Nas últimas semanas a ação de execução da ordem judicial de retirada das 300 famílias de posseiros não-indígenas que ocupam a Território Indígena (TI) Pankararu, cumprindo a sentença do juiz federal Luiz Felipe Mota Pimentel de Oliveira, da 38ª Vara Federal, em Serra Talhada, causou reações diversas e acirrou o conflito entre os grupos. A situação tende a piorar, no último dia 21, a ordem judicial foi suspensa e tudo leva a crer que os indígenas terão que esperar ainda mais para terem seu território em mãos.
Por um lado, os ocupantes não-indígenas denunciam que a área definida pelo Incra para serem realocados não coincidem com as atuais condições de plantio que encontram nos seus sítios atuais no interior da Terra Indígena Pankararu. Bem como questionam os baixos valores das indenizações.
Por outro lado, os indígenas Pankararu, que ocupam aquele território há séculos, esperam há mais de 90 anos que o processo de regularização territorial seja finalizado. Apesar de concordarem que as condições oferecidas pelo Incra não são as ideais para os não-indígenas, os indígenas aguardam que o processo seja finalizado para poderem ter melhores condições de vida. São mais de 7500 indígenas que vivem “impensados entre as serras”, como se diz localmente.
A etnia Pankararu tem a segunda maior população indígena no estado de Pernambuco, com mais de 7.500 pessoas, distribuídas principalmente em duas Terras Indígenas (TI): a TI Entre Serras e a TI Pankararu, localizadas nos municípios de Petrolândia, Tacaratu e Jatobá. Atualmente essa população reside principalmente em aldeias nas referidas terras, mas também em áreas urbanas e rurais vizinhas.
A grande densidade populacional é um dos motivos que alavanca a contínua mobilização dos indígenas para completa regularização do seu território. Essa densidade também faz pressão sobre os recursos do território, como à vegetação e às nascentes de água. Além disso, o relevo acidentado e a ainda marcante presença de posseiros em grandes parcelas das terras indígenas influenciam fortemente na distribuição das aldeias e impedem o pleno uso do território pelos indígenas.
Sobre a ocupação indígena daquela região
Segundo o historiador e antropólogo, o professor da Universidade Federal de Campinas (UNICAMP), José Maurício Arruti, a localização da Terra Indígena Pankararu, corresponde ao sítio de uma antiga missão da ordem religiosa de São Felipe Néry. Essa missão reuniu em fins do século XVIII, no Brejo dos Padres, atual coração da Terra Indígena, localizado na Serra de Tacaratu, índios de diferentes origens. Conforme o antropólogo, no local em que foi instalada essa missão já existia uma “maloca indígena denominada Cana Brava, formada pela reunião de índios Pancarus, Umaus, Vouvês e Geritacós, presumivelmente do grupo linguístico Kariri”.
Um ato imperial do ano de 1878 extinguiu este aldeamento, que naquela ocasião contava com mais de 350 indígenas. Com o fim do aldeamento o governo imperial, contando com a colaboração de membros das localidades vizinhas de Tacaratu e Jatobá, redistribuiu as terras do Brejo em cerca de 100 lotes familiares para os “caboclos do Brejo”, como eram chamados os Pankararu naquela época. Na ocasião a perspectiva do governo era de os “caboclos” “crescerem e se misturarem definitiva e livremente à população local, prosperando em seu próprio interesse e de sua Comarca”.
A mobilização pelo direito a regularização da Terra Indígena
Porém, ao contrário do que previa a perspectiva integracionista do governo imperial, passados cerca de 60 anos do fim do aldeamento – especificamente nos anos de 1930 –, as famílias da região acessaram o órgão indigenista oficial, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e conseguiram que fosse fundado no Brejo dos Padres o Posto Indígena Pankararu. Foi nesse contexto que se desenrolam as mobilizações para a regularização fundiária do território propriamente indígena.
O processo de regularização da terra indígena se arrastou até o fim do século XX e adentrou os anos 2000. Nesse percurso a única área reivindicada inicialmente acabou sendo dividida em duas terras indígenas que são contínuas, mas que tem processos administrativos de regularização fundiária distintos: a Terra Indígena Pankararu, homologada pelo Decreto 94.603 de 14.07.1987, com 8.100 ha; e a Terra Indígena Entre Serras, homologada por decreto de 19.12.2006, com 7.750 ha. Para ser considerada finda a regularização territorial só falta uma etapa: a desintrusão dos não-indígenas, ou seja, o reassentamento das famílias de posseiros em outro local.
O conflito com posseiros
Apesar de terem seu território garantido por lei, a presença dos não-indígenas impede a total reocupação indígena de sua área. O processo de indenização e desintrusão desses posseiros, iniciado há muitos anos, jamais foi concluído e se arrasta até os dias de hoje, gerando um clima de insegurança e conflito permanente. Em função desses conflitos com os posseiros, hoje 11 indígenas pankararu estão ameaçados e fazem parte do Programa Estadual de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos – o PEPDDH.
Disso resulta que muitas das áreas propícias para a agricultura ainda estão nas mãos dos não-índios. As áreas ainda ocupadas por posseiros encontram-se justamente nas regiões mais planas do território indígena, que correspondem às áreas mais férteis. Isso leva a crescente população indígena a ficar “espremida” nas encostas das serras. Considerando que a agricultura é a principal atividade da área, limitar a prática da mesma pelos indígenas compromete sua sobrevivência no local, obrigando muitos a buscar empregos em locais externos ou realizar atividades extrativistas, exercendo assim uma pressão maior sobre os recursos naturais do território.
Apesar da presença de posseiros ocorrer em praticamente toda a extensão das áreas indígenas, a concentração maior se dá nas áreas próximas aos perímetros urbanos de Tacaratu e Jatobá, que, assim, também exercem pressão populacional sobre a área.