Vivos los queremos!

Caravana de familiares dos 43 estudantes desaparecidos no México percorre América Latina para denunciar o terrorismo de Estado

A mulher de mãos finas, rosto enrugado, traços indígenas, olhos cansados e tristes falou com uma voz tímida, quase inaudível, em um castelhano embaralhado e rápido, que ecoou pelos alto-falantes na quadra do Sindicato dos Bancários, na noite da última terça-feira, dia 2 de junho, em SP.

“Vivos se los llevaron! Vivos los queremos!”

Hilda Legideño Vargas, que segura o microfone e encara quase assustada a plateia de 300 pessoas à sua frente é a mãe de Jorge Antonio Tizapa Legideño, 20 anos, estudante normalista desaparecido há oito meses no México. Ela faz parte da Caravana 43 Ayotzinapa, que tem percorrido diversos países da América Latina para denunciar o massacre promovido pelo Estado do México. As ações violentas levaram a seis mortes e ao desaparecimento de 43 estudantes normalistas. Junto dela estão Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera, pai e mãe de César Manuel González Hernández, também desaparecido, e o normalista Francisco Sánchez Nava, que além de primo de um desaparecido é também sobrevivente do massacre.

Os familiares das vítimas foram recebidos pelas Mães de Maio, que também tiveram filhos assassinados pelo Estado, nesse caso, o brasileiro. Tanto a Caravana quanto as Mães de Maio formaram a mesa de debate no ato realizado na terça-feira. Os mexicanos ouviram as histórias das mães brasileiras que tiveram filhos mortos pela Polícia Militar em maio de 2006.

Com a fala pausada de quem carrega a dor da ausência forçada do próprio filho, Hilda Vargas narrou sua história. “Jorge é um bom menino. O governo não pode praticar este terrorismo de Estado, sumir com nossos filhos e não apresentar quaisquer provas ou indícios de seu paradeiro.”

Desaparecimento forçado

Foto: Mídia NINJA

Os garotos mexicanos são alunos da escola rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, cidade a cerca de 120 quilômetros de Iguala, uma região rural do país. Eles viajaram até Iguala para protestar por melhorias, verbas para a compra de materiais e investimentos nas escolas. Um ataque da polícia os surpreendeu na noite do dia 26 de setembro de 2014.

Seis pessoas morreram, 25 ficaram feridas e 43 estudantes desapareceram.

Testemunhas relataram à imprensa internacional que viram os estudantes normalistas serem conduzidos a força por policiais em suas viaturas para destinos desconhecidos. Depois, os jovens — quase todos com idades entre 18 e 21 anos — teriam sido fuzilados pelos policiais municipais e entregues ao cartel “Guerreros Unidos”. Aí é que começa o drama das famílias.

Versão oficial

Segundo o procurador-geral Jesús Murillo, as “provas científicas e periciais confirmam” que os 43 estudantes foram assassinados e incinerados em um depósito de lixo, no município de Cocula, por “membros do crime organizado”. O procurador afirmou à imprensa internacional que, a partir de 487 exames periciais e depoimentos de 99 pessoas detidas, teria ficado provado “de modo contundente”, que os jovens foram sequestrados, assassinados, incinerados e tiveram os restos mortais jogados no rio San Juan.

Tomás Zerón, diretor-chefe da Agência de Investigações Criminais surgiu quatro meses após os desaparecimentos com uma suposta confissão de um pistoleiro, Felipe Rodríguez, conhecido como “El Cepillo”, que teria declarado autoria da chacina pelos “Guerreros Unidos”. Nessa versão, El Cepillo teria afirmado que os estudantes foram confundidos com membros de “Los Rojos”, bando rival dos Guerreros, e que por isso foram sequestrados e assassinados.

Para os pais e familiares das vítimas, esta tem sido uma maneira do Estado do México encerrar o caso e deixá-lo cair no esquecimento. É um jeito de apagar a história.

Em reação às declarações oficiais, a Caravana recorreu a peritos argentinos, que estão no México analisando as provas. Os primeiros resultados parecem ser insuficientes e inconclusivos. O caso tem sido tratado internacionalmente como crime de Estado e desaparecimento forçado.

As Mães de Maio declararam apoio na busca da verdade contra o terrorismo de Estado. “Os governos globalizaram os crimes”, disse Francisco Sánchez Nava, o estudante normalista que sobreviveu ao massacre e que percorre a América Latina com a Caravana, após ouvir os relatos das Mães de Maio.

“Nós temos que globalizar a resistência, globalizar a luta”.

Esperança

A Caravana 43 Sudamérica começou seu trajeto no dia 16 de maio e passou por sete cidades da Argentina e do Uruguai antes de chegar ao Brasil, onde terá atividades também no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. O ato segue os mesmos moldes de movimentações recentemente organizadas por familiares dos desaparecidos nos Estados Unidos, Canadá e em doze países da Europa.

Após a morte dos estudantes, milhões de pessoas foram às ruas do México vestidos de preto — Foto: Mídia NINJA

Os pais Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera dizem que a esperança de encontrar seu filho com vida são renovadas a cada cidade em chegam. “Apesar de vermos que atos criminosos como esse são praticados pelos governos de todos os países da América Latina, apesar de sabermos que as relações diplomáticas entre os países nos impedem de conseguir apoio das autoridades, atos como os dos movimentos sociais são o que renovam as nossas esperanças”, disse.

“Como poderíamos perder a esperança de encontrar aqueles a quem amamos? E de lutar por justiça? Há muitos grupos que têm passado pela mesma situação e têm nos dado forças. Estamos aqui para darmos esperanças também”, disse Hilda.

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