Ropni Metuktire

Raoni fala à impressa antes do desfile da Imperatriz Leopoldinense – foto de Kamikia Kisêdjê

Em 1985, certa tarde em Brasília, entre protesto de estudantes que queriam eleições, vi aquele homem alto, pintado de preto e com uma boca diferente, nos induziu à uma certa paz. Nunca esqueci daquele homem bravo como uma flor e imponente como uma onça, trazendo  paz em momento tenso, pois autoridade e liderança se encontram na palavra segurança.

Raoni,  o homem índio, imenso cacique dos Kaiapó.  Raoni, o mundo todo saberia de sua sabedoria em harmonia com o cantor inglês Sting, em viagem pelos países a denunciar os desmandos com os povos indígenas no Brasil. A terra, dizia ele, é de meu povo, e assim mostrou a todos. Com as águas já não teve tanto êxito, mesmo dizendo que levaria sua aldeia para a área a ser submersa pelo rio represado, e lá morreria. O monstro de Belo Monte nem quis saber e se impôs, lá está. Raoni, felizmente vive e nunca mais saiu de cena e convívio com presidentes e chefes de Estado. Bonito da vida é ver isso, grandes homens não cedem.

O carnaval trouxe Raoni e os povos indígenas à avenida, em reação ao avanço do agronegócio e às hidrelétricas sobre as águas. Esperávamos um protesto com a força do samba e seus tamborins na coragem saudosa de Joãozinho Trinta, mas as academias de ginásticas e as formosuras das fantasias suplantaram as ideologias, e as bordunas de guerra dos guerreiros seguiram leve na admiração do esplendor indígena, aquém da carência de alimento, diabetes ou do alcoolismo e suicídio nas muitas terras indígenas das cinco regiões. Não importa que doa, foi bonita a festa, pá. A tv oficial em seus direitos veta as imagens que dizem, nada se ouve além da passarela, nem PEC 215 ou urgentes demarcações se inebriam nas omissões dos dividendos dos negócios do campo e suas divisas. A revolta ficou limitada às belíssimas alegorias e à denuncia velada que a vida corre risco se perdeu em tantas cores. Tudo foi riso e boa música, belo sem dúvida, um monte de gente bonita distante de Altamira, que não há mais.

O labirinto xinguano e suas águas que temem e confirmam.

Ailton Krenak, em um texto de 2001, escreveu: aceitando a existência do Outro, nós vamos aprendendo a reconhecer no mundo um lugar de muitos povos. A nossa casa comum. Onde alguns chegaram primeiro. Mantendo essa continuidade, nós convivemos e nos preparamos a cada dia para essa troca, sem deixarmos de ser quem nossa memória e história nos informa. Então você pode olhar o mundo  e experimentar o sentimento de integridade diante dos outros, firmando o seu caminho como parte  de uma cultura e de uma sociedade, que pode se afirmar também diante dessa diversidade e dessa pluralidade de caminhos e escolhas. E fazer isso sem viver a situação de crise de valores, mesmo experimentando a enorme dificuldade que é a de se localizar e se expressar diante de todas as outras visões de mundo e suas construções e elaborações.

Depois dos carnavais, sabemos já,  o país entra no ritmo de suas contradições.

 

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