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Haddad, o bacharel que o lulismo escolheu para chamar de seu

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com foto de Ricardo Stuckert

 

A candidatura de Lula foi registrada no TSE. Todos sabemos que Lula não será candidato e o registro de sua candidatura foi um ato político, um necessário ato político.

A estratégia está clara desde o início: o objetivo é esgotar a legalidade institucional, num constante esforço de denúncia. Assim, os gestores do golpe são obrigados a adotar medidas excepcionais à luz do dia, a deixarem no chão as pegadas de sua infâmia. O golpe é uma narrativa que deve ser reforçada a todo momento.

Foi isso que o PT fez quando levou Dilma ao Senado, para encarar face a face seus inquisidores. Foi isso que o PT fez em 8 de julho, quando o desembargador Rogério Favreto obrigou o primeiro escalão do golpe a se mobilizar para descumprir uma ordem judicial. Foi isso que o PT fez em 15 de agosto, ao registrar a candidatura de Lula, mesmo com a certeza da impugnação.

Cada um desses eventos teve a sua função. Em cada um deles, a narrativa do golpe foi reforçada na prática, com o colaboracionismo dos próprios golpistas. Temos aí ações políticas para o presente e uma narrativa destinada ao futuro. A batalha será travada, também, no plano da memória.

Não é de Lula que quero falar neste ensaio. Quero falar do ungido de Lula, daquele que estará com a foto na urna quando os eleitores digitarem “13”.

Mentira: vou falar de Lula também, e do início ao fim. É impossível deixar falar de Lula. Quando discutimos política no Brasil, todos falamos de Lula, à esquerda, à direita e ao centro. Fala de Lula até quem não quer falar de Lula. Ninguém fica indiferente a uma instituição desse tamanho.

Meu argumento aqui é simples e pode ser definido numa frase curta: a unção de Haddad leva o lulismo aos limites de uma grande contradição. Explico.

Como prática de governo, o lulismo não teve nada de revolucionário. A bibliografia especializada está cheia de estudos que demonstram como Lula foi dócil com o tripé macroeconômico montado no governo de FHC e tão importante para os interesses do neoliberalismo internacional.

Porém, em um aspecto o lulismo foi, sim, revolucionário. A revolução lulista é simbólica!

Num país tão complexo como o Brasil, é sempre difícil fazer generalizações O analista que se aventura por esse caminho costuma escorregar na primeira esquina, logo ali, onde algum aspecto rebelde da realidade está pronto para desmenti-lo.

Mas acho que pelo menos uma generalização seja possível: no Brasil, desde sempre, a política institucional é assunto a ser tratado entre iguais, no clube das elites. Tá aí algo tão presente na nossa história que ainda no século XIX Joaquim Nabuco disse que as faculdades de direito eram a “antessala da Câmara dos Deputados”.

Ou seja: os filhos das elites saíam da Casa Grande, estudavam nas faculdades de Direito e depois seguiam carreira política.

Somente no século XXI essa realidade foi alterada, ainda que temporariamente, mesmo que parcialmente. Com Lula, vimos, pela primeira vez, o Estado brasileiro sendo chefiado por uma liderança nascida nas bases da sociedade e amadurecida em movimento social organizado.

Lula não foi a primeira liderança política que colaborou para a promoção da justiça social e para o fortalecimento da soberania nacional. Antes dele vimos Arraes, Brizola, Getúlio e Jango. Depois de Lula veio Dilma. Porém, diferente de Lula, todos os outros eram bacharéis, a maioria tendo sangue oligarca correndo nas veias.

No lulismo, um nordestino, um operário sem curso superior que escorrega no uso da norma culta da língua portuguesa, é o maestro do jogo político. Esse é o dado novo. Essa é a revolução.

E o que aconteceu quando o lulismo foi posto nas cordas?

Lula escolheu um bacharel como sucessor. Pois é exatamente isso que Fernando Haddad é: um bacharel paulista, uspiano, roqueiro, com jeitão moço criado a leite com pera. Olhando para Fernando Haddad, tenho a sensação de que ele nunca transou sem camisinha, bêbado, depois de sair um forró.

Nada poderia ser mais diferente de Lula que Fernando Haddad.

Que o leitor e a leitora não me interpretem mal. O problema não é pessoal. Não tenho nenhum interesse em desqualificar Fernando Haddad, que foi um bom prefeito em São Paulo, que foi um grande ministro da Educação, talvez o melhor que já tivemos por aqui.

Só estou dizendo o que é óbvio, ao menos o que me parece ser óbvio: na estética, na simbologia, Haddad não representa o lulismo. Isso é um problema que a direção do PT vai precisar enfrentar durante a campanha.

Como aproximar Haddad de Lula? Eu não queria estar na pele dos organizadores da campanha petista.

Eles vão conseguir? Mesmo preso, Lula será capaz de transferir seus votos para Haddad? Alguns dizem que sim. Outros dizem que não. Este é o fator que irá decidir as eleições presidenciais. Só o tempo dirá.

Se Haddad não é o herdeiro ideal, a pergunta a ser feita é: havia outra alternativa?

Falou-se muito em uma aliança com Ciro Gomes, agora do PDT. As escolhas dos dois partidos inviabilizaram a aliança. Além disso, tenho muitas dúvidas se Ciro encarnaria o lulismo melhor que Haddad.

Dentro do próprio PT existiam outros candidatos. Nenhum deles seria mais adequado que Haddad. Afinal, não se tira um Lula da cartola, assim, do nada. Não se fabrica um Lula do dia pra noite. Não nasce um Lula a cada geração.

Talvez diante das opções disponíveis, o que significa a total ausência de opções, a escolha por Haddad tenha sido a melhor possível, ou a menos pior. Haddad foi ministro importante do governo de Lula. Prefeito da maior capital do país. Enfim…

É sempre bom lembrar que o Lula do lulismo também não nasceu do dia pra noite, tendo sido forjado a muito custo, num longo processo de amadurecimento político, numa estrada pavimentada por doloridas derrotas eleitorais. Antes de subir a rampa em 2002, o PT não era um partido popular, não atraía os votos da parcela mais humilde da nossa população.

Muito longe disso. O PT era um partido de classe média, muito querido pelos trabalhadores com alguma capacidade de organização, mas amplamente rejeitado pela grande maioria daqueles que vivem um dia de cada vez, sem saber quando será a próxima refeição.

Foi ao longo do primeiro mandato de Lula que o lulismo tomou o PT de assalto, alterando drasticamente as bases do partido. As bases históricas, formadas pelos trabalhadores organizados, rapidamente se sentiram abandonadas e traídas, o que explica em parte a debandada que aconteceu entre 2005 e 2006. Por outro lado, aqueles que não votavam no PT foram convidados a entrar no jogo, e atenderam ao chamado.

O lulismo transformou os miseráveis em pobres. Essa talvez tenha sido a mais profunda mudança social da história do Brasil.

No seu primeiro mandato, Lula fez uma escolha política deliberada: escolheu não tensionar com os poderosos e preferiu atender uns e não outros. Pagou o preço, levando a pecha de traidor, sendo xingado e hostilizado pelos seus antigos companheiros. Colheu os dividendos políticos também. Está colhendo até hoje. O saldo parece ter sido positivo para ele.

Lula deixou de ser o grevista, o líder sindical, para se tornar o protetor, reencarnando a mística do “pai dos pobres”, imagem tão importante na mitologia política brasileira. Você, pessoa letrada que acompanhou a leitura até aqui, pode até achar isso ruim, paternalista, arcaico. Você pode até falar em “populismo”. Você pode achar o que quiser.

Ironicamente, a força do lulismo é também sua fragilidade. A grandeza do protagonista transformou o lulismo em um capital político que, no limite, é intransferível. Hoje, nenhuma liderança viva, a não ser o próprio Lula, é capaz de se apropriar plenamente do lulismo.

É até possível que o PT vença as eleições. Ainda assim, vitória não significará que Haddad terá herdado o lulismo. Significará, apenas, que herdou os votos. Haddad não é capaz de herdar o lulismo. O lulismo não lhe cai bem, é traje que não lhe serve.

Se for eleito, Haddad, para sua sobrevivência política, terá que fazer outra coisa, inventar uma outra forma de governar, uma outra maneira de conversar com a população, com o risco de se tornar um poste caso não consiga fazê-lo.

Mas isso é conversa pra um futuro que não sabemos se chegará. Por hoje, só é possível dizer que o lulismo foi obrigado a escolher um bacharel para chamar de seu e, com isso, acabou morrendo um pouco.

 

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4 Comments

4 Comments

  1. adriano r. ferreira

    16/08/18 at 16:47

    Haddad pode ser o Lula 2.0 acadêmico, é só ele não perder a essência do Lula doutor honoris causa pela universidade da vida.

  2. Nina Rodrigues

    19/08/18 at 23:28

    Discordo com a tese do artigo. Acho Haddad a continuacao natural dos governos Lula. Como ouvi Lula dizer — clarissimo — em uma entrevista recente, “e necessario que a nova geracao politica faca parte da lideranca do pais”, disse Lula, “conheco muita gente jovem por ai que eu adoraria ver como candidatos a presidencia”. Haddad- Manuela e a idea concreta da fala de Lula — entrevista dada antes de sua prisao e necessaria (como o artigo articula muito bem) candidatura. Como ex ministro da educacao, o jovem Haddad representa o que Lula considera de mais precioso no tal lulismo. Haddad e a expressao dos valores lulistas. A jovem Manuela em sua condicao feminina, revolucionaria per se, e exatamente o que o lulismo representa — em sua versao mais moderna. Lula nao e um idiota. Sua escolha para o futuro do Brasil e simplesmente a escolha de um genio politico.

  3. Hiury Correia

    20/08/18 at 1:46

    Se não fosse bacharel, sequer poderia entrar na masmorra em curitiba…

  4. Claudio Rocha

    20/08/18 at 12:41

    Ensaio sagaz! A epopéia Lula-Dilma foi uma primeira experiência do campo popular, mesmo que ficando na sala de espera da Casa Grande, no gerenciamento do Executivo Federal. Experiência tímida, conciliatória, bem Lulinha paz e amor com os donos da Festa!! Um eventual governo Haddad teria que ousar, ultrapassar a sala de espera, o que, na minha modesta opinião, não acontecerá, pois o protagonismo não será, de novo, do povo pobre e trabalhador, mas tão somente de seus representantes “democraticamente” eleitos!!!

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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