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O lugar de fala de quem se pergunta: em que inimaginável mundo novo vivemos?

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No trajeto do metrô Tatuapé-República encontrei um velho conhecido, daqueles que a gente conhece por foto, voz, trajetória, mas nunca trocou mais do que cumprimentos gentis. Foi a chance de externarmos admiração mútua e de o papo dar início a uma nova amizade.

Eu vinha do aeroporto, meio chateada porque o carro combinado para me levar ao hotel não apareceu. Irritada comigo porque não pedi o telefone do motorista, tampouco anotei o telefone da organização do evento. Descuidos típicos de quem tem pressa, mas também subestima a necessidade de se manter prevenida na própria cidade, São Paulo.

Ele vinha da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha, onde havia dado uma palestra. Elogiava a organização e gentileza das pessoas que o convidaram, compensação para ter acordado tão cedo naquele sábado.

Falamos sobre nossas vidas profissionais, sobre a situação política do país, sobre a mídia hegemônica e seu papel fundamental no golpe de 2016 e na retroalimentação do golpe em 2017.

Descemos na mesma estação. Aproveitei para convidá-lo a comer empadas e tomar café. Ele fez outra proposta, podíamos almoçar, pois já eram quase 14:00 e como meu trabalho era às 18:00, presumiu, atencioso, que eu não teria disponibilidade de outro horário para o almoço. Agradeci e insisti pelas empadas. Aquela seria a única chance de comê-las porque só ficaria na cidade por dois dias.

Tomamos assento na empadaria mais saborosa do mundo e continuamos a conversar sobre mídias, agora, as digitais. Discutíamos os excessos, os afetos, as manipulações em entrevistas, a infantilidade discursiva de tantos personagens, os debates inférteis e surreais, a versão contemporânea dos confessionários e tribunais de inquisição materializada nas redes sociais mais populares.

Quando comentávamos uma matéria específica, chegamos ao tema “solidão da mulher negra”. Expressei opinião divergente da tônica comumente adotada, o abandono afetivo das mulheres negras pelos homens negros. A mim interessava pensar a solidão das mulheres negras nos espaços de poder. O isolamento de sermos uma só a cada vez: no conjunto dos ministérios ou secretarias de governo; no corpo diretivo de uma universidade, ou mesmo de um departamento; numa premiação de empreendedores sociais; na direção de organismos internacionais; nas bancas de concursos e num sem-fim de lugares decisórios.

O novo amigo concordou e ponderou também sobre a solidão dos homens negros naqueles mesmos espaços, principalmente dos homens gays. Mesmo assentindo, contra-argumentei que uma questão mais grave pesava a nosso desfavor. Nós, mulheres negras, vimos nos escolarizando mais do que os homens negros há pelo menos três décadas, contudo, essa superioridade numérica e do número de anos estudados (maior presença nos cursos de graduação e pós-graduação) não se refletia na ocupação de espaços de poder.

Nesse momento, depois que eu já havia feito alguns comentários mais pessoais sobre percalços enfrentados por amigas negras que ousam disputar poder nas universidades e brigar, por exemplo, para presidir bancas de concursos para a seleção de novos colegas, o amigo partilhou uma situação que o angustiava. Responsável há alguns anos por disciplina que abarca o tema da diversidade cultural, ele julgava imperativo trabalhar as questões de gênero. Qual não foi sua surpresa, quando em dado semestre, ao apresentar o programa, viu-se obstado por um coletivo feminista de três ou quatro alunas brancas que o interceptou para advogar que ele não poderia tratar a temática de gênero em sala de aula. Chocado, ele quis saber o porquê. Recebeu a seguinte resposta de teleponto: ele era homem, tinha privilégios e não poderia roubar o protagonismo das mulheres.

A cabeça do amigo professor pesou porque ele vinha de uma formação educacional, na qual suas colegas reclamavam de que as questões de gênero só eram tratadas em matérias optativas ministradas por professoras feministas. Ele, por sua vez, entendia que qualquer abordagem de questões de diversidade será incompleta e insuficiente, caso não considere as relações de gênero e o papel fundamental do feminismo e das feministas no enraizamento e florescimento da temática. Por isso, ele nunca ministrava o curso sozinho. Fazia-o convidando várias mulheres a falar, seja pela bibliografia que embasava o curso, pelos trabalhos de pesquisa e intervenção social discutidos, seja pelo convite para que mulheres trabalhassem certos temas durante as aulas.

Tudo isso explicado, as moças insistiram que o professor roubava o protagonismo das mulheres e que ele, enfim, não desfrutava do decantado “lugar de fala”, senha que lhe permitiria abordar o tema gênero.

Como bom professor (meu juízo de valor sobre o amigo), ele resolveu convidá-las para protagonizar, no rádio, debate sobre lugar de fala, feminismos, direitos das mulheres e produção de conhecimento. Na segunda tentativa o coletivo respondeu ao convite formal do programa radiofônico recusando-o com base nos argumentos que usados em sala de aula.

O professor-radialista insistiu no tema e convidou para o programa, outros coletivos feministas, mais velhos na universidade, informando-os sobre a negativa do primeiro coletivo e sobre a argumentação da recusa. Acrescentou ainda, que se as convidadas concordassem com aquilo, deviam sentir-se à vontade para declinar da proposta.

Convite aceito, os coletivos compareceram e fizeram um instigante debate. Entretanto, cara leitora, você se engana ao pensar que a questão foi encerrada com esse desfecho feliz. Não, infelizmente, não!

O tal coletivo novíssimo, talvez forçado a se justificar pelo fato de outros coletivos mais velhos, maiores, mais diversos (compostos também por feministas negras ou exclusivamente formados por elas) terem participado do programa, escreveram uma postagem, na qual desqualificavam publicamente o professor negro, chamando-o de machista e de usurpador do lugar de fala das mulheres.

Incrédulo, o professor aconselhou-se com colegas que minimizaram o fato, classificando-o como bobagem. O problema é que, para nós, pessoas geradas em contextos históricos de discriminação, não é normal que um pequeno coletivo nos acuse (sem provas, baseado em convicção performática) de tomarmos o lugar do opressor. Não é aceitável.

Exausto, o professor então procurou uma feminista septuagenária, branca, decana na universidade para perguntar a ela o que estava acontecendo. O que aquilo significava. Ela, uma feminista séria (juízo de valor meu, novamente) aventou a possibilidade de que aquilo configurasse discriminação racial, travestida de discurso feminista radical. Afinal, na opinião do novíssimo coletivo feminista, quem seria aquele professorzinho negro, para falar sobre gênero e para trazer feministas negras como referências para o debate?

Concordei com a análise da feminista decana. Tratava-se do velho e mimético racismo anti-negro manifesto no tal lugar de fala do novíssimo coletivo feminista branco.

Segue o baile!

Cidinha da Silva é escritora, autora de #Parem De Nos Matar (2016), da Editora Ijuma, São Paulo, entre outros livros.

 

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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