“Fundada suspeita”: a polícia baiana que mais mata é também a mais violenta?

Em 2022, 1.464 pessoas foram mortas em operações policiais na Bahia. No Rio de Janeiro a polícia matou 1.330 pessoas em suas ações.

Por Franklim Peixinho, parceria Jornalistas LivresHori Ciranda

“Você vê a viatura, e entra correndo, você quer o que?”

Com esta pergunta, um agente da Polícia Militar baiana justificou o crime de invasão de domicílio na casa de um homem negro, na cidade de Feira de Santana.

Esta “fundada suspeita” não se aplica aos moradores brancos dos ditos bairros nobres da capital soteropolitana, Corredor da Vitória, Graça…

Haveria “fundada suspeita” de que algum destes imóveis dos granfinos escondam 51 milhões de reais de origem criminosa?

Ou que nestes bairros, comandantes do crime organizado, o alto escalão do mundo jurídico, por exemplo, arquitetem compra de sentenças de terras griladas no oeste da Bahia?

Lá, onde mora “gente de bem”, a Polícia dá boa noite e pede licença ao “senhor ou sinhazinha…”

“A fundada suspeita” que justifica capitães-do-mato matar preto, estapear uma mulher negra grávida – como no caso lá do Santo Antônio Além do Carmo – humilhar com murros, xingamentos é, em outras palavras, o racismo institucional que orienta uma atuação letal e violenta em bairros populares de pessoas negras.

“Quem tá desrespeitando tú, playboy?”

O jovem negro, do vídeo desta matéria, que além de sua casa invadida por policiais, teve a camisa rasgada perante sua esposa e filhos, ouviu a irônica pergunta do soldado da PM sobre quem o desrespeitou.

Se um homem negro entrar em sua residência coincidentemente com a passagem de uma viatura policial, há motivo suficiente para uma atuação violenta da PM?

Sim, de acordo com o manual racista da segurança pública baiana, que, aliás, é gerida por um homem branco.

Tal fato – a agressão policial – filmado pela esposa da vítima foi o divisor de águas para se evitar um final trágico, talvez uma execução, a partir de uma “reação” de um homem negro desarmado, perante três policias com fuzil, ou em uma sessão de espancamento e tortura perante a companheira da vítima e seus filhos.

Sobre isso, tem-se uma “fundada suspeita”.

Este recorte acende uma necessidade da tão adiada instalação de câmeras nos fardamentos da polícia baiana, nas suas ações de abordagens, sobretudo em bairros populares de maioria negra

“O senhor vê a Constituição como porcaria?”

Invasão de domicílio, crime de injúria, ameaças em meio a gritos, revelam a expressão de um Estado Policialesco que funda sua práxis no Direito Penal do Inimigo. No contexto brasileiro, a população negra são indivíduos e não pessoas com prerrogativas do imperativo da dignidade da pessoa humana, fundamento da Carta Constitucional brasileira.

Como indivíduos, ergue-se o Direito de Guerra contra pessoas negras, com a negação da humanidade, o cerne do central do racismo estrutural.

Não há Carta de Direitos Fundamentais para pessoas negras materialmente, porque elas são indivíduos que precisam ser eliminados, de acordo com a expressa necropolítica da podre elite branca brasileira, seja pelo extermínio ou encarceramento em massa.

Tornar concreto os Direitos Humanos é o desafio da posmodernidade, como expressa Bobbio na “Era dos Direitos”.

O movimento negro: “Polícia, o que você tem a esconder?”.

As entidades do Movimento Negro da Bahia – UNEGRO, MNU, CONEM, CÍRCULO PALMARINO/Bahia, APNS, África900/Centro de Referência Política – em conjunto com outras entidades da sociedade civil, que estão na luta antirracista, convocaram para o dia 18/08 um ato de mobilização para denunciar e cobrar medidas contra o extermínio da população negra pela polícia baiana (segue manifesto abaixo).

A polícia da Bahia é que mais mata, ultrapassando os índices de letalidade do Rio de Janeiro, governado por uma gestão de segurança alinhada com a extrema-direita bolsonarista.

Foram 1.464 pessoas mortas no estado da Bahia, em operações policiais em 2022, já a polícia do Rio de Janeiro matou 1.330 pessoas em suas ações.

A Bahia segue numa expansão da letalidade desde 2015. As mortes, naquele ano, somaram 315, o que registra um aumento em 313% durante este período de sete anos.

Na pandemia, o número de óbitos na Bahia, por ação da polícia, foram 1.138.

A morte do menino Joel em 2011, a “Vila Moisés”, a chacina da Gamboa, a morte de Gabriel Silva da Conceição Júnior de 10 anos, na cidade de Lauro de Freitas, e as 30 pessoas mortas em ações policiais nas primeiras semanas de agosto deste ano, formam uma lista de um “estado de coisas” que caracteriza a tônica da segurança pública da Bahia: o extermínio da vida de pessoas negras.

Em outro recorte, não há efetiva repressão aos assassinatos, agressões, humilhações, torturas praticadas por policiais contra as pessoas negras de bairros periféricos.

O relatório “Pele Alvo: a Cor que a Polícia Apaga” registra em 2021, que das 3290 mortes em operações policiais, 65% era pessoas negras. Na Bahia, das 1335 pessoas mortas pela polícia em 2021, tem-se o alarmante número de 98% pessoas negras mortas em ações policiais.

Não se trata da decisão de um jogador na marca do penâlty, é decisão política. Tampouco, supostamente, as pessoas mortas serem “homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos”, como afirmou o governador, é justificativa para a necropolítica que assassina pessoas negras na Bahia.

Câmeras nos uniformes dos policiais, formação em Direitos Humanos e Letramento Racial nos setores de segurança pública, e punição para ações de extermínio e violação de direitos das pessoas negras, são pontos urgentes para alterar o curso do racismo institucional na Bahia.

📢 Polícia, o que você tem a esconder? Câmeras nos fardamentos policiais já! 📢

Os Movimentos Negros da Bahia, convocam o conjunto de movimentos sociais para o ato Contra o Genocídio do Povo Negro e pelo fim da Violência Policial em nosso Estado.

Junte-se a nós no dia 18/08 (Sexta-feira), às 9h na Praça da Piedade.

O Ato é uma iniciativa conjunta de diversos segmentos do Movimento Negro, Social e Cultural da Bahia, unidos na luta por igualdade racial e respeito pela vida do povo negro.

Compartilhe com seus amigos e familiares! Contamos com sua presença e apoio para cobrarmos que o Governo do Estado tome medidas efetivas e urgentes contra a postura da PM da Bahia.

#CamerasJá #ChegaDeViolênciaPolicial #JustiçaParaTodos #ContraoExtermíniodaJuventudeNegra #JuventudeNegraViva #PovoNegroVivo

Organizações que apoiam o ato:
UNEGRO
MNU
CONEM
CÍRCULO PALMARINO – Bahia
APNS
NEGRITUDE SUSSUARANA
GRUPO TORTURA NUNCA MAIS
REPROTAI
INSTITUTO DE MULHERES NEGRA LUIZA MAHIN
ASSOC. DE MORADORES DO CONJUNTO SANTA LUZIA
ONG BUMBÁ – ESCOLA DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA
CEDHU – CENTRO DE DIREITOS HUMANOS FRANCO PELLEGRINI
CMA HIP HOP – Comunicação, Militância e Atitude Hip Hop
BANCADA DO FEIJÃO
EDUCAFRO
Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer
Fórum de Entidades Negras da Bahia-FENEBA
Associação dos Moradores de Itapuã – AMI
EtniCidades: grupo de estudos étnico-raciais em arquitetura e urbanismo da FAUFBA
União Estadual dos Estudantes – UEES BAHIA
Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador – AGES
Núcleo Popular – Bahia
CUT Bahia
UJS – União da Juventude Socialista
Associação de advogadas e advogados negras e negros Blackordem
Coletivo Resistência Preta
Programa A Voz do Axé
Informe Nordeste
Frente Nacional Makota Valdina
Terreiro Ilê Axé Araká
Coletivo Vozes que Invocam
Casa Marielle Franco Brasil
África900- Centro de Referência Política
Coletivo de Arte e Juventude Urbana ( CAJU )
Cajaverde Organização Ambiental Esportiva e Cultural
FABS Federação das Associações de Bairros de Salvador
Frente Ampla de Cajazeiras
B5 Frente Negra
Instituto Jaime Sodré
NCA Nação de Consciência Ancestral

Instituto Hori

Leia também:

“A Lei do Santo”[1]: Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé

“Tire as construções da minha praia!” [1]

“A cor dessa cidade não sou eu”: o racismo e as contradições do Carnaval

Franklim Peixinho é homem negro, Ogan do Ilê Axé Ikandèlé, professor de História e Direito Penal, advogado antirracista, militante do Círculo Palmarino/Bahia, Dirigente do Instituto Hori. Mestre em Políticas Públicas e em História da África, Diáspora e Povos Indígenas (UFRB), Doutor em Ciências Jurídicas. Pesquisa a necropolítica da guerra às drogas no Brasil e educação antirracista

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