Sem fazer consulta prévia – como determina a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)- às comunidades quilombolas da região, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) pretende retomar, no mês de maio, as obras da BR-135, que corta os territórios quilombolas situados entre os municípios Iatapecuru-mirim (MA) e Miranda do Norte (MA). As comunidades quilombolas da região estão muito preocupadas, por conta da covid-19, que pode dizimar a população quilombola no Maranhão.
Temendo os impactos das obras nas comunidades, lideranças quilombolas resolveram criar um vídeo-manifesto e uma carta, que será enviada para o MPF (Ministério Público Federal), que mediou o acordo com DNIT e Fundação Cultural Palmares (FCP) sem consultar as comunidades que serão afetadas.
Conheça a campanha Consulta Prévia Quilombola, entenda o caso e compartilhe!
Textos, fotos e vídeos: Consulta Prévia Quilombola
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Nós, povos quilombolas de Itapecuru-Mirim e Miranda do Norte, no Maranhão, estamos sob risco iminente de genocídio. Em plena pandemia de Covid-19, o governo federal, por meio do DNIT, quer retomar as obras de duplicação da BR 135, que rasga nossos quilombos. As obras estavam suspensas por causa das inúmeras ilegalidades e violências que o DNIT já tinha cometido contra a gente. Agora, sofremos mais esta ameaça.
Assistam ao nosso vídeo-manifesto, compartilhem, gravem vídeos de apoio e assinem neste link a carta que será enviada para o MPF (Ministério Público Federal), que mediou o acordo com DNIT e Fundação Cultural Palmares (FCP) sem nos consultar. Que o MPF, DNIT, FCP e demais órgãos públicos nos ouçam e respeitem nossos direitos.
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Em 2019, DNIT já sinalizava “golpe” contra realização de consulta prévia para duplicação da BR 135
Ontem (22/04) publicamos no nosso blog da Campanha Nacional pela Consulta Prévia Quilombola uma carta ao nosso povo preto e às nossas aliadas e aliados na luta falando sobre o golpe que o DNIT pretende dar em nós, quilombolas, retomando as obras de duplicação da BR 135 sem consulta e, pior, em meio à pandemia de Covid-19, que, comprovadamente, mata mais preto do que branco no Brasil.
As obras, como informamos, estavam suspensas por conta das ilegalidades cometidas pelo DNIT desde o princípio do empreendimento: a autarquia federal não fez Estudo de Impacto Ambiental (EIA) adequado, e tão pouco realizou a consulta prévia, livre, informada e de boa fé com os povos quilombolas afetados, como determina a Convenção 169 da OIT. Mesmo sem a consulta e sem estudos suficientes, a autarquia iniciou as obras em 2017, derrubou árvores, entupiu igarapés, danificou casas, nos humilhou e nos ameaçou em nossas casas.
O que talvez muita gente não saiba é que, desde que as obras foram paralisadas, em abril de 2018, após investigação do MPF que comprovou as violências e ilegalidades denunciadas pela Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos, os povos quilombolas afetados pela duplicação tiveram diversas reuniões entre si e com membros do poder público para buscar uma saída dialogada com o DNIT.
Apesar de todas as violências cometidas contra nós, ainda nos dispusemos a sentar à mesa e conversar, com a mediação da Defensoria Pública da União (DPU), com DNIT, Fundação Cultural Palmares (FCP) e SEMA (Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Maranhão).
Como fruto desses dois anos de negociações, ficou acertado que o DNIT iria refazer os estudos de componente quilombola que integram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) a partir de um termo de referência elaborado pela FCP, e que, após a confecção desses novos estudos, a consulta aos povos quilombolas seria feita nos termos da Convenção 169 da OIT.
A última reunião entre as comunidades e o poder público, representado pela DPU e pela FCP, aconteceu em 29 de março de 2019. O encontro foi realizado para discutir uma proposta do próprio DNIT, de reduzir o raio de impacto a ser considerado na produção dos estudos de 40km para 10km. A portaria interministerial 60/2015 determina que empreendimentos rodoviários realizados em área de Amazônia Legal – caso do trecho da BR 135 que o DNIT quer duplicar – devem considerar um raio de impacto de 40km; nas demais regiões, o raio de impacto considerado é de 10km.
A proposta de redução feita pelo DNIT às comunidades interferiria diretamente na realização da consulta prévia: ou se consultaria apenas as comunidades impactadas em um raio de 10km a partir do eixo da BR 135 – proposta do DNIT –, ou se consultaria, conforme a portaria interministerial 60/2015, todas as comunidades impactadas em um raio de 40km a partir do eixo.
Como na reunião estavam presentes, em sua maioria, lideranças de comunidades impactadas a até 10km do eixo da BR 135, nós, quilombolas presentes no encontro, entendemos não ser possível decidir pelos nossos irmãos e irmãs que vivem em comunidades a mais de 10km a até 40km do eixo, e que não estavam presentes na reunião. Ficou decidido, então, que DPU e FCP enviariam ao DNIT a proposta de que a própria autarquia fizesse contato com as lideranças dessas comunidades mais distantes para saber se aquelas comunidades gostariam de ser consideradas na consulta prévia. O DNIT nunca respondeu sobre essa proposta.
Jair Bolsonaro já havia sido eleito presidente nessa época, e desde seu primeiro dia de governo, fez questão de mostrar ao que veio: fragilizou e derrubou direitos conquistados pelos nossos irmãos originários e por nós, quilombolas. Foi nesse contexto, e no silêncio dos gabinetes, que o golpe do DNIT explicitado agora, em abril de 2020, começou a ser formulado.
No dia 24 de julho de 2019, o DNIT deu uma pista sobre o que faria nove meses depois contra nós e nosso direito à consulta nos termos da Convenção 169 da OIT: em uma videoconferência do MPF com membros do Ministério de Infraestrutura e com o próprio diretor-geral do DNIT, o general Santos Filho, a autarquia, contra todas as evidências documentais e factuais anexadas ao inquérito civil do MPF sobre a violação dos nossos direitos, afirmou ao procurador da República Hilton Araújo o seguinte: os estudos já feitos pelo DNIT eram sim, suficientes, e as comunidades quilombolas impactadas tinham, sim, sido ouvidas.
Ou seja: a autarquia, nessa reunião, contradiz tudo o que fez e disse – e que está documentado no inquérito civil – ao longo dos últimos dois anos, em audiências e reuniões com as comunidades, a DPU, o MPF, a FCP e outros órgãos públicos, e registrado também em diversas reportagens jornalísticas publicadas entre 2017 e 2019.
Aqui é importante ressaltar o seguinte: quando o DNIT, em 2018, aceita sentar e dialogar saídas para a questão da falta da consulta prévia, é porque admite que não fez a consulta e que agiu na ilegalidade. Se a autarquia tivesse provas de ter agido na legalidade, não aceitaria considerar a realização da consulta prévia, e muito menos aceitaria a suspensão das licenças de instalação feita pela SEMA – e reforçada pelo MPF – tão logo a secretaria admitiu que havia problemas, sim, na consulta, ou melhor, na falta dela.
Importante dizer também que a SEMA liberou as licenças para o DNIT com base em um EIA cheio de erros e imprecisões feito pela empresa Zago Consultoria. Para se ter uma ideia da precariedade do EIA apresentado à SEMA, a consultoria copiou e colou no estudo, de forma literal ou com pequenas alterações, informações contidas na enciclopédia online pública Wikipedia. A SEMA do governo do estado do Maranhão também foi e é responsável pelas violências cometidas contra nós.
Ao negar fatos e documentos perante o MPF, o DNIT gerou, em julho de 2019, um impasse intransponível, e suspendeu, unilateralmente, o diálogo com as comunidades. Em novembro de 2019, o MPF ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP).
Agora, diante desta nova violação, prevista na retomada das obras sem a consulta prévia, livre, informada e de boa fé, nos termos da Convenção 169 da OIT e, pior, no contexto da pandemia do novo coronavírus, resta saber se o judiciário endossará mais esse capítulo do nosso genocídio, povo preto quilombola do Maranhão.