Dois dos três jovens presos, agredidos e criminalizados por participarem de manifestação em Florianópolis decidiram na segunda-feira (10/7), em audiência no Fórum da Capital, em Florianópolis, não fazer acordo de suspensão da denúncia judicial para suspender o processo movido contra eles pelo Ministério Público Estadual, submetendo-se a condições de restrição de direitos. Em nome da justiça e de todos os lutadores sociais que defendem o país contra o ataque aos direitos humanos e às políticas públicas, a estudante de Relações Públicas da UFSC, Vanessa Canei, 28 anos, e o fotógrafo independente, Gabriel Rosa, 29 anos, preferiram correr o risco de serem condenados para provar sua inocência. Com isso, o processo movido contra eles a partir de denúncia do MP continua. As advogadas Luzia Cabreira e Daniela Felix foram intimadas a apresentar defesa prévia dos dois militantes em dez dias e já estão recolhendo provas para mostrar que os estudantes não estavam praticando os atos de que foram acusados. Já a estudante de História Larissa N. F., 22 anos, que foi a mais machucada e agredida no ato da prisão, preferiu assinar o acordo que suspende seu processo por dois anos, ao término dos quais o processo deverá ser arquivado.
Presos em 10 de outubro de 2016, quando participavam do ato denominado “Ocupa Ponte” contra a Reforma do Ensino Médio e a PEC 241, eles tiveram, nesta segunda-feira, oito meses depois de assinar o termo de custódia que lhes deu liberdade provisória no dia 11, sua segunda audiência para negociar a suspensão do processo mediante condições que podem ser consideradas punitivas. A audiência foi arbitrada pela juíza Érica Lourenço de Lima Ferreira, da primeira instância da quarta vara criminal do Fórum da Capital. As restrições apresentadas pelo promotor do Ministério Público Marcelo Brito de Araújo, o mesmo que apresentou a denúncia por dano ao patrimônio público, desacato à autoridade, resistência à prisão e agressão a policial foram consideradas injustas e pesadas pelos denunciados. O promotor não acatou o pedido das advogadas de considerarem os oito meses em que as duas acusadas já vinham cumprindo condições de restrição dos direitos, como não sair de casa depois das 22 horas, não viajar para fora da cidade, não beber e não fumar. Essas condições não valem para o fotógrafo Gabriel, que obteve liberdade mediante pagamento de fiança, mas também responde o processo.
Reportagem: Raquel Wandelli – Edição de Luara Wandelli Loth
Impedidos de entrar com as faixas no pátio do complexo do Fórum e Tribunal de Justiça, que foi cercado por policiais, dezenas de manifestantes empunhavam cartazes em apoio aos três jovens e contra o crescimento generalizado da criminalização dos lutadores sociais após o golpe. Os denunciados entraram às 14h30 para a audiência na qual deveriam decidir se aceitam as condições restritivas do direito determinadas pelo promotor ou continuam respondendo processo.Acompanhados das duas advogadas, eles saíram cerca de uma hora depois com suas decisões tomadas: Larissa vai se submeter as medidas punitivas, mas o fotógrafo Gabriel Rosa e a estudante Vanessa Canei, se negaram a assumir uma culpa que, segundo eles, lhes foi injustamente imputada, inclusive com falso testemunho e flagrante forjado pelos policiais. Segundo as advogadas, Larissa continuará cumprindo restrições de direitos um pouco mais brandas: não poderá se ausentar da cidade ou mudar de endereço sem comunicar a justiça, deverá se apresentar mensalmente no Fórum e ainda prestará oito horas de trabalhos sociais em um mês, ao cabo dos quais sua denúncia será arquivada. Para Vanessa, prosseguem as medidas punitivas anteriores. “A grande diferença é que Vanessa e Gabriel podem ser absolvidos do processo”, explica a advogada Luzia Cabreira.
Em entrevista logo após a audiência, Gabriel disse que seria um absurdo assinar o termo de cautela quando os vídeos, as fotos e as testemunhas provam que ele estava parado com seu equipamento quando foi abordado sem dar motivos e preso por um policial que o acusou de estar jogando pedras. “Não posso assinar um acordo assim porque seria legitimar uma perseguição e uma injustiça”, reforçou. Segundo Vanessa, o protesto e o apoio dos companheiros em frente ao Fórum foi decisivo para que ela se recusasse a negociar o arquivamento do processo. “Compreendi que essa causa não era só minha, não era individual, mas coletiva, de todos os que estão lutando”, afirmou, alegando que as acusações são inverídicas e que “até agora nunca fomos sequer ouvidos”.
O Ocupa Ponte foi o primeiro grande ato em Florianópolis contra as medidas antissociais de Michel Temer a Reforma do Ensino Médio e a PEC 241, que congela os investimentos públicos por 20 anos. A crescente criminalização dos lutadores sociais depois do golpe levou as entidades que participam dos movimentos contra a retirada de direitos e o desmonte das políticas públicas a organizarem o manifesto em frente ao Fórum. “Não podemos permitir que essas retaliações se multipliquem e que transformem vítimas da violência policial em réus como forma de barrar os necessários protestos”, assinalou a antropóloga e professora da Udesc, Carmen Susana Torquist.
Ao serem detidos próximo à ponte Colombo Salles, além de terem sido submetidos à prisão irregular, sem motivos, segundo as advogadas, os três sofreram humilhação e agressão, numa noite em que vários jovens e adolescentes levaram bala de borracha e golpes de cassetetes nos braços, no rosto, cabeça e tórax. Pelo menos quatro foram hospitalizados. Larissa foi xingada, arrastada por quatro homens pelos pés e pelo pescoço, levou um chute na cabeça e ainda sofreu discriminação de gênero. Como ficou muito machucada, Larissa teve que ser levada ao Instituto Geral de Perícias (IGP). Ao retirarem o lenço que ela usava no rosto para se proteger do gás lacrimogêneo e descobrirem que era uma mulher, os policiais fizeram comentários lesbofóbicos. Vanessa e Larissa foram acusadas de depredação do patrimônio pela queima de dois cones plástico de trânsito. As advogadas solicitam a todos que tiverem vídeos, fotografias ou depoimentos ajudando a provar a inocência dos jovens e a violência policial a enviarem essas contribuições pelas redes sociais.