara ação judicial contra abusadores

Irmão do reitor Cancellier: "Temos que lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente" Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC

“Que ninguém mais seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês e meu irmão foram”

(Acioli Cancellier, irmão do reitor suicidado)

Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor

Há um ano, o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tornou-se a primeira vítima fatal explícita da prisão preventiva abusiva e da espetacularização da justiça no Brasil. Muito pouco, ou nada se conseguiu para reparar justiça à memória do reitor e a sua família, além de algumas derrotas à perseguição que os responsáveis pelo abuso de poder continuaram a promover contra professores e dirigentes da universidade. Esse quadro, contudo, começou a mudar. O novo reitor Ubaldo César Balthazar começa a desencadear uma vigorosa ofensiva para levar à investigação e à punição dos abusadores. A Procuradoria da Universidade deve entrar nos próximos dias com um processo judicial contra os responsáveis pelo linchamento moral e jurídico de Cancellier, desde a sua base na Corregedoria Geral da UFSC. Nesta sexta-feira pela manhã, o professor Marcos Dalmau, preso junto com Cancellier e igualmente banido da instituição com outros quatro colegas, retornou a UFSC, depois de vencer mandado de segurança impetrado no TRF4.  Foi recebido numa cerimônia emocionada pelo reitor e equipe, na qual a solidariedade e o sentimento maior de defesa da instituição e dos direitos jurídicos falou mais alto do que as intrigas e manchas na reputação lançadas pela Operação Ouvidos Moucos no seio da comunidade universitária.

Reitor Ubaldo Balthazar e pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque entregam memorial dos abusos de poder a pedido do ministro Raul Jungmann

Um outro passo para a criminalização dos procedimentos abusivos da Ouvidos Moucos na UFSC foi dado na quinta-feira (13/9), quando o reitor Ubaldo Balthazar e o pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque, entregaram um dossiê ao ministro da Segurança Raul Jungmann, a  pedido dele, no seu gabinete em Brasília. O conjunto de documentos e testemunhos relata todos os desmandos, violações dos direitos humanos e jurídicos que envolveram a prisão do reitor, dos cinco professores e de um funcionário celetista. Na mesma hora, o memorial foi encaminhado à Corregedoria do Ministério para investigar a conduta dos agentes dos órgãos federais de representação local implicados na Operação e nas perseguições: Corregedoria Geral da UFSC, Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. São relatos da prisão e testemunhas dos abusos da Operação que já corriam de boca em boca na UFSC, mas foram sistematicamente ignorados pelos investigadores e juízes. Em dezembro do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, devolveu ao irmão do reitor uma representação da família contra a delegada Érika Mialik Marena, após a realização de uma apuração sumária e viciosa, comandada pelo próprio diretor de comunicação da servidora, Luiz Carlos Korff, quando ela ainda era superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina. Dessa vez, com o escândalo da perseguição às vítimas, a denúncia alcançou outra dimensão.

O pedido do dossiê foi motivado por manifestação do ministro Gilmar Mendes, que provocou Jungmann a investigar a delegada Érika Marena em razão do caráter absurdo e corporativista das perseguições e intimidações promovidas pela Polícia Federal aos dirigentes da UFSC, o chefe de gabinete Áureo Mafra de Moraes e o reitor Ubaldo Balthazar, numa tentativa de criminalizá-los pelas manifestações de dor e protestos da comunidade universitária pela morte de Cancellier. A primeira parte do dossiê denuncia os procedimentos persecutórios do corregedor geral da UFSC, Roldolfo Hickel do Prado, que alimentaram e subsidiaram a prisão de Cancellier e dos demais por tentativa de interdição das investigações, mesmo não tendo nenhum envolvimento com as suspeitas de desvios de verbas. Em seguida, o relatório reúne relatos que denunciam com detalhes as condições abusivas da prisão e tratamento dos professores em presídio de segurança máxima, solicitada pela delegada federal, com a anuência da juíza federal Janaína Cassol. A Corregedoria Geral da União e o Ministério Público Federal de Santa Catarina também são responsabilizados por terem encampado a  perseguição de professores e dirigentes da comunidade.

Outra importante vitória foi o acolhimento nesta semana da manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para que o corredor do órgão, Orlando Rochadel, investigue o procurador do MPF/SC, Marco Aurélio Dutra Aydos por ter insistido em apelação de denúncia contra o reitor Balthazar e seu chefe de gabinete, mesmo depois de rejeitada pela juíza federal Simone Barbisan Fortes. O Conselho considerou suspeita a atitude do procurador que, “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”.

Até então, os algozes não só não foram punidos, como continuaram a intimidar suas vítimas. Sequer a lei que pune autoridades por abuso de poder foi aprovada. O Projeto de Lei 7596, batizado em outubro de 2017 como Lei Cancellier, por proposição do senador Roberto Requião, teve decisão favorável no Senado, mas ficou engavetado no Congresso Nacional desde o dia 10 de maio do ano passado. Essas vitórias iniciais, contudo, mostram que nem todo sistema judiciário é conivente com a rede de horrores acionada contra a UFSC desde a prisão de Cancellier.

14 DE SETEMBRO: DATA DE HORRORES

O reitor Luiz Carlos Cancellier teve sua reputação arruinada por uma rede de intrigas e calúnias que se estendeu das páginas da Polícia Federal para a grande mídia e redes sociais. De jurista e acadêmico respeitado, ganhou os noticiários como chefe de uma quadrilha que teria roubado R$ 80 milhões da universidade, após ser detido em presídio de segurança máxima, junto com outros cinco professores da UFSC e um funcionário terceirizado.

No início da manhã do dia 14 de setembro, Cancellier dormia no seu apartamento vizinho a UFSC quando, surpreendido  por uma escolta de mais de cem policiais de várias partes do país, atendeu a porta enrolado numa toalha de banho. Não tinha antecedentes criminais, não respondia um processo administrativo sequer, mas foi submetido à prisão preventiva, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, sem direito à presunção de inocência ou à defesa prévia. No Presídio Masculino de Florianópolis, foi humilhado e desnudado na frente de outros presos por duas horas, antes de vestir o uniforme laranja. Até mesmo o acesso ao seu remédio para o coração foi boicotado, como seu irmão Acioli Cancellier de Olivo constatou com uma carcereira no dia seguinte ao relaxamento da prisão. Segundo os relatos do dossiê, ao reconhecer o reitor, um aluno seu atuante na carceragem teria mostrado no celular mensagem da delegada Marena com a ordem expressa: “É para tratar como preso comum”. Como era um homem alto, cardíaco e sedentário, o professor teve muita dificuldade de se abaixar de costas para ser submetido ao exame de revista anal. “Vejam, que chances ele teria de introduzir algo no seu corpo, se foi arrancado da cama por um esquadrão de policiais?”

Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício, transformando-o em chefe de quadrilha

Aos 59 anos, o reitor havia sofrido uma recente cirurgia cardíaca e a interrupção do tratamento pode ter sido fatal para desencadear o estado de depressão que o levou a suicidar-se dezoito dias depois. O verdadeiro horror, contudo, ainda viria. Com o relaxamento da prisão, foi proibido pela justiça de ingressar na UFSC, à qual se dedicou nos últimos 20 anos, como aluno, professor, diretor de centro e finalmente reitor. Sabendo por fontes do Ministério Público Federal em Santa Catarina que não poderia retornar à instituição, pagou seus advogados para não deixar dívidas à família e no dia seguinte, em 2 de outubro, jogou-se de cabeça do sétimo andar do Beira-mar Shopping, em Florianópolis com um bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade.

Hoje, o irmão mais velho, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, 67 anos, matemático, sindicalista, pesquisador aposentado do INPE, em São José dos Campos, dedica sua vida para a recuperação da memória e da reputação que Cau, filho de uma família muito pobre de Tubarão, construiu a duras penas, comendo pão de trigo com banana para conseguir estudar e se sustentar em Florianópolis. A mãe, costureira e o pai trabalhador no Lavador de Carvão em Capivari, não davam conta de sustentar os sonhos de formação dos três filhos, Acioli, Luiz Carlos e Júlio, o mais novo. É com o carinho do irmão mais velho que tomava conta dos demais, que ele conta e reconta, pacientemente, sem se exaltar com os detalhes mais perversos da sua perseguição, a história do mártir da Ouvidos Moucos. Ele foi, segundo Acioli, um adolescente rebelde e genial, intransigente diante das injustiças, “com uma produção científica espantosa para quem iniciou a vida acadêmica aos 40 anos e aos 59 já era reitor”. Com Cau, Acioli aprendeu o apreço pela luta política, “embora eu, ao contrário dele, tenha começado muito mais tarde nessa esfera”.

Líder estudantil, jornalista fichado pelo SNI durante a Ditadura, o intrépido militante do Partido Comunista Brasileiro compreendeu na maturidade que o caminho para a luta era a conciliação política e adotou-a como princípio ideológico em sua administração da reitoria. Foi quando mais ele repudiava radicalismos e acreditava na harmonia entre todas as tendências que os aparatos de repressão de Temer puxaram o seu tapete, sem deixar-lhe outra saída, a não ser oferecer a própria vida em sacrifício para denunciar a violação total dos direitos humanos, jurídicos e democráticos que ele apregoava em sala de aula. Abaixo a carta escrita por Acioli em homenagem aos professores que continuam banidos da universidade. Ao mesmo tempo ele homenageia o próprio irmão, mostrando que todos são vítimas da mesma supressão de direitos e do mesmo Estado de Exceção que vitimou Cancellier.

“Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico”.

“E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada”

(Acioli Cancellier de Olivo)

Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito

Meus caros professores,

Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de uma amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso.

Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista.

Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês. O sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus.

Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017, arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário.

Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC.

Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Que lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração a UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares?

Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre.

Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nosso familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.”

Um fraterno abraço
Acioli Cancellier de Olivo

 

​COMEÇA A DESABAR NA JUSTIÇA OS DESMANDOS DA “OUVIDOS MOUCOS”

Docente preso por Érika Marena na UFSC vence mandado de segurança no TRF4 e volta hoje ao trabalho na UFSC

Abraço coletivo ao professor reintegrado fortalece a própria comunidade, dividida pelo processo calunioso. Foto Ítalo Padilha/AGECOM

O professor de Administração Marcos Baptista Lopez Dalmau foi restabelecido hoje (14/9) em suas atividades docentes no Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de onde estava proscrito desde o final do ano passado pela Operação Ouvidos Moucos. Em cerimônia de boas vindas realizada hoje (14/9) pela manhã, ele foi recepcionado no gabinete do reitor Ubaldo Balthazar e equipe, alem de gestores da área e colegas de trabalho. Seu retorno cumpre decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na terça-feira (11), que acatou o mandado de segurança da defesa do professor contra as medidas cautelares impostas pela Justiça Federal de Florianópolis que o afastaram da instituição. A vitória de Dalmau em habeas corpus individual abre importante precedente para que os outros quatro professores banidos da universidade possam retornar à sala de aula, como seu colega da Administração Eduardo Lobo, que teve seu pedido para retornar negado pelo mesmo TRF4 no início do ano passado.

Dalmau recebe o abraço de Acioli que estende luta pela memória do irmão a todos os perseguidos. Foto: Ítalo Padilha/AGecom

A cerimônia reuniu, além do reitor, pró-reitores e secretários da UFSC, o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes; o irmão do ex-reitor Cancellier, Acioli de Olivo; o chefe do Departamento de Administração, Pedro Antônio de Melo; o diretor do Centro Socioeconômico, Irineu Manoel de Souza, que foi candidato de oposição a Ubaldo, e a vice-diretora Maria Denize Henrique Casagrande. Abraçado por todos eles, o primeiro professor a ser reintegrado às atividades docentes desde a prisão, se disse, mais tarde, “emocionado e feliz com a solidariedade e o carinho com que foi recebido no campus e nas instalações do Curso de Administração”.

Dalmau foi preso em 14 de setembro com outros quatro professores, um servidor terceirizado e o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, todos incriminados pela Operação Ouvidos Moucos, sob suspeita de desvio de verbas do Ensino a Distância do Programa Universidade Aberta. Comandada pela delegada Érika Marena, responsável pela prisão de Cancellier, com o aval da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol, a operação prometia desvendar um esquema milionário de desvios de verbas da educação. Passado um ano da prisão, o braço catarinense da Lava Jato nada concluiu e postergou a investigação, depois de emitir um relatório que resultou no indiciamento de outros 23 docentes da UFSC.

Outros quatro professores – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo -, também investigados pela operação, continuam impedidos de retornar às suas atividades. Eles recorreram ao próprio TRF-4 em mandados diferentes, mas como tiveram seus pedidos negados, apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda aguardam decisão.

Reitor e equipe manifestam solidariedade ao professor reabilitado Marcos Dalmau e aos demais que permanecem afastados. Foto: JL

Pela decisão unânime, Marcos Dalmau deveria reassumir seu cargo de professor e atuar em sala de aula com a notificação da universidade, o que aconteceu ontem (13/9). A relatora responsável por analisar o mandado de segurança em favor de Dalmau, Salise Monteiro Sanchotene, votou a favor do retorno do docente, seguida pelos desembargadores Luiz Carlos Canalli e Claudia Cristina Cristofani. O parecer foi unânime, mas com restrições: até o final das investigações, Dalmau está impedido de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.

“Essa decisão vem reparar uma injustiça perpetrada contra o impetrante, que ficou impedido de exercer seu trabalho durante quase um ano, por conta da ilegalidade do afastamento indeterminado, sem mera previsão de formação de culpa, em face de uma marcha pré-processual confusa, retardatária e revestida de autoritarismo injustificável”, afirmou o advogado Adriano Tavares da Silva, que defende o professor da UFSC .

 

 

Conselho propõe inquérito contra procurador que criminalizou manifestações na UFSC

Por Marcelo Auler
O conselheiro Leonardo Acciolly da Silva quer que o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel investigue o procurador da República de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos por ele “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”. Na suposta defesa da honra da delegada federal Erika Mialik Marena, Aydos tentar processar o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de críticas feitas por manifestantes não identificados, em cerimônia na UFSC, aos responsáveis pela Operação Ouvidos Moucos que levou o antigo reitor, Luiz Carlos Cancellier, ao suicídio. Depois de ver sua denúncia rejeitada, Aydos continua tentando processar o reitor e o chefe de gabinete.

Insistência de Aydos

Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.

Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol,  ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.

Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal.  Na peça com 13 laudas, ele expõe:

Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)

Em seguida insistiu nas críticas à juíza:

“A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”

Procurador contesta afirmações de Nassif sobre o fascismo

Onde está o fascismo?

Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:

“(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)

Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?

Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.

Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?

A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.

Leia os detalhes e conheça os documentos em: https://marceloauler.com.br/por-querer-censura-na-ufsc-procurador-sera-investigado/

 

 

 

 

 

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