Desde o dia 21 de maio, quando uma mega operação comandada por Alckmin e Dória invadiram violentamente o chamado fluxo na Cracolândia, muita coisa foi dita e muita fumaça foi inalada. Dória chegou a anunciar o “fim da Cracolândia física”. Mas a verdade é que não existe fim porque a Craco não é só física, é metafísica.
A operação violenta se delatou e invadiu o cotidiano das pessoas, carregando suas almas.
No dia 12 de julho, as repórteres do Jornalistas Livres Cecília Bacha e Katia Passos estiveram na Cracolândia para iniciarem uma série de reportagens que serão compartilhadas a partir de hoje.
As denúncias eram de que haviam abusos por parte da repressão do Estado contra moradores da região. A ideia era contar histórias de vida da região.
Mas o susto foi grande.
A reportagem foi surpreendida por um ação da GCM com bombas de gás lacrimogêneo e muito spray de pimenta no momento em que ocorria a limpeza da via urbana na frente da da Estação Júlio Prestes em um recuo ao lado da Rua Helvetia onde se concentram os usuários.
Os relatos de diversas pessoas presentes, de representantes da sociedade civil organizada que atuam no local, de moradores e usuários e até de servidores públicos que por razões óbvias não puderam se identificar, é que este é o “modus operandi”do estado e da prefeitura na Região todo Santo dia.
De lá pra cá os relatos se confirmaram. Os seguidores dos Jornalistas Livres puderam acompanhar não só aqui, mas na grande imprensa – que continua tratando o caso como “ação contra traficantes” – outras ações violentas.
A verdade que prefeito e governador querem esconder atrás da cortina de fumaça é que alguma coisa está muito errada com o Programa Redenção e com a dinheirama jogada na “guerra contra o tráfico”. Se existe inteligência nas polícias para que bombas? Se existe diálogo, amparo, assistência no Redenção para que gás de pimenta?
Os Jornalistas Livres acharam não só muita história de vida na Cracolândia, mas agonia, pulsos cortados à céu aberto.
O primeiro vídeo da reportagem sobre a Cracolândia que ainda pulsa na Luz é sobre o ponto de vista dos usuários. A edição é de Gabriella Forabelli. Assista:
A Guarda Civil Metropolitana atacou com bombas uma fila de pessoas que aguardava a distribuição de marmitas, por um grupo de voluntários na Cracolândia hoje (23/4).
Depois de fecharem todos os equipamentos de atendimento à população vulnerável na região, Covas e Doria aumentaram a repressão policial na Luz. A ordem é matar de fome, de sede e de doença.
Esta poesia que dá luz a realidade da população em situação de rua, é de Fábio Rodrigues (@prazer.poeta) – poeta e morador do território da Cracolândia.
Fábio decidiu viver de sua poesia, – poesia de rua, do fluxo. E agora, em tempos de pandemia, vê-se em quarentena a força criadora da poesia. Sem poder transitar e manguear, sua sobrevivência está em xeque.
O poeta necessita do apoio de corações carinhosos para que possa continuar ajudando, escrevendo e sobrevivendo em meio ao caos.
“Qual a saída para o poeta
que prioritariamente se apoia no comunicar,
se o momento pede distância –
até pelo simples ato de falar.
E o mais urgente premente,
onde poder recluso ficar,
se esse mesmo poeta,
por sinal mambembe
não dispõe do advento de um lar”
Ajude Fábio na caminhada, por mais poesia e informação nas ruas.
Qualquer quantia é válida!
Conta:
Pedro Bernardino Martine S
Bradesco: 237
Agência: 1236
C/c: 4603-5
CPF: 391.666.828/51
A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.
Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.
Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.
Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli
Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.
Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).
Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.
Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.
Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.
A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…
EM TEMPO:
Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.
Aqui a decisão da juíza:
“Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57. Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas. Oficie-se. Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”