O homem trans Samuel Silva, 22 anos, foi expulso da faculdade Casper Líbero, onde cursava o 3° ano de Publicidade e Propaganda, depois que postou em seu perfil no Facebook uma crítica ao método utilizado pela professora de Redação Publicitária Marina Negri. Autora do livro “Contribuições da Língua Portuguesa para a Redação Publicitária” (Ed. Learning), Marina exibiu um filme em inglês — sem legendas – como subsídio para uma prova bimestral. Após a crítica, a professora enviou um email para toda a classe em que dizia:
“Tenho a dizer que, das quatro turmas de PP, Samuel Silva foi o único aluno universitário que não teve capacidade de assimilar um áudio com sonora em Inglês, narrado lentamente, em linguagem cotidiana, de um filme de 30. Foi o único aluno a se sentir ‘colonizado’ por meio dessa solicitação. Foi o único aluno a não compreender o enunciado da questão que tratava de um comercial premiado, e era fundamentada por um texto base oferecido como consulta a todos. Talvez lhe falte repertório, talvez lhe falte domínio de idiomas, talvez lhe falte o que fazer, mas o fato é que ele transformou suas peculiares características intelectuais em vitimização moral.”
Ao expor seu aluno diante de toda a classe, questionando sua capacidade intelectual, a professora Marina deu espaço para que outras agressões transfóbicas tomassem corpo na Faculdade Casper Líbero, que não adere a programas sociais inclusivos e cobra mensalidade de R$ 1.708,46. Em uníssono, tod@s @s colegas de classe (exceto uma) apoiaram a professora, gerando um clima insustentável e desestabilizando emocionalmente o Samuel, que já tinha empreendido uma intensa batalha pelo respeito ao seu nome social. Ele ficou isolado e foi intensamente hostilizado por meio de mensagens de ódio privadas, como:
“me julgue machista, eu quero é mais que voce se foda, mas se voce quer tanto ser homem, trate de agir como um, e nao digo isso me referindo ao moldes de homem e mulher que voce tanto insiste em pintar em nós, seus colegas, mas sim homem no fato de assumir teus erros, assumir as merdas que voce fala e seguir em frente cara, pq la fora, ninguem vai ter dó de voce não mermão, muito pelo contrario, vão te come vivo. então CRESCE E VE SE NÃO ME TORRA.”
Nome social
O uso do nome social por transexuais é um direito conquistado. Ignorar esse direito é um profundo desrespeito. Foi o que aconteceu nos dias que se seguiram na faculdade. O coordenador da classe, Walter Freoa, começou a chamá-lo no feminino para “provocar”, como ele mesmo assumiu. Houve uma discussão, Freoa alegou ter sido fisicamente agredido por Samuel, que saiu nervoso esbarrando nele.
O diretor da Casper Líbero, Carlos Roberto da Costa, publicou no dia 09.10 em seu perfil no Facebook um comunicado em que informa a transferência de Samuel, o desligamento da professora “entendendo má condução e má postura ao expor o aluno perante a classe e por alimentar a divulgação dos fatos decorrentes, mesmo após orientação de aguardar o resultado da sindicância para se manifestar”, e a remoção da função de coordenador de Freoa, o designando como docente.
“Houve, nos últimos dias, uma série de desencontros nas informações, amplamente divulgadas pelo aluno. Em grande parte das publicações, o aluno insulta a Faculdade com ameaças e com discurso de vingança…Ainda que tenha havido desentendimento entre o aluno e a professora, nada justifica a agressão física do aluno contra o coordenador do curso. Por isso, a instituição comunica a transferência compulsória do aluno para uma instituição que o atenda.”
Agressões recorrentes
O comunicado da Fundação Cásper Líbero termina dizendo que “decisões como esta são sempre difíceis, mas necessárias para assegurar que a Cásper Líbero continue sendo um ambiente acolhedor e respeitoso.”
Porém, a faculdade tem sido palco de sucessivos episódios de preconceito e violência. Em fevereiro de 2012, um calouro foi preso com fitas adesivas a um poste na Avenida Paulista. Meninas também foram obrigadas a simular sexo oral com pepinos e bananas. Nenhum desses abusos gerou reação da instituição.
Travestis, mulheres transexuais e homens trans têm grande dificuldade em permanecer na escola justamente por causa desse tipo de perseguição e humilhação a que Samuel foi vítima. Ele é uma das poucas pessoas trans que conseguiram chegar na universidade.
“Eu penso em desistir da faculdade, do meu sonho, da minha talvez única chance de não passar o resto da minha vida no gueto social. Porque a faculdade não foi feita para as pessoas transexuais, não foi feita para as travestis. É isso o que acontece quando a gente chuta a porta do cis-tema e entra com a cabeça erguida e ocupa espaços… Nós somos humilhados, diminuídos, expulsos. A chutes e patadas”, declara Samuel.
A Frente LGBT+ Casperiana fará hoje (13/10) o ato “Ocupa Casper”, em apoio ao estudante Samuel Silva. A ideia é discutir a transfobia na instituição de ensino. Leia aqui a nota da frente em favor de Samuel.
Leia, a seguir, o posicionamento de Samuel Silva após decisão da faculdade:
“Acabei de sair da reunião da comissão que a faculdade criou da cabeça deles, com as pessoas que eles decidiram arbitrariamente, para decidir se eu agredi ou não o professor coordenador do meu curso. Vou chamar aqui de “comissão da verdade”, ironicamente.Quero dizer, a comissão não está nem ai em julgar se o professor me agrediu antes, se a professora me expôs e me ofendeu antes de tudo isso, não. Isso não importa né. O fato dessa FACULDADE DE MERDA, e é sim uma faculdade de merda, ser transfóbica, ninguém liga.
Atentemos ao fato de que é uma faculdade de comunicação, onde um aluno transexual não pode emitir uma singela opinião sobre uma prova sem ser massacrado por uma professora, seguido por uma agressão de um coordenador, depois ser desnecessariamente exposto em uma comissão arbitraria. E ainda dizem que não são transfóbicos? Muito engraçado. Muito, muito engraçado.”
“Enquanto os alunos da minha classe ficam com dó da professora elitista por causa de alguns comentários na internet… Eu penso em desistir da faculdade, do meu sonho, da minha talvez única chance de não passar o resto da minha vida no gueto social. Porque a faculdade não foi feita para as pessoas transexuais, não foi feita para as travestis. É isso o que acontece quando a gente chuta a porta do cis-tema e entra com a cabeça erguida e ocupa espaços… Nós somos humilhados, diminuídos, expulsos. A chutes e patadas. A cada dia que passa… A cada manhã que eu acordo e me visto cuidadosamente para parecer uma pessoa cis, a cada passo que dou em direção àquela faculdade, àquele antro de hipocrisia, onde pouquíssimas pessoas de fato não me tratam como uma aberração, me sinto pior e pior. Ali não é o meu lugar, eu não sou bem-vindo. Sinto falta do meu mundo, dos meus amigos, sinto falta… Acredito que ninguém na faculdade inteira é capaz de entender pelo que eu passei e passo e eu nem espero que entendam, mas eu esperava um pouco de empatia talvez…
Aqui muitos podem dizer que faculdade é para estudar não para fazer amigos… Isso não é verdade, isso não é verdade para todas as pessoas cis, porque que tem que ser verdade para mim? É muito duro entende? É muito solitário… estou tão cansado de me sentir excluído e discriminado.”