Por Marcio Castro, ator e dramaturgo, especial para os Jornalistas Livres
O secretário municipal de Cultura André Sturm se encontrou com a classe artística na última terça feira (07/02). Mesmo sendo o encontro destinado apenas à classe teatral, os artistas atuantes e cidadãos da cidade de São Paulo atravessaram as pautas circunscritas nas linguagens e especificidades, afirmando o lugar de luta necessário para enfrentar a austeridade do governo eleito.
Nem sempre tudo assim é (se lhe parece). O local é a sala Adoniran Barbosa, uma arena envidraçada em meio ao Centro Cultural São Paulo. Na conversa entre o secretário e os cidadãos, uma mesa. Que momentos antes ancorava uma faixa com o recado: cultura não se congela. A faixa não ficou, foi retirada, não sem uma grande discussão.
A população que lotou o espaço e que se encontravam nas galerias clamou pela autorização de adentrarem o andar de baixo junto aos outros que lá já estavam para realizar mais de perto o diálogo. O acesso foi vetado. A justificativa foi a da segurança dos munícipes. Plausível. Mas em qualquer show que se tenha ido, quem quisesse descer e subir, sempre esteve liberado.
André Sturm sabe o vespeiro que está envolvido. Recentemente, o prefeito anunciou o congelamento de 43,5% da verba destinada à cultura no ano. Sabendo dos gastos fixos que a secretaria possui com funcionários, terceirizados e contratos de gestão de informação, praticamente não sobra nada aos projetos da cidade, aos fomentos às artes e nem aos programas de formação artística. Assim, tenta sem sucesso justificar o injustificável, que o corte atingiu mais a Secretaria por um erro da Câmara em colocar os programas de fomento e formação fora da rubrica de projetos permanentes. Foram classificados como projetos futuros, investimentos. Não adiantou, segundo ele, explicar este erro aos administradores do dinheiro da cidade. Eles parecem não querer saber. Erro da Câmara, azar da cultura.
Sturm assinou um documento se comprometendo a lutar pelo descongelamento integral da verba da cultura para o ano. Assim, os artistas permaneceram na ágora. Deram mais um voto de confiança ao gestor. Por ora.
O CONGELAMENTO E A FORMAÇÃO ARTÍSTICA
O Programa Vocacional existe há mais de 15 anos. Se trata de um projeto de ação artística no campo da formação que tem como propósito o estímulo à criação e autonomia cultural pela arte, pela sua condição intrínseca de cidadão, inalienável. É resultado do mesmo projeto de cultura que implementou o programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, a ocupação dos Teatros Distritais por coletivos teatrais e o programa Formação de Público.
Na mudança de gestão com o fim do governo Marta, apenas dois destes programas permaneceram: o Fomento ao Teatro (por ser projeto de lei, não sem a luta contra aqueles que tentaram derrubá-lo mesmo assim) e o Vocacional, por pressão dos cidadãos e aprendizes da cidade. O Programa Vocacional se desenvolveu em vários aspectos, ampliando a orientação em teatro para outras linguagens (música, dança, artes visuais, artes integradas e literatura) e assim continua em constante luta pela sua manutenção.
Tão contundente é esta realidade que houve a necessidade de se criar o programa VAI 2, com aumento da verba oferecida para atender as necessidades dos cidadãos. É também de dentro do Vocacional que nasceram uma série de artistas e coletivos estáveis da cidade que hoje são contemplados pelos programas de fomento municipais, estaduais e até federais.
FORMAÇÃO E CASAS DE CULTURA
Em recente entrevista concedida a um grande veículo de comunicação, Sturm disse que em relação as Casas de Cultura as ações estarão mais fortemente direcionadas ao povo e não aos coletivos de artistas. Se trata de um olhar desviante do que se tem pensado sobre a arte atualmente em política pública na cidade de São Paulo: dissociar o cidadão da arte é dizer que a cultura é algo que está fora do cidadão comum e que ela é destinada ao consumo e não à fruição pessoal e coletiva. É sobre este problema que se debruça o conceito de cidadania cultural: a quebra de distinção entre aquele que pode ter acesso a arte, seja artista ou não. Quem é o melhor gestor de um equipamento público de cultura do que os próprios moradores e agentes culturais de seu entorno? Será que é necessário uma mediação de sua arte por um técnico externo ao território?
Muito se ganhou na última gestão quando a grande maioria dos gestores das casas foram os próprios agentes culturais dos bairros, mesmo em condições precárias como sabemos. Mas foi um grande ganho. Acredito que este seja um dos pontos decisivos que a cidade terá como debate com o novo secretário. Há uma realidade muito potente dos fazedores de cultura desta cidade, e algumas conquistas mesmo que ainda conceituais e precárias não serão desarticuladas. Pelo contrário, a cidade vive hoje um momento de grande fortalecimento de luta pela cultura e cidadania. Ela está cada vez mais autônoma em relação às suas necessidades, fruto de tanta luta. Não à toa, pela sua cidadania cultural cultivada em meio a solos áridos, mas aguerrida.
SOBRE O ENCONTRO
Os programas de formação artística da cidade figuraram no encontro de forma acessória. Os fomentos e a formação, o VAI e a formação, os espaços de coletivos teatrais e a formação. Eram acessórios sempre, mas sempre presentes. A lacuna diz o que se escolhe, mas também o que não se quer escolher. Ao fim, quando tudo parecia ter acabado, o Secretário já levantando da mesa, um artista lá do alto, lá do fundo, lá de onde nem se pode ver o Secretário, clama por um diálogo específico com os programas de formação. Este mesmo artista que já trabalhou no Vocacional tem hoje um filho na EMIA que não iniciou as inscrições este ano porque (ainda) não tem verba. A mesma EMIA que possui mais de 30 anos de história na cidade. Que atravessou Erundina, Maluf, Pita, Marta, Serra, Kassab, Haddad, esta mesma EMIA, a esmo.
Ele, artista da cidade, sem ter o que responder para os pais e cidadãos da cidade o que iria acontecer com a EMIA. O Secretário se comprometeu, também, em estabelecer um diálogo com os programas de formação de forma efetiva. E ainda lá de baixo, Sturm garante: o acordo é que os programas de formação, que em palavras claras a ele é mais importante que os fomentos, iniciarão em seus períodos normais como todos os anos, ou seja, junto com o calendário escolar. Ele garantiu, como quem assina uma carta, como quem se diz comprometido. Assim sendo, a Secretaria tem 20 dias para viabilizar o contrato e o início das atividades da EMIA, do PIÁ e do Programa Vocacional.
Não se pode esquecer. Um criador da cidade, negro, pergunta sobre as ações afirmativas da Secretaria e do Governo sobre esta questão. Este mesmo negro, conhecido de todos nós, saiu de lá sem nem ao mesmo uma menção sobre sua indagação. Faltou esta resposta do Secretário.