Conecte-se conosco

América Latina e Mundo

VENEZUELA: É A VELHA LUTA DE CLASSES QUE ESTÁ NAS RUAS!

Publicadoo

em

 

De Caracas, para os Jornalistas Livres

Quem há de dizer que a Venezuela é uma Ditadura? Se alguém sentia falta de uma consulta popular, o país realizou duas no mesmo dia! Uma foi convocada pelo governo do presidente Nicolás Maduro, na forma de uma simulação da eleição para os deputados da Assembléia Nacional Constituinte, que deverá ocorrer de verdade no próximo dia 30 de julho. A outra foi convocada pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), a frente de partidos de oposição ao chavismo.

Foi um domingo alegre e iluminado em Caracas. Quente, como sempre. As ruas estavam cheias de famílias, já que 16 de julho é o Dia das Crianças venezuelano. Meninas e meninos com os rostos pintados como bichinhos, em roupas elegantes, viam-se por toda a cidade. As lojas estavam abertas. Nada havia que denunciasse a guerra civil ou os enfrentamentos dramáticos, cheios de sangue, ódio e ira, vistos todos os dias nas televisões e grandes jornais do Brasil. Mas a disputa renhida estava presente.

1º CAPÍTULO
A ATIVIDADE DO POVO POBRE

Há semelhanças e dessemelhanças cruciais entre o golpe que ocorreu no Brasil há um ano e o que pretende se implantar agora na Venezuela. Em ambos os países, o poder econômico quer assumir o comando e impor uma cartilha neoliberal em que apenas os ricos rentistas podem se dar bem. A diferença está no povo pobre que, no país de Chávez, está organizado em comunas de bairros, em movimentos sociais e no PSUV (o Partido Socialista Unido de Venezuela).

É impossível conversar com os defensores da República Bolivariana inaugurada por Chávez há 19 anos, sem que apareçam nas falas os “interesses nacionais”, a “Pátria Grande”, o petróleo (um orgulho, já que nacionalizado), os “direitos dos trabalhadores” e o “imperialismo predador” a ser combatido.

Todos falam em luta de classes. Dizem que o núcleo político da oposição reside na defesa de interesses espúrios por parte da burguesia e de uma classe média que tem os olhos e o desejos postos em Miami. Bem informados, falam do golpe ocorrido no Brasil, da condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro. Defendem Lula com emoção e gratidão.

A Constituinte proposta por Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez, tem tudo a ver com esse povo politizado e dotado de profunda consciência de classe. Pretende “aperfeiçoar o sistema econômico, social e político” e realizar uma extensa reforma política no país. Na prática, deverá radicalizar na via de transformação do Estado Venezuelano, reformando a Constituição de 1999, criada por iniciativa de Hugo Chávez.  O propósito é adequar o Estado, de modo a torná-lo mais e mais um espelho da maioria da população do país, que é pobre e mestiça.

Jornalistas Livres percorreram a fila formada diante do Liceu Andrés Bello, no centro de Caracas. Trata-se de colégio icônico, um dos primeiros do país, e representa o sonho republicano de uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Lá, diante de um gigantesco e lindo mural retratando a luta popular desde os tempos da colônia, uma fila animadíssima de cidadãos pobres e orgulhosos explicava porque participavam da simulação eleitoral convocada por Maduro.

A simulação foi organizada pelo Conselho Nacional Eleitoral, o CNE, que tem na Venezuela autoridade equivalente à do nosso Tribunal Superior Eleitoral. Tudo computadorizado, como acontece no Brasil, mas no final o eleitor retira seu voto e o deposita numa urna física, de modo a ser possível fazer recontagens de votos, em caso de suspeita de fraude.

Para Maduro, a Constituinte é a única possibilidade de levar paz ao país, porque criaria uma instância de poder para decidir os rumos do Estado venezuelano. Hoje, vive-se lá uma grave crise econômica, social e política decorrente da corrupção, da sabotagem econômica e do uso de táticas terroristas pelos que pretendem reimplantar um modelo neoliberal e privatista. As vitrines da loja de Departamentos Traki, no centro da cidade, por exemplo, exibem latas de conservas e embalagens de artigos de higiene e limpeza em arranjos caprichosos, como se jóias fossem. Nas farmácias faltam medicamentos e não se sabe quando eles estarão à disposição.
Para o chavismo, a Constituinte é a forma de resolver esses problemas da vida cotidiana, além de resgatar para o espaço da discussão política setores hoje descontentes com a adoção de táticas violentas por parte da oposição. Pacificar o país, que já conta mais de 112 mortos em conflitos e atentados de matriz terrorista, é um dos objetivos. É nisso que acreditam os partidários do governo que foram às urnas neste domingo para treinar o voto. Dia 30 de julho, o voto será para valer.

Para quem achava que o jogo estava em vias de terminar na Venezuela, a professora universitária Nilze Almendraz, 62 anos, vestida com camiseta negra em que se vê o rosto imenso de Simon Bolívar, garante: “Estamos apenas começando! E estamos dispostos dar nossas vidas para defender o sonho de nosso comandante máximo, Hugo Chávez. Porque é o nosso sonho também. ”

Oposicionistas ateiam fogo nas cédulas e nas atas eleitorais, ao fim de seu “plebiscito informal”

A ATIVIDADE DA OPOSIÇÃO

Jornalistas Livres acompanharam a atividade oposicionista em dois pontos de Caracas: em Sabana Grande e na praça Carabobo, na região central. Concentrações da classe média branca, cem pessoas em cada uma delas, organizavam o seu “plebiscito” como se fosse a eleição do representante de classe na escola. Em vez de listas de votantes, folhas de papel sulfite A4, que cada “eleitor” preenchia mediante a apresentação de sua cédula de identidade –válida ou vencida, diga-se.

A pessoa podia votar fora de seu domicilio eleitoral, como constatamos ao entrevistar a jovem estudante de letras da Universidade Central de Venezuela, Susan Ovalle, 26 anos. Moradora de Catia, periferia pobre de Caracas, perto do aeroporto de Maiquetía, ela votou em Sabana Grande. Como evitar que pessoas votem várias vezes?, perguntamos. “Confiamos na honestidade dos nossos”, respondeu ela. Sei.

O plebiscito organizado pelos oposicionistas tinha três perguntas, todas em aparente defesa da Constituição de 1999, que esses mesmos setores combateram antes, quando Chávez a promulgou. Na prática, o objetivo era inviabilizar politicamente a convocação da nova Assembléia Nacional Constituinte, iniciativa de Nicolás Maduro, conforme garante a própria Constituição de 1999:

1. Você rechaça e desconhece a realização de uma constituinte proposta por Nicolás Maduro sem a aprovação prévia do povo da Venezuela?
2. Você pede à Força Armada Nacional e a todo funcionário público que obedeça e defenda a Constituição de 1999 e respalde as decisões da Assembléia Nacional?
3. Você aprova que se proceda à renovação dos Poderes Públicos de acordo com o estabelecido na Constituição e à realização de eleições livres e transparentes, assim como a conformação de um governo de União Nacional para restituir a ordem constitucional?

 

 

A idéia dos oposicionistas era recolher um número significativo de respostas “Sim” às três questões, de modo a deslegitimar a presidência de Nicolás Maduro e derrubar o que eles chamam de “Ditadura Chavista”. Nenhuma negociação, nenhum plano a não ser a explosão do atual governo.

Interessante o conceito de “Ditadura”, já que é ampla a liberdade de manifestação e expressão dos opositores, inclusive na televisão e nos meios impressos, em que fizeram abertamente campanha para chamar à participação no “plebiscito informal” deste domingo. Também é curioso que chamem de “ditador” a um presidente que, como Maduro, foi eleito pela maioria do povo venezuelano em eleições das quais a oposição participou e às quais convalidou. Ressalte-se que Maduro está ainda a um ano de ter seu mandato encerrado.

Incongruências à parte, o problema principal da oposição foi a total desorganização da consulta que realizou sem o apoio logístico do Conselho Nacional Eleitoral, o CNE, que tem na Venezuela autoridade equivalente à do nosso Tribunal Superior Eleitoral.

Piorando o que já estava precário, em vez de urnas, os votos foram recolhidos em caixas de sabão e de enlatados. Não havia lacre.
A deputada Tamara Adrian, deputada da Assembleia Nacional pelo partido Vontade Popular, de oposição a Maduro, explicou pela manhã que todos os votos recolhidos pelos oposicionistas seriam incinerados “por questões de segurança”. Foi o que de fato aconteceu, e logo deu para entender o porquê.

Tratava-se de evitar que alguém tivesse a inconveniente idéia de contar os votos ou checar a lista de votação para evitar fraudes. E foi assim: nacionalmente, a oposição combinou que, tão logo se apurasse o resultado de cada urna, todo o registro da votação –as cédulas inclusive—seriam queimadas. Isso aconteceu já na noite de domingo. Sem condições de checagem, a oposição disse que obteve mais de 7 milhões de votos, dos quais 98,4% rejeitando a Assembleia Nacional Constituinte proposta pelo presidente Nicolás Maduro. Na realidade, mesmo com todas as fraudes que possam ter ocorrido e que jamais poderão ser investigadas, o número de votantes ficou bem aquém dos 11 milhões que eram a meta da oposição. Mas isso não impediu o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Julio Borges, antichavista ferrenho, de proclamar ao final da votação neste “plebiscito” de fancaria: “O mandato de Nicolás Maduro está praticamente revogado”.

 

Na praça Carabobo em que a oposição realizava sua “consulta”, cerca de 10 homens portando paus sentaram-se sobre a sinalização do Metrô de Caracas. Batiam fortemente no metal, avisando que não estavam para brincadeiras. Enquanto isso, mulheres agitavam bandeiras para os veículos que passavam na rua. Carrões SUV e caminhonetes saudavam o protesto oposicionista, enquanto a turma que passava de ônibus nem se dignava a olhar para o que ocorria no espaço dominado pela direita.

Definitivamente, na Venezuela, a cisão é de classes. E todos têm consciência disso.

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

Publicadoo

em

Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

Continue Lendo

Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

Publicadoo

em

Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

Continue Lendo

Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

Publicadoo

em

DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

Continue Lendo

Trending