Por Leandro Barbosa e Agatha Azevedo, para os Jornalistas Livres
A jovem de 22 anos havia chegado à casa de sua mãe há um mês para uma tentativa de reconciliação após um período afastada, vivendo com a sua companheira, também mulher trans, em Belo Horizonte. A promessa era de que, ao voltar a viver com a família, Bruna e Bianca pudessem construir um lar, compartilhando o mesmo terreno que a mãe dela.
No dia 30 de março, ambas foram para o interior do Rio de Janeiro acreditando que a mãe da Bruna, D. Margarida, cumpriria a promessa de se esforçar para entender a identidade de gênero da filha e a relação lésbica entre ela e Bianca, e que elas poderiam morar numa casa nos fundos com harmonia.
Na última quarta-feira (10), houve uma discussão entre mãe e filha devido ao desejo de Bruna de voltar para BH, motivada pelas melhores oportunidades na capital mineira, principalmente para pessoas trans. No dia seguinte, Bruna se deparou com a equipe dos “Anjos da Vida” ao abrir o portão de sua casa nos fundos do quintal da mãe. Ela não teve tempo de se defender enquanto o serviço de remoção da empresa a levava a força para um tratamento não solicitado e desnecessário, enquanto sua mãe e os responsáveis pela “remoção” a chamavam no masculino e a tratavam como homem.
Segundo Bianca, D. Margarida ainda disse que a primeira coisa que ela faria seria raspar a cabeça dela, porque agora ela “voltaria a ser homem”. Enquanto Bianca tentava defender a esposa, ouvia a equipe dos “Anjos da Vida” despejar machismo e transfobia:
“Tinham dois homens maiores do que ela, segurando-a pelo braço com muita força e tentando colocar ela na ambulância. Eu comecei a segurar ela para eles não levarem, e eles torceram o meu braço, me enforcaram. Eles falaram que travesti para eles era macho, e que eles iam me enfiar a porrada, um deles me segurou pelo pescoço e disse que ia me botar pra dormir se eu continuasse fazendo aquilo e a mãe dela dizendo que ela se tornaria um homem renovado.”
Bruna foi dopada pelo funcionário do serviço de remoção. A agarram a força, e com a truculência o seu vestido abriu e a mãe dela aproveitou para trocar a sua roupa, deixando-a nua no meio da rua, para colocar um short e uma camiseta preta. O responsável pela empresa, Paulo Rogério, disse que apenas cumpriram com a norma baseados na lei 10.216 de 2001. Ao conversar com os Jornalistas Livres, ele alegou que atendeu ao pedido da mãe, que esteve presente durante toda a ação.
Para explicar o trabalho da empresa, ele usou a seguinte alusão: “Somos como um correio. Pegamos a pessoa e a levamos para o destino combinado”.
Na conversa, o responsável pela “Anjos da Vida” deixa claro que não houve nada no pedido de remoção a respeito do uso de drogas, que era um caso de “questões psicológicas” e, já na clínica, Bruna passaria por atendimento psicológico e psiquiátrico.
Embora Paulo tenha sido evasivo às perguntas feitas e não tenha revelado o local para onde havia enviado a Bruna, no Facebook contém uma publicação no dia da remoção da Bruna, com check-in em São Gonçalo (RJ), que indica o local para onde ela foi levada.
Em uma conversa no whatsapp, a mãe de Bruna confirma a internação da filha, referindo-se a ela no masculino. A lei utilizada pela clínica (10.216 / 2001) para embasar a internação involuntária exige laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos, o que não foi apresentado. É considerado internação compulsória aquela determinada pela justiça, e internação involuntária, aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiros.
Segundo a Lei Federal 10.216 / 2001, para os casos de remoção, a internação precisa ser autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do Estado onde se localize o estabelecimento, e são necessários os seguintes documentos:
- Laudo e prescrição médica de profissional com registro no CRM; (não há informações a respeito, inclusive todos os documentos da Bruna estão com a Bianca, ela foi levada sem documentos);
- Comunicado ao Ministério Público Estadual em 72 horas da internação involuntária (Até ontem (16) o MP do RJ não havia identificado nenhum comunicado).
Bruna, que sonha em ser poeta, publicava as suas reflexões sobre ser mulher trans e seus enfrentamentos diários, já que o Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo e a intolerância cresce com a desinformação e a negligência do sistema, que subnotifica essas mortes, abusos e agressões. Ela também participou da ocupação realizada pelas mulheres do Movimento Olga Benário em BH, que deu origem à Casa de Referência da Mulher Tina Martins, durante o período em que esteve morando na cidade para poder fazer seu processo de transição de gênero longe da família. Bruna e Bianca estão juntas desde 23 de março de 2014, já três anos vivendo sob o mesmo teto.
4 respostas
E como e onde ela está?
Que mundo é esse? Como uma pessoa é carregada desse jeito em pleno 201+? Parabéns colegas Jornalistas livres sempre, especialmente por uma matéria assim, tão esclarecedora, justa, respeitosa…
Alguma notícia? Essa reportagem não deixa claro se há alguém tentando tirar ela de lá!
Pasma com o que li!