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Um carnaval conquistado!

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Em menos de dez anos, Belo Horizonte deixa de ser uma cidade-refúgio para aqueles que queriam saber de silêncio e ficar longe da folia, para se tornar a “cidade que possui um dos carnavais mais procurados do país”. Há sete anos, a cidade promove um dos melhores carnavais de luta do Brasil, um festejo que tem carnavalizado a política e politizado as ruas.

Praia da Estação – protesto de ocupação do espaço público. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

Nossos blocos não têm tempo de vida para ter tradição, mas podemos afirmar, com a maior convicção, que muitos deles já conquistaram eternamente os corações da cidade

Dentre as cerca de quatrocentas agremiações carnavalescas em funcionamento, se destacam algumas que nasceram até 2010 e que estão entre as responsáveis pela folia de hoje:

  • Grêmio Recreativo Escola de Samba Cidade Jardim, de 1961, Banda Mole, de 1975, Escola de Samba Liberdade Ainda Que Tam Tam, de 1998, Santo Bando, de 2003.
  • Blocos do Peixoto e Unidos do Samba Queixinho, de 2009, Tetê, a Santa, Filhos de Tcha Tcha e Praia da Estação de 2010.

Belo Horizonte é uma cidade jovem

Quase nenhuma agremiação possui quadra, barracão ou até uma pequena sede para encontros ou para guardar instrumentos. O belo, vigoroso e contagiante carnaval de BH têm sido feito na “Tora e às Próprias Custas Ltda.” Com 119 anos de idade, a história da cidade e do carnaval confluem em resistência, luta e ocupação do espaço público. Um exemplo disso é a Unidos do Samba Queixinho,  uma das poucas experiências de colocar em prática a ideia de “carnaval o ano inteiro”.

São raras as agremiações carnavalescas tradicionais na cidade

Belo Horizonte tem pouco mais de cem anos, mas já tivemos um dos melhores desfiles de Escolas de Samba do Brasil. Se o carnaval da cidade não tivesse sido interrompido pelo prefeito Pimenta da Veiga em 1989 e ficado moribundo por duas décadas, talvez o nosso desfile de Escolas de Samba estivesse entre as principais tradições populares da nossa cidade.  Hoje já não temos mais, na avenida, a Escola de Samba Inconfidência Mineira, de 1950.

Sambistas que tiveram o carnaval sequestrado de suas vidas, resistem!

Graças à resistência e à dedicação dos sambistas sexagenários e de amigos do samba, foi constituída em 01 de junho 2011 a Associação Velha Guarda da Faculdade do Samba, idealizada pelo Mestre Conga e Marcos Valério Maia.

Carnaval Lixo Zero As baianas da Escola de Samba Cidade Jardim, com um toque do artista plástico e carnavalesco Leo Pilo. Os turbantes são feitos com saco de cebola, os colares de vasilhas de iogurte e as pulseiras de papelão e outros materiais reciclados. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

Carnaval Lixo Zero – As baianas da Escola de Samba Cidade Jardim, com um toque do artista plástico e carnavalesco Leo Piló. Os turbantes são feitos com saco de cebola, os colares de vasilhas de iogurte e as pulseiras de papelão e outros materiais reciclados. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

Até pouco tempo, carnaval era coisa de polícia…

Um grande atentado ao samba, ao carnaval e à cultura ocorreu em 2008: a desapropriação, com tropa de choque, camburão e caminhão para transportar as fantasias e os instrumentos apreendidos da Escola de Samba Cidade Jardim, a mais antiga agremiação carnavalesca em funcionamento de BH e, na época, a única que possuía sede (Quadra/Barracão).

Os grandes atentados contra a cultura e o carnaval de BH duraram até o ano de 2010, quando a resistência e a luta por um carnaval na cidade passou a contar com novos, numerosos e valorosos atores. Um deles, a Praia da Estação, passa a ser o Marco Zero da folia e de muitas lutas, entre elas, a do direito ao carnaval a cidade.

BH começa a deixar de ser uma cidade deserta no período de carnaval e cada vez mais se transforma em um dos melhores carnavais do Brasil

Somente os dois últimos anos passou a ser comum cruzarmos com pessoas fantasiadas ou grupos de foliões transitando pelo centro da cidade. BH começa a se colorir. Entretanto, até 2016 a cidade não é decorada para o carnaval e permanece muito pobre em alegorias. São raros os sinais dos festejos de momo na grande maioria dos bairros, das vilas e favelas. Até 2013 as Escolas de Samba e os Blocos Caricatos iam para a avenida sem saber se no ano seguinte haveria desfile.

 

 

 

 

 

Escola de Samba Liberdade Ainda Que Tam Tam, Formada por mais de quatro mil foliões antimanicomiais, há 20 anos, faz seu desfile-manifestação por uma sociedade sem manicômios, no 18deMAIO, dia da luta antimanicomial. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

Escola de Samba Liberdade Ainda Que Tam Tam, formada por  milhares de foliões antimanicomiais, há 20 anos, faz seu desfile-manifestação por uma sociedade sem manicômios, no 18deMAIO, dia da luta antimanicomial. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

Esse outro carnaval é muito recente 

Somente nos quatro últimos anos, o carnaval belorizontino começou a se consolidar. A cobertura de 2010 do jornal Estado de Minas, edição de sábado de carnaval, pela última vez, traz na capa uma atração de fora da cidade: o “Galo da Madrugada” de Recife. As matérias sobre o carnaval em Minas só cobriram as cidades do interior. Nesse tempo o poder público mais envolvido com carnaval era a polícia. A partir de 2011, a festa em BH passa a ser o destaque das capas dos jornais e com boas coberturas. As rádios e TVs passam a dedicar cada vez mais espaço em suas programações ao carnaval da cidade.

Pernambuco: um carnaval centenário e sem interrupção 

Recife e Olinda tinham mais de quatrocentos anos de história, nos anos 70, quando começaram a surgir os novos blocos de rua (entre eles: Segura a Coisa, de 1975, Eu acho é Pouco, de 1976 e Galo da Madrugada, de 1978). Uma década depois, Recife e Olinda se tornaram carnavais de massa: em um único dia, em 2016, o Galo da Madrugada arrastou um número de foliões comparável a todo o carnaval de Belo Horizonte, incluindo as atividades pré e pós-carnavalescas. É importante situar que as duas cidades já tinham agremiações carnavalescas tradicionais, tais como Vassourinhas, de 1912, Flor de Lira, de 1920, Batutas de São José, de 1932, Pitombeira dos Quatro Cantos, de 1947, Elefante de Olinda, de 1952, entre outras, além de inúmeras manifestações carnavalescas populares e dos diversos bailes nos clubes de Recife.

Para onde vai o carnaval de BH?  Ele é o palco do espontâneo e da irreverencia, mas não só…

A partir de 2009, a palavra de ordem era ”carnavalizar a cidade” e a cidade, de fato, se carnavalizou. Como não temos uma tradição a seguir, podemos agora construir os rumos do carnaval que queremos. Vamos manter o nosso carnaval politizado ou reduzi-lo a um mero entretenimento? Construir um carnaval espalhado pela cidade (periferia, vilas e favelas) e região metropolitana ou concentrado no centro? Um carnaval “lixo zero” ou mais uma atividade que polui e suja a cidade? Ele vai contribuir com a qualificação e profissionalização dos músicos ou será um carnaval que pouco lhes oferece? Um carnaval rico em decoração, cores e alegorias ou uma festa sem cor, árida e com pouca identidade? Se o carnaval crescer muito, qual carnaval de massas ele vai ser?

Folia Criativa: um carnaval superavitário!

Há cinco anos, BH não recebia os volumosos recursos financeiros vindos do carnaval. Só com os moradores de BH que, cada vez mais, escolhem ficar aqui no carnaval, já se produz uma receita, para o comércio e para os cofres da cidade, bem superior ao que é investido na festa. E ainda há receitas vindos dos turistas e de patrocinadores. É possível investir em ações que promovam artisticamente o carnaval e que enriqueçam a cultura carnavalesca da cidade. São significativos os recursos advindos do Carnaval. Além disso, BH é uma das poucas capitais em que o governo estadual ainda não contribui com apoio financeiro à festa.

Uma atenção especial deve ser dada àqueles que resistiram por mais de duas décadas de profunda marginalização:

Os Blocos Caricatos são uma manifestação carnavalesca que só existe em BH e em São João Del Rey. As Escolas de Samba que no passado formavam um dos maiores desfiles do Brasil, precisam voltar a funcionar o ano todo, voltar a ter mais de mil componentes, mais de 150 ritmistas na bateria, ter fantasias e carros alegóricos com a beleza e a grandiosidade do atual carnaval de BH. Das capitais brasileiras que têm desfile de Escola de Samba, somos uma das poucas que não têm sambódromo. E, para agravar, as Escolas não têm quadra para realizar ensaios ou eventos.

Preparação do Carnaval Lixo Zero. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

Tirando leite de pedra para transformar em confete e serpentina

Atualmente, as Escolas de Samba de Belo Horizonte recebem uma das mais baixas subvenções financeiras do Brasil. O valor é menor do que o preço de um único destaque de escola de samba de São Paulo ou Rio de Janeiro, menor do que o custo de um carro alegórico de Vitória-ES ou cerca da metade do que as Escolas de Samba de Nova Lima ou Sabará recebem da prefeitura. O valor da subvenção em BH é menos da metade do que as Escolas de Samba Canto da Alvorada, de 1979, e Acadêmicos de Venda Nova, de 2004, agremiações campeãs e vice campeãs nos últimos carnavais, gastam em seus desfiles.

Precisamos avançar para que BH desenvolva uma profunda cultura carnavalesca

Em lugares que possuem carnaval há muito tempo, a questão do local adequado para ensaios e outras atividades já está resolvida. Quando isso não é oferecido, os ensaios ocorrem com insegurança e em menor quantidade, comprometendo a qualidade musical e o brilho do carnaval. Outro fator que complica muito o Carnaval belorizontino é que esse, aqui, acontece no período de chuva, ao contrário do que ocorre em Recife, Olinda e todo nordeste. Em BH. Uma das maiores trombas d’água dos últimos anos ocorreu na segunda-feira de carnaval de 2015.

O principal passo já foi dado: a cultura carnavalesca começou a se enraizar na cidade e a cada ano contagia mais

Algumas das ações ainda precisam ser realizadas: oferecer espaços adequados para realização de ensaios e atividades das agremiações carnavalescas quatro messes antes do carnaval, a partir de novembro; criar mecanismos que proporcionem que os desfiles de Escolas de Samba de BH esteja no mesmo nível do carnaval de BH; desenvolver iniciativas que favoreçam o enriquecimento musical e a valorização dos músicos e iniciar o processo de decoração da cidade.

Praia da Estação – protesto de ocupação do espaço público. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

José Guilherme Castro, belorizontino, produtor cultural, diretor da Associação Cultural José Martí, folião dos carnavais de Olinda e Recife de 1972 a 1982 e do carnaval de BH desde 2008. Foi secretário geral e diretor de Carnaval da Escola de Samba Cidade Jardim. Participa do processo de construção coletiva do desfile manifestação da Escola de Samba Liberdade Ainda Que Tam Tam. No carnaval de 2016, representou as Escolas de Samba junto à sociedade e órgãos públicos. No festival Nacional de Arte e Cultura da  Reforma Agrária, realizado pelo MST, foi homenageado com o Estandarte: BH, Um Dos Melhores Carnavais de Luta do Brasil.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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