Salvador Allende, República de Cuba: os nomes das escolas que Alckmin quer fechar

Por Alceu Luís Castilho, para o Outras Palavras 

Primeira chamada: as professoras.

Adalgiza Segurado da Silveira (São Paulo); Alayde Maria Vicente (Guarulhos); Antonieta Grassi Malatrasi (Lençóis Paulista); Dinora Rocha (Iguape); Elza Salvestro Bonilha (Sorocaba); Eurydice Zerbini (São Paulo); Iolanda Vellutini (Pindamonhangaba); Iracema Brasil de Siqueira (Mogi das Cruzes); Iracema de Oliveira Carlos (Ibitinga); Ivani Maria Paes (Barueri); Laís Amaral Vicente (São Paulo); Lâmia del Sistia (Guarujá); Maria Aparecida Soares de Lucca (Limeira); Miss Browne (São Paulo); Regina Pompeia Pinto (Cachoeira Paulista); Sebastiana Paie Rodella (Americana); Sonia Aparecida Bataglia Cardoso (Santa Bárbara D’Oeste); Sueli Oliveira Silva Martins (Mogi das Cruzes); Yonne Cesar Guaycuru de Oliveira (Pindamonhangaba).

No que depender do governador Geraldo Alckmin, essas 19 professoras, entre elas duas Iracemas, não mais serão nomes de escolas em São Paulo. O governo estadual anunciou em outubro o que chama de “reorganização” da rede de ensino. E significa, na prática, o fechamento de 94 escolas (número reduzido depois para 93, pois a EE Augusto Melega, em Piracicaba, será mantida), conforme lista divulgada no dia 28 de outubro.

Segunda chamada: os professores.

Álvaro José de Souza (Botucatu); Álvaro Trindade de Oliveira (Ribeirão Pires); Américo Belluomini (Valinhos); Antônio de Mello Cotrim (Piracicaba); Augusto Baillot (São Paulo); Bruno Pieroni (Sertãozinho); Dorival Dias de Carvalho (Sorocaba); Eruce Paulucci (Avaré); Antonio de Oliveira Camargo (São Paulo); Astrogildo Arruda (São Paulo); Firmino Ladeira (Mogi das Cruzes); Flavio Gagliardi (Sorocaba); Francisco de Paula Santos (Roseira); Geraldo Homero França Ottoni (São Paulo); João Cruz Costa (São Paulo); João Nogueira Lotufo (São Paulo); Joaquim Garcia Salvador (Guarulhos); José Augusto de Azevedo Antunes (Santo André); Lênio Vieira de Moraes (Barueri); Oscar Graciano (Carapicuíba); Pedro Fonseca (São Paulo); Renê Rodrigues de Moraes (Guarujá); Oswaldo Salles (Santa Cruz do Rio Pardo); Salvador Ortega Fernandes (Sorocaba); Sebastião Ramos Nogueira (Campinas); Silvio Xavier Antunes (São Paulo).

Com esses 26 homenageados, o total de professores e professoras na lista de 94 escolas chega a 45. Quase metade do total. Um detalhe em meio à história que se rasga (a dos alunos, professores, funcionários, comunidade) ao se fechar uma escola. Mas não deixa de ser significativo.

Principalmente quando se observa que, entre os nomes de escolas fechadas, estão a República de Cuba e a República de El Salvador. Ou a EE Joaquín Suárez, presidente uruguaio no século 19. A América Latina, que em 1989 ganhou um Memorial, em São Paulo, perderá sua voz até na toponímia?

Não no que depender dos alunos da EE Salvador Allende. A escola foi uma das primeiras entre 43 escolas ocupadas em meio ao atual levante estudantil em São Paulo. Eles se inspiraram também na história do presidente chileno, derrubado em 1973 pelos militares: “Como podemos ficar quietos numa escola com esse nome?

A resistência dos alunos colocou o governador Geraldo Alckmin em xeque: como autorizar a polícia a reprimir estudantes que ocupam escolas (os jornais falam surrealmente em alunos “invadindo escolas”) para que elas simplesmente não fechem?

Seria exaustivo contar a história de cada um dos professores e professoras que correm o risco de perder a homenagem que receberam. Mas tomemos o caso do estudante Henrique Fernando Gomes, que dá nome a uma escola em Barueri. Ele tinha 16 anos e morreu em 2006, em um acidente de ônibus. Era um estudante dedicado, muito conhecido no Jardim Maria Helena III. A comunidade colheu mais de 3 mil assinaturas e ele se tornou o nome da escola, que levava o nome do bairro, em 2007. Há menos de dez anos, portanto. Caso a escola feche, terá sido uma homenagem-relâmpago.

NOMES E NOMES

Outros nomes são bem mais antigos. Entre as escolas da lista está a Miss Browne, na Pompeia, que leva o nome de uma educadora americana e foi criada em 1932 — um ano simbólico para os paulistas, o da “revolução” constitucionalista. José Leandro de Barros Pimentel defendeu São Paulo em 1932, e dá nome a uma escola em Barueri — na lista. Mesmo caso das paulistanas Barão Homem de Mello e Paulo Machado de Carvalho, o “marechal da vitória” (pela vitória na Copa do Mundo de 1970), o mesmo que dá nome ao Pacaembu.

Nem todos os homenageados possuem uma história das mais nobres. Os povos indígenas que o digam. Na semana passada eles cobriram com sacos de lixo a estátua de Fernão Dias Paes, na ocupação da escola que leva seu nome em Pinheiros e se tornou símbolo da resistência estudantil ao fechamento em bloco pelo governo estadual. Paes foi um bandeirante — como tal, para os defensores de direitos indígenas, um genocida. Um caçador de esmeraldas — e de índios — que morreu de febre no meio da mata.

Sobrou também para outros homenageados que representam o poder. Entre eles Amador Aguiar, o fundador do Bradesco, que dá nome a uma escola em Barueri — perto, portanto, do quartel general do banco, na Cidade de Deus, em Osasco. Curiosamente, as Escolas Estaduais República de Cuba e República de El Salvador — nome que reverencia Jesus Cristo — também ficam em Barueri. (Detalhe: a EE República de Cuba já tinha sido atingida em 1987; a parte do ensino básico, na época primeiro grau, migrou para o município e a EEPG foi renomeada para José Vital Alves Freire.)

Oswaldo Sammartino foi prefeito de Jandira. Não foi poupado. Guilherme de Oliveira Gomes e João Bastos Soares foram deputados. As escola com seu nomes, em Osasco e Cachoeira Paulista, estão na lista da degola. O mesmo vale para a que homenageia o prefeito Santinho Carnevale e o vereador Fortunato Arnoni, em Ribeirão Pires; o industrial Luigino Burigotto, em Limeira; o coronel Antônio Paiva de Sampaio, em Osasco; Brás Cubas, o fundador de Santos.

E sobrou ainda para o padre João Batista de Aquino, em Agudos; para a Pequeno Cotolengo de Dom Orione, em Cotia; para os pastores Amaro José dos Santos e Rubens Lopes, em Guarulhos; e até para o Rotary (que adora instalar sua marca em praças no começo de cidades, pelo interior paulista), também em Guarulhos. Igualmente para o jornalista Tito Lima — homônimo de Frei Tito, assassinado pela ditadura.

“Nomes de nomes”, dizia Caetano Veloso na música Língua. (“Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas. Sejamos imperialistas. Cadê? Sejamos imperialistas!”) Nomes como Castro Alves (o escritor abolicionista), o regionalista Valdomiro Silveira e o português Guerra Junqueiro, poeta antimonarquista e anticlerical, todos na lista da degola. Ou a Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo — o pintor Di Cavalcanti. (“O que quer, o que pode essa língua?”)

Em março, o governo do Maranhão decretou a mudança do nome de dez escolas relacionados à ditadura de 1964: entre elas duas Costa e Silva, uma Emílio Médici, uma Castello Branco. Duas passaram a se chamar Educador Paulo Freire. (“E deixa que digam, que pensem, que falem”.)

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