2º Encontro dos Povos do Espinhaço – Seminários do Saber

Foto: Aline Frazão

O nome encontro dado a esse tipo de evento é muito propício. As pessoas ali estão sempre juntas.
Comem juntas, dormem juntas, pensam e sonham juntas.
São encontros e (re) encontros a todo momento.

Com início na noite de 13 de outubro, uma quarta-feira, o II Encontro dos Povos do Espinhaço foi lindo do começo ao fim.
Durante quatro dias, foram muitas as experiências vividas em Tabuleiro, distrito de Conceição do Mato Dentro
que guarda grandes riquezas naturais e onde as pessoas vivem de modo simples e harmonioso com a natureza.

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Cachoeira de Tabuleiro, a maior queda de Minas Gerais. Foto: Ronildo Prudente

Várias comunidades que vivem na grande cordilheira do Brasil, a Serra do Espinhaço, estiveram presentes.
Quilombolas, produtores rurais, assentados, indígenas…e benzedeiras, raizeiras, parteiras, artistas, mestras e mestres!

As rodas de conversa, as oficinas e outras vivências foram espalhadas por Tabuleiro: na escola, no posto de saúde, no campo de futebol, na praça da Igreja embaixo de uma enorme árvore, na cachoeira.
Muita troca tinha que acontecer: aquele encontro era só afetividade e sabedoria.
É dona Helena, mulher benzedeira carregada de  poder, humildade e sabedoria, mostrando as pessoas o caminho certo a seguir.
É Mária Lúcia, raizeira que respeita a natureza e não hesita em passar o conhecimento adiante.
A agricultora Maria de Jesus atraiu atenção e admiração dos ouvintes ao falar da associação da qual faz parte.
Ela é a maior produtora de feijão do município onde vive e neste ano já colheu milhares de milhos provenientes de sementes crioulas.
Depois de contar a experiência, deixa uma dica: “o que eu acho muito importante é a união.
Se um vai, todo mundo tem que ir junto”.

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Foto: Aline Frazão

Alegria também não faltou. Grupos de tradição, como a marujada, o candombe do Quilombo do Mato do Tição e os Caboclos de Nossa Senhora do Rosário encantaram o público.
Isso pra citar alguns exemplos.
Teve também pífano com o grupo Pipiruí, brinquedos de boi, batuque, folia de reis, ciranda, shows, roda de capoeira, teatro, cinema, palhaços e tecido acrobático.

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Roda de capoeira. Foto: Aline Frazão

 

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O rapper do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, Ice Band, foi uma das atrações do encontro. Foto: Ronildo Prudente

Mas o encontro também foi feito de inquietação. Logo na primeira conversa ficou visível um problema comum àquela gente, que se ainda não bateu à porta, é ameaça constante em suas vidas: as águas.
Na Serra do Espinhaço, que nasce em Belo Horizonte e vai até a Chapada Diamantina, na Bahia, estão presentes nascentes e rios que desaguam no São Francisco, no Jequitinhonha e no Rio Doce (morto pela Samarco).

Local ancestral e sagrado

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Foto: Aline Frazão

Os indígenas Pataxós, de Carmésia, não muito longe dali, presentes no II Encontro dos Povos do Espinhaço,
puderam sentir a força dos encantados, como disse o cacique Romildo.
Estávamos em um ritual dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, com vista para a grande lapa que abriga a cachoeira de Tabuleiro, maior de Minas.
Segundo o cacique, aquela grande pedra serviu um dia de esconderijo para indígenas que estavam sendo perseguidos e massacrados pelos colonizadores.
Ali era território dos botocudos, a quem Dom João VI declarou guerra por volta de 1801.

Há registros de ocupação humana na Serra do Espinhaço há pelo menos 10 mil anos.
O nome Luzia foi dado ao fóssil de uma mulher que viveu nessa época e foi encontrado próximo à Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Luzia é o esqueleto humano mais antigo encontrado nas Américas.

A Serra do Espinhaço forma uma cadeia de montanhas carregadas de minerais.
Apenas uma parte da cordilheira foi considerada reserva da biosfera.

Mineração: ranço de Minas Gerais

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Distantes dos centros urbanos mas próximos ao circuito das cidades históricas, cresceram pelas montanhas comunidades como os quilombos e as aldeias.
No sábado à tarde, uma roda de conversa sobre territórios e desterritorializações falou sobre a ocupação atual dos povos do espinhaço.
Ali ficou claro que a mineração é um grande problema que ameaça a natureza e as vidas em comunidade.

Vanessa e Reginaldo, moradores da comunidade do sapo, em Conceição do Mato Dentro, são atingidos pelo projeto Minas Rio, um dos minerodutos existentes em Minas Gerais.
Há três anos eles sentem o impacto na água, a poeira, o barulho, os tremores nas casas e as doenças.
A empresa, a Anglo América, retirou os moradores das suas casas, onde eles plantavam e colhiam, e paga o aluguel e a luz.
Mas as famílias não foram indenizadas. E nenhuma autoridade aparece por lá.

Segundo Juliana, do MAM – Movimento pela Soberania Popular da Mineração, há em Minas Gerais oito minerodutos, que junto com água limpa, transportam minério. Três desses 8 são da Samarco, a dona da lama de Mariana.
“Aqui em Conceição a gente vê o povo sem água e a Anglo usando água que daria para abastecer 300 mil pessoas
indo parar no porto suja de minério”.

José Helvécio, da comunidade de Passa Sete, disse viver abaixo da barragem de rejeitos da mesma mineradora.
Conta não ter água nenhuma. Com a mãe de 95 anos acamada, tem de buscar água a 7 quilômetros de casa.
“Eles queriam por água pra mim da barragem de rejeitos, que os peixes morreram”, conta indignado.

São muitas as denúncias de violação de direitos humanos. E a natureza? Os rios dessa localidade que não estão contaminados, estão secos.

E tem a velha história da mineração. As empresas exploradoras vão comprando os terrenos, ocupando todo o lugar, acuando os moradores.

Governo Golpista

A toda hora no encontro alguém mencionava o fato de estarmos vivenciando um Golpe de Estado.
É que a vida desses povos tradicionais melhorou nos últimos anos, com legislações e políticas públicas de incentivo por parte do governo federal (petista).
Como lembrou o professor Bebeto, esse novo governo tem uma postura bem adversa a essa valorização.

O momento político não é nada animador, mas a política que se fez ali é animadora. A política do amor e do diálogo, da construção do poder popular.
E como bem disse Thiago, um dos mobilizadores da Rede Espinhaço, o objetivo é agregar conhecimento, mas também promover ação, proposições em conjunto.
Por isso mesmo, a rede, composta por associações, pontos de cultura, vilas do saber, aumenta sua teia a cada dia, e prova que os encontros podem muito mudar as pessoas, e o mundo em que vivem.

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