Krugman quer que as pessoas sejam racionais e pragmáticas como ele é.
Elas não são e, às vezes, isso é bom
O Prêmio Nobel, Paul Krugman, não suporta que as pessoas sejam irracionais e que os conservadores da classe trabalhadora sejam ludibriados para votar contra seus próprios interesses econômicos. Em um recente editorial do New York Times intitulado “Como a mudança acontece”, Krugman reclamou que os progressistas, partidários de Bernie Sanders, estão desesperadamente esperando que os “melhores anjos”, existentes nas pessoas, se levantem e mudem radicalmente as nossas instituições corruptas. A mudança real, ele argumenta, exige pragmatismo racional e compromisso.
“a qualidade e a quantidade do nosso engajamento político são
fortemente moldadas por necessidades inconscientes poderosas e medos
relativamente imunes à argumentação racional”
Como psicoterapeuta, que escreve sobre política, eu tenho uma questão diferente: eu não consigo entender como Krugman pode ficar perplexo com o seguinte fato: a qualidade e quantidade do nosso engajamento político é fortemente moldada por necessidades inconscientes poderosas e medos relativamente imunes à argumentação racional. Deixemos de lado, por um momento que, como já foi salientado por outros, ele deturpa visão de mudança de Sanders. A visão de Krugman reflete um desejo, que ele toma por realidade, de que a mudança social fundamental resulta de vitórias incrementais, que refletem compromissos racionais entre interesses concorrentes. Mas a questão fundamental, que está colocada aos progressistas de hoje, não é resolvida por sabichões da política. A questão é: como podemos construir instituições saudáveis que se tornem a base para um movimento social radical. A questão é como é que vamos engajar as paixões de milhões de americanos que vêem nesse movimento a conexão com seus desejos não correspondidos e medos desarticulados?
“as pessoas precisam de um sentimento de vínculo,
na mesma medida que precisam de justiça econômica”
Para tanto, temos que, ao menos, começar com uma visão precisa da motivação humana, ou seja, a nossa visão do que as pessoas realmente precisam e temem e, portanto, a forma como as instituições que criamos e a ideologia que promovemos consigam falar com esses sentimentos no nível mais profundo possível. Por exemplo, é comum que as pessoas em nossa sociedade sejam isoladas e solitárias. As pessoas precisam de um sentimento de vínculo, na mesma medida que precisam de justiça econômica. Como é que nossa “mensagem” oferece às pessoas uma sensação de comunidade? (O chamado entusiasmado de Sanders para uma “revolução política” procura fazer exatamente isso, enquanto Clinton apoia seu apelo em noções rasas e tecnocráticas de “competência”.) A direita certamente compreendeu as necessidades frustradas que as pessoas têm de se conectar, embora a “comunidade” que ofereçam se baseie, em grande parte, na demonização dos outros (imigrantes, gays, beneficiários da previdência social, etc.).
Consideremos a ideia, da qual Krugman zomba delicadamente, de que muitos progressistas estão tentando evocar os melhores anjos da natureza americana. Na verdade, as pessoas têm um desejo emocional profundo de significado e propósito. Queremos que os nossos melhores anjos sejam despertados e queremos ver o mesmo em outros. Tudo o que temos de fazer para ver esta necessidade despertada é notar como as comunidades reagem com generosidade altruísta e de espírito elevado, na sequência de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem.
“isso é o que Obama fez em 2008 e é o que Sanders está fazendo agora”
Os políticos agem quando eles são forçados a ou subornados para agir. Os compromissos que tantas vezes ocorrem são devidos ao efeito líquido desse jogo de forças. O trabalho dos progressistas é fortalecer nosso lado, aumentar o nosso poder, por envolver e inspirar as pessoas a deixar sua passividade, não apenas oferecendo-se políticas alternativas razoáveis, mas inspirando-as a ser maiores e melhores do que normalmente se vêem. Isso é o que Obama fez em 2008 e é o que Sanders está fazendo agora.
O apelo Sanders não é redutível ao que Krugman chama de “retórica transformacional”, mas é, em vez disso, um antídoto para a desesperança tão prevalente hoje, uma desesperança maligna que não surge a partir da estupidez dos conservadores ou do idealismo ingênuo dos progressistas. A desesperança é a crença de que as coisas são como deveriam ser.
Ela não pode ser combatida simplesmente por apelos à razão, mas ao contrário, é preciso falar aos corações dos nossos correligionários, estimular (não menosprezar) sua crença em melhores anjos e fazer eco com as suas necessidades de amor, reconhecimento, ação, comunidade e significado . Essas necessidades, aparentemente mais suaves, são tão poderosas como o auto-interesse econômico racional ou a lógica do lado esquerdo do cérebro.
“a mudança social radical não pode ser entendida
como o resultado de compromissos técnicos políticos entre atores racionais”
Paul Krugman é o intelectual mais popular na América hoje. Ele está claramente acima dos sabichões e políticos desonestos e mesquinhos à direita. Quando ele duela com eles, nós progredimos. Mas se ele quer falar sobre a forma como a mudança ocorre e sobre o compromisso político, ele precisa entender que Roosevelt foi empurrado para a esquerda pelo trabalho, LBJ ( N do T: Lyndon Baines Johnson) pelo movimento dos direitos civis, Nixon pelo movimento anti-guerra, e Supremo Tribunal pela movimento LGBT para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A mudança social radical não pode ser entendida como o resultado de compromissos técnicos políticos entre atores racionais, mas sim como o resultado de movimentos sociais que adquirem poder, envolvendo a pessoa por inteiro, incluindo as regiões mais íntimas do coração e da alma, assim como a as partes em que a razão reside.
Contrariamente à afirmação de Krugman, precisamos desses “melhores anjos da nossa natureza”, a fim de ganhar o poder necessário para podermos ser pragmáticos a partir de uma posição de força. Caso contrário, o pragmatismo por si só nos deixa desengajados e faz a política parecer irrelevante, ao invés de um lugar onde nossas necessidades mais profundas podem ser expressas e realizadas.
Notas:
1 Nota do Tradutor: liberal, no sentido usado nos EUA, é melhor representado por progressista.
2 Nota do Tradutor: aqui o autor usa a palavra cynicism que tem o sentido de crença de que as pessoas geralmente são egoístas e desonestas. Desesperança ou descrença seriam os termos mais adequados em português.
3 Michael Bader é psicólogo e psicanalista, em San Francisco. Ele é o autor de “More Than Bread and Butter: A Psychologist Speaks to Progressives About What People Really Need in Order to Win and Change the World” (Mais do que Pão com Manteiga: um psicólogo fala aos progressistas sobre o que as pessoas realmente precisam para vencer e mudar o mundo) (Blurb, 2015).
4 Texto publicado originalmente no dia 07/02/2016 em : http://www.alternet.org/election-2016/it-paul-krugman-who-lives-fantasy-world-not-bernie-supporters