Por Taís Di Crisci – Socióloga / GICA TV para os Jornalistas Livres
O Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) unido a centenas de famílias ocupam um grande terreno em São Bernardo do Campo em busca do compromisso do governo com a construção de moradias populares. As pessoas que constroem o acampamento não possuem condições financeiras para comprar uma moradia própria e estão demonstrando com muita força de vontade e organização que a ocupação é uma forma de luta capaz de pressionar o poder público e ainda desenvolver a coletividade e o senso de democracia.
Durante as últimas semanas a GICA TV tem tido a honra de participar como apoiadora da Ocupação Povo Sem Medo em São Bernardo do Campo, uma luta organizada pelo MTST para que no terreno com 60 mil metros quadrados, que está vazio há cerca de 40 anos, sejam construídos prédios pelo programa ‘Minha Casa Minha Vida’ faixa 1, dando oportunidade de moradia própria para as tantas famílias carentes que fazem parte do acampamento.
A ocupação, que é a segunda maior do MTST e já conta com mais de 8 mil participantes, vem sofrendo ataques da mídia e da população que relacionam o movimento com apropriação indevida, “baderna” e reforçam o discurso de marginalização das pessoas envolvidas. Com os moradores vizinhos a tensão tem sido grande, os acampantes foram acusados sem provas de uso de drogas, roubo, sofrem agressões verbais ao serem chamados de “vermes” e “gafanhotos” e a situação se agravou quando tiros foram disparados contra a ocupação no dia 17 de setembro.
Quem convive dentro do acampamento ou o visita é capaz de perceber sem dificuldades que essas acusações são indevidas e injustas, a realidade dos ocupantes é bem diferente do estereótipo divulgado. O acampamento conta com uma organização bem articulada, um estatuto com regras de convivência que garante a segurança dos acampados e muito trabalho em equipe. O clima é de colaboração mútua, respeito ao próximo e acima de tudo esperança de uma vida melhor. Mas quem são essas pessoas, como funcionam essas regras e por que estão ali? São essas perguntas que a GICA TV se propôs a responder, respeitando a veracidade dos depoimentos que recebemos e agradecendo a receptividade.
A ocupação começou no dia 2 de setembro, quando cerca de 500 pessoas do MTST, após saberem da situação ociosa do terreno, montaram os primeiros barracos. Desde então centenas de famílias procuraram o acampamento para se juntar a ele e tentar a oportunidade de uma moradia própria. Essas pessoas estavam alocadas anteriormente em São Bernardo do Campo e cidades vizinhas como Diadema, dentre elas muitas pessoas que migraram da região Nordeste para o estado de São Paulo.
Talvez um dos questionamentos mais pertinentes seja se todas essas pessoas eram moradores de rua, e a resposta é não, nem todos, mas existe sim uma parcela de acampados que não tem outro lugar para morar. Outros tem, dentre os relatos que escutamos estão pessoas que moram com familiares, amigos, que tem casa alugada mas estão desempregadas ou não ganham o suficiente para pagar o aluguel e despesas básicas como alimentação. Uma parcela significativa também é a de mães solo, mulheres que carregam sozinhas a responsabilidade de sustentar os filhos e outros familiares.
Até a lotação do terreno qualquer pessoa pode chegar ao acampamento e pedir um espaço, não existe distinção nem preferências, quando a liberação dos prédios for conquistada ficará a cargo da Caixa Econômica Federal realizar verificações de renda e documentação. No acampamento são designados 2 metros quadrados por pessoa para a construção do barraco, logo famílias têm espaço maior e cada um é responsável pelos materiais e pela montagem, porém tudo acaba acontecendo com solidariedade entre os ocupantes. É importante ressaltar que como o acampamento é provisório e luta pela construção de prédios naquele terreno não são permitidas construções permanentes.
Os acampados são divididos em grupos para possibilitar a organização inclusive territorial, cada grupo possui banheiro e cozinha que utilizam coletivamente. Existe também o barracão onde fica a organização e um palco onde acontecem as assembleias gerais. As construções dos espaços de convivência, a alimentação e todas as tarefas coletivas do acampamento são realizadas por multirões, cada participante se coloca voluntariamente na tarefa que mais se sente à vontade. A alimentação vem em sua maioria de doações de apoiadores e dos próprios acampados quando tem condições. Uma horta coletiva já foi plantada para ajudar com alimentos frescos.
Para a segurança dos ocupantes e que tudo ocorra em harmonia, existem regras de convivência, um estatuto que define horário de silêncio, a proibição do consumo de álcool e drogas dentro do acampamento e outras colocações que garantem o bem estar de todos os envolvidos. O desrespeito ao estatuto gera dois caminhos dependendo da gravidade da situação, a maioria dos casos é tratada com empatia e acolhimento mas dureza na vigilância do problema, porém se o caso for grave ou de reincidência a pessoa perde a oportunidade de fazer parte do acampamento.
As assembleias são os principais meios de organização dos acampantes e acontecem de forma geral, com todos os participantes, em datas mais espaçadas e diariamente nos grupos. Nelas são tomadas as decisões referentes ao futuro do movimento, ações, estrutura e todos os aspectos pertinentes a ocupação. A presença nas assembleias é obrigatória, os participantes assinam listas diárias de presença para comprovar a atividade dentro do movimento e que estão cientes das decisões tomadas. Cada grupo também possui um grupo de WhatsApp com a maioria dos participantes para garantir a comunicação. A troca de informações entre grupos fica a cargo dos coordenadores, acampados representantes de cada grupo cuja a tarefa é a organização, ser coordenador não imprime poder ao acampado, o movimento é horizontal.
Na ocupação também acontecem atividades culturais e educativas, um espaço está sendo construído para atender às crianças e proporcionar brincadeiras e aulas públicas. Profissionais de diversas áreas se envolvem no movimento e doam seu tempo de trabalho para estar lá trocando conhecimentos, dentre os ocupantes e apoiadores. O mesmo acontece em relação aos cuidados com a saúde, acampados que possuem formação na área prestam os primeiros socorros quando necessário, uma agente de saúde apoiadora orienta e acompanha os doentes e a coordenação possui um telefone disponível para chamar uma ambulância em caso de emergência.
A situação de vida no acampamento é precária principalmente pela falta de saneamento e estrutura, porém o que percebemos é que a precariedade não é diferente da rotina dessas pessoas. Os acampados que estão ali contam, a quem estiver disposto a escutar, suas histórias que demonstram o quanto a casa própria é fundamental para que as possibilidades de qualidade de vida comecem a surgir. O principal foco da maioria dos acampados é dar aos filhos a chance de uma realidade diferente e com menos dificuldades. As pessoas que estão ali necessitam dessa moradia para continuar sobrevivendo.
A reivindicação dos ocupantes é por moradia popular, mas como eles repetem com orgulho, ninguém quer nada de graça. Os apartamentos, quando estiverem prontos, serão comprados pelos ocupantes, porém com valores acessíveis e parcelas que não comprometam o orçamento familiar. O programa ‘Minha Casa Minha Vida’ funciona por faixas de renda familiar, a faixa 1, que é a reivindicação do movimento, atende famílias que têm renda bruta de até R$1800. O terreno reivindicado pelo MTST pertence a construtora MZM, que teve o pedido de reintegração de posse negado. O espaço está em situação ilegal pois não está cumprindo sua função social determinada por lei, o que o torna um bom local para a construção por programas sociais de moradia.
Caso o terreno não seja adquirido pela prefeitura para a construção dos prédios populares, o MTST se propõe a negociar com os governantes a inclusão dos acampados em programas sociais que diminuam as dificuldades pelas quais eles passam. Em caso de decisão positiva, onde a prefeitura se responsabilize pela construção dos prédios, os acampados se realocam temporariamente em seus locais de origem até a conclusão das obras. Quanto aos acampados desempregados o MTST negocia com a construtora a contratação dessas pessoas durante o período de obras.
Mesmo com todas as dificuldades e incertezas, a esperança é o sentimento mais forte presente no acampamento. Pessoas de fé, trabalhadores, mães e pais de famílias e crianças são um resumo dos acampantes que fazem da ocupação um grito de socorro por dignidade. Agradecemos a cada uma dessas pessoas que nos receberam de coração aberto e compartilharam conosco suas histórias, agradecimentos especiais a organização pelo convite, e todo o movimento MTST/Povo Sem Medo pela parceria.