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Feminismo

1 ano do desaparecimento de Rosiney Trindade de Oliveira em Portugal

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Texto: Coletivo Vozes no Mundo

Neste dia 14 de novembro de 2019 completa-se um ano do desaparecimento de Rosiney Trindade de Oliveira, em Portugal, ocorrido em circunstâncias misteriosas e possivelmente associado ao tráfico de mulheres.Muitas e muitos de nós lutamos por melhores condições e direitos na vida de uma mulher, principalmente na condição de imigrante. Infelizmente, Rosy tornou-se mais um caso concreto para esta luta.

Mulher, trabalhadora, de origem humilde, estava fora dos círculos universitários que dominam a cidade de Coimbra e, portanto, fora de uma rede apoios que facilitaria a denúncia e a atenção ao caso. Rosy é de Curitiba, mas nos últimos anos morou em Itajaí, Santa Catarina. Chegou em Portugal no dia 1 de outubro de 2018 e começou a trabalhar em Lisboa. Poucos dias depois, aceitou uma proposta de emprego anunciada na internet para trabalhar no restaurante Restinova, na região de Coimbra.Como funcionária do restaurante, poderia também usufruir dos alojamentos que existiam nos fundos do restaurante e foi ali mesmo onde Rosy morou por 28 dias. O restaurante, localizado em uma curva mal iluminada à beira de uma pequena estrada, é conhecido por ser parada de caminhoneiros e viajantes.

No dia 14 de novembro de 2018, durante a madrugada, Rosy desaparece e todos seus pertences, exceto documentos e celular, ficam no alojamento. O caso logo é abordado com um discurso irresponsável, seja pela mídia ou por funcionárias e dono do restaurante, sugerindo um comportamento duvidoso da vítima. De imediato, despejam a clássica versão estereotipada sobre mulher brasileira: “Rosy gostava de beber vinho de noite”, “Rosy usava lingeries” e etc. A irresponsabilidade é tanta que uma das primeiras matérias realizadas mostram funcionárias e repórter revirando as malas de Rosy antes mesmo da polícia chegar ao local.

Desde então, acontecimentos levantam suspeitas sobre o restaurante e o dono, José Correia, como o caso de uma ex-funcionária que diz ter sido assediada pelo mesmo. Correia se recusa a dar entrevista há mais de 6 meses.
Enquanto isso, no Brasil, a família tentava se organizar com doações online para conseguirem vir à Portugal, mas o valor arrecadado foi suficiente para pagar apenas a taxa de emissão do passaporte de um deles.

Neste marco de um ano após o desaparecimento de Rosy, o cenário não é dos melhores. O caso está sendo investigado pela Polícia Judiciária de Coimbra, mas em sigilo. Não há nenhuma informação ou declaração após abril de 2019. São 7 meses em silencio e 1 ano sem respostas. O consulado brasileiro no Porto e em Lisboa se solidarizaram com o caso, mas nunca se pronunciaram ou pressionaram por respostas às investigações.

No dia de hoje, o Vozes no Mundo – Frente pela Democracia no Brasil, realizou em Coimbra uma manifestação para fazer valer a continuidade de investigações efetivas que, na ausência da família, que não tem condições financeiras de estar presente para garanti-la, pode cair no esquecimento e se tornar mais um dado para a estatística das mulheres brasileiras trabalhadoras desaparecidas em Portugal e na Europa.

Protesto realizado na cidade de Coimbra na tarde de

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3 Comments

3 Comments

  1. Diusa silva

    15/11/19 at 15:26

    Vamos fazer uma campanha, “onde está Rozy? “Mundial.a união faz a força.

  2. Miriam Reis de Andrade Guimarães

    15/11/19 at 17:02

    Sinto-me contemplada, com esse texto que transforma a história de Rosy ,em uma crônica ,deixando de lado a função óbvia que teria se fosse,”apenas” uma reportagem policial expositiva. Nessa narrativa,não encontrei apenas uma Rosy, mas várias mulheres que procuram melhores condições de vida, saindo a navegar pelos mares , céus e estradas do mundo, atrás de suas utopias. Sem a realização dessas expectativas,muitas vezes capitulamos sonhos ,enfrentamos a aceitação da subserviência ou, se não,houver papo, até a morte.
    O apelo às autoridades e aos movimentos sociais se torna persuasivo, quando o Coletivo Vozes do Mundo se torna porta voz desse clamor e nos chama à reflexão. Onde está Rosy? É uma pergunta e um silêncio de um um ano, ou de quanto tempo?
    E, aí, o que resta a nós ,os seres humanos que farejam o cheiro de sangue deixado pelo neoliberalismo no Planeta? Em quantas etapas desdobraremos a nossa luta ? Quanto tempo suportaremos , assistindo à expulsão de homens e mulheres das inúmeras regiões exploradas pelos grandes centros econômicos internacionais sendo barrados ou mortos , justamente, por esses que provocaram esse êxodo?
    De repente, imaginei Rosy, como aquela frágil criança emborcada, sem vida, em uma praia, após tentar com a família , chegar a um lugar próspero e seguro.
    Não é a mesma coisa… Ou será?

  3. CICERA SILVA

    16/11/19 at 10:05

    Bom dia sou a cunhada da Rosy morro em nova prata do Iguaçu Paraná gostaria de alguém deste grupo entra em contato comigo meu nome é CICERA e meu contato e 046991115760.

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Feminismo

“Estupro culposo”, culpa da vítima?

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Por Sonia Coelho*

O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.

A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.

O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”

A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.

Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.

O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.

O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.

Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências

A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.

São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.

No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.

Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.

Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade

Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.

Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.

Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.

O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.

(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.

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Feminismo

Estupro e feminicio em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros

A cidade conhecida nacionalmente pelo clima esotérico, energia positiva e atrai turistas que exalam positividade, não tem sido um lugar seguro para as moradoras locais

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Republicação do jornal Metrópoles, por Anderson Costolli

APolícia Civil de Goiás (GO) investiga um caso de violência sexual que deixou os moradores de Alto Paraíso (GO), um dos principais destinos turísticos de Goiás, revoltados. Uma mulher, identificada como Oigna Rodrigues da Silva, 43 anos, foi estuprada e, devido aos graves ferimentos provocados pela brutalidade, morreu. Ela chegou a ser socorrida e encaminhada para o hospital da cidade, mas não resistiu.

O caso ocorreu nessa quarta-feira (16/9). Oigna foi encontrada em casa, por uma equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), bastante machucada e o Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu) foi acionado. A vítima recebeu o atendimento na unidade de saúde, com adoção dos procedimentos e protocolos indicados às vítimas de violência sexual, mas veio a óbito na manhã dessa quinta-feira (17/9).

A Secretaria Municipal de Saúde do município de Alto Paraíso disse que os serviços de segurança pública foram notificados das lesões que a paciente apresentava, através de exame comprobatório de corpo delito preenchido pelo médico de plantão.

O prefeito de Alto Paraíso, Martinho Mendes da Silva, repudiou o caso de violência e disse, por meio de nota, que acionou a PCGO, “solicitando uma atuação severa e investigação rigorosa”.

Oigna era uma mulher bastante conhecida no município. Por ter sofrimentos psíquicos, era atendida pela equipe da Secretaria de Assistência Social e do CRAS havia 12 anos, segundo a prefeitura.

Segundo o boletim de ocorrência, a vítima tinha um atendimento marcado com a assistente social do CRAS para quarta-feira (16/9), mas a paciente não compareceu. Desconfiada, uma equipe foi até a casa da mulher, que não atendeu a porta. Pela janela, uma das assistentes sociais avistou os pés de Oigna, que estava caída no chão.

Com a ajuda de uma vizinha, a funcionária do CRAS conseguiu entrar na casa de Oigna e a encontrou caída, de bruços, com vários ferimentos no rosto e com muito sangue no chão. “Ela estava sem consciência, sangrando, porém, respirando de forma ofegante”, consta no boletim.

Ao chegarem ao local, os atendentes do Samu fizeram os primeiros socorros e verificaram que o sangue na roupa da vítima já estava seco, o que indicava que os ferimentos haviam ocorrido tinha algum tempo.

Os sinais de violência sexual só foram identificados no hospital, no momento em que os funcionários da unidade davam banho em Oigna. “Ela possuía sinais de agressão física no tórax, seio, e também laceração na vagina, em decorrência de uma violência sexual”, diz o documento. Oigna aguardava pela transferência para um hospital em Goiânia, quando teve uma parada respiratória e faleceu.

Delegado da Polícia Civil de Goiás à frente do caso, Danilo Meneses diz que o crime foi cometido com requinte de crueldade. “Já identificamos um suspeito e pretendemos dar uma resposta à sociedade o quanto antes. O crime é realmente chocante. Inadmissível”, disse o delegado.

“Justiça por Oigna”

Nas redes sociais, um coletivo de mulheres de Alto Paraíso clama por segurança, uma vez que ninguém foi preso. O grupo organiza, ao menos, duas manifestações e exigem respostas das autoridades que investigam o caso.

Nesta sexta-feira (18/9), às 17h, ocorre a Marcha Justiça por Oigna, com concentração na Praça do Canãa. A orientação é que todas as mulheres compareçam ao protesto de roupas pretas e levem velas.

Uma nova manifestação está marcada para a próxima segunda-feira (21/9), desta vez em frente à Prefeitura Municipal de Alto Paraíso. O ato Justiça por Oigna começa às 10h.

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Belo Horizonte

A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

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Texto: Lucas Bois
Revisão: Ágatha Azevedo

Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

Como começou

Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

Como é produzido

Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

“Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

Retorno dos ouvintes

As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

Democratização da comunicação

Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

Para onde vai essa Ciranda

O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

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