Reunimos aqui alguns trechos de artigos que compõem o livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns: Pastor das periferias, dos pobres e da justiça.
O Cardeal que salvou minha vida – Adriano Diogo
Eu conheci D. Paulo quando estava preso no presídio do Hipódromo. Dom Paulo foi nos visitar dentro da cela, ele estava acompanhado de Hélio Bicudo, e nós entregamos a eles documentos sobre a tortura. Eu me lembro deles os esconderem por debaixo da roupa. Estávamos cercadíssimos, mas conseguimos passar as preciosas informações.
Munido desses papéis, e de outros documentos que retirou no presídio Tiradentes, Dom Paulo fez uma denúncia a entidades internacionais e divulgou a tortura que era realizada no Brasil para o mundo inteiro.
Isso foi em agosto de 1973. Eu não sabia, mas D. Paulo já havia salvado a minha vida.
Um Cardeal amigo da inteligência e dos pobres – Leonardo Boff
A sociedade brasileira lhe deve [a D. Paulo] uma contribuição inestimável com o livro “Brasil nunca mais”, relato de torturas a partir de fontes oficiais dos tribunais militares. Corroborou assim a desmantelar o regime e acelerar a volta à democracia.
Uma bomba em casa – Ana Flora Anderson
Ainda durante a ditadura militar Leonel Brizola pediu uma entrevista e foi atendido por Dom Paulo […] Enquanto eles conversavam uma das irmãs chamou Dom Paulo ao telefone. Era um militar que queria entrar na propriedade em vista de uma ameaça recebida sobre uma bomba. Dom Paulo respondeu que só tinha uma bomba na casa – Brizola!
O Franciscano que antecedeu Francisco – Padre Ticão e Professor Waldir
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças.” [palavras proferidas pelo Papa Francisco]
Paradoxalmente podemos dizer: “Dom Paulo entendeu e atendeu o chamado do bispo de Roma”. Dizemos paradoxalmente porque falamos de períodos opostos. Francisco inicia seu Pontificado 15 anos depois que Dom Paulo tornara-se Arcebispo Emérito. Como pode, então, ao que veio antes, atender o chamado do que veio depois?
A Vizinha da Cúria Arquidiocesana – Ana Flora Anderson
A Cúria, situada na Avenida Higienópolis, tinha como vizinha na época a Secretária Estadual de Segurança que se interessava muito pelas atividades da Igreja. Numa dessas reuniões, Maria Ângela BBorsoi, secretária de Dom Paulo, estranhou a presença de um senhor desconhecido, sentado perto da porta com um gravador. Ela disse a Dom Paulo que achava que era um espião do DOPS e que queria avisar frei Gorgulho e Ana Flora a tomarem cuidado na apresentação dos textos litúrgicos.
Dom Paulo reagiu prontamente dizendo que Ana Flora e frei Gorgulho deviam falar tudo o que tinham no coração. Afinal, os agentes do DOPS tinham poucas chances para ouvir o Evangelho.
Dois Gritos – Dom Pedro Casaldáliga
Têm dois gritos da rebelião profética de D. Paulo que sintetizam toda a sua vida:
“De Esperança em Esperança” e “Nunca mais”.
Insubstituível – Henri Sobel
Nesses tempos de incerteza, de crescimento da intolerância e do fundamentalismo em todas as religiões, eu me lamento pela falta que D. Paulo faz. Mas, por outro lado, aproveito para transformar esse lamento em uma nova injeção de ânimo. É preciso formar não um, mas dez, cem, mil Paulos Evaristos, homens comprometidos com o destino do seu rebanho e de todos os rebanhos do Deus que é um só.
Dom Paulo e a construção da cidadania na periferia de São Paulo – Luíza Erundina de Sousa
Em 1973, três anos após tornar-se Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo resolveu trocar a residência oficial das Arquidiocese, transferindo-a do Palácio Episcopal Pio XII, imponente imóvel no Bairro Paraíso, para uma casa simples no Sumaré.
Com os cinco milhões de dólares resultantes da venda do imóvel, ele determinou a construção de 1.200 imóveis, na periferia da cidade, para sediar centros comunitários, onde a população passou a se reunir para discutir só problemas dos seus bairros e organizar a luta por creches, escolas, postos de saúde, moradia, asfalto, transporte, enfim, por direitos sociais e políticas públicas.
Dom Paulo Evaristo Arns – Recordações – Frei Betto
A história é implacável e jamais esquece. Ela cobra da igreja católica seu silêncio perante o genocídio indígena no Brasil (com honrosas exceções, como Anchieta e Vieira), a servidão escrava dos negros (sem exceções) e o holocausto dos judeus. Mas não há como deixar de ressaltar o papel de considerável parcela da Igreja ao regime militar.
(…)
Para alguns, a ditadura acabou, a democracia voltou, a luta terminou. Dom Paulo, “a luta continua”, pois seu ideal evangélico ainda não foi alcançado: o direito dos pobres e o fim da desigualdade social.
O Franciscano que antecedeu Francisco – Padre Ticão e Professor Waldir
A “irrestrita solidariedade” assumida por Dom Paulo, se manifesta abertamente tempos depois. Em 17 de março de 1973. O estudante de Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, com 22 anos de idade, é assassinado sob torturamos cárceres da ditadura.
(…)
Diante das declarações mentirosas apresentadas [de que Alexandre teria se suicidado], numa clara manifestação de total desrespeito a qualquer direito da pessoa, estudantes da USP decidem procurar o Arcebispo de São Paulo e pedir-lhe a celebração de uma missa em memória do colega assassinado. A missa é marcada para 30 de março de 1973.
Diante de mais de cinco mil pessoas e mesmo sob pressão dos órgãos de repressão para que o ato não acontecesse, Dom Paulo realiza a celebração. A partir daquele evento, entidades civis que até então permaneciam caladas, começaram a se manifestar contra a ditadura. O ato realizado após a missa transformou-se na primeira grande manifestação pública de oposição ao regime.
Até que enfim entenderam! – Ana Flora Anderson
O pai de Frei Betto era Juiz Militar e o responsável pela prisão [de Frei Betto] o chamou para conversar. Mostrou-lhe a Bíblia de Frei Betto com muitos textos sublinhados. O pai entendeu que era assim que Betto mandava mensagens aos outros presos. Mas, o militar bateu a Bíblia na mesa e exclamou: Todo esse livro é subversivo!
Dom Paulo escutou toda a história e respondeu: “Até que enfim eles entenderam!”
Nota
Os trechos acima foram extraídos do livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns: Pastor das periferias, dos pobres e da justiça. Organizadores: Professor Waldir Augusti e Padre Ticão. São Paulo, Casa da Terceira Idade Tereza Bugolim, 2015. 479 p.