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Movimentos Sociais

Quando a fala do aliado cabe na boca do inimigo

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Protesto pró-cotas Unicamp

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão estabeleceu novas regras para verificar a veracidade da autodeclaração prestada pelos candidatos e candidatas que concorrem às vagas reservadas para negros nos concursos públicos. A partir de agora, a pessoa que concorrer pelas cotas previstas na Lei 12.990/2014 será entrevistada por uma banca que confirmará se sua aparência condiz com sua autodeclaração. O mecanismo é semelhante àquele implementado e aprimorado pela Universidade de Brasília, cuja constitucionalidade foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 (ADPF 186), proposta pelo partido Democratas. Comissões de desenho semelhante também são adotadas durante o processo de concessões de bolsas para negros no Instituto Rio Branco, bem como em concursos públicos de vários Estados e municípios brasileiros, como, por exemplo, na Prefeitura de São Paulo.

Embora a atuação de bancas seja um mecanismo considerado constitucional, a medida tem sido criticada tanto pela mídia tradicional quanto pela mídia progressista, com argumentos semelhantes. Do lado da mídia tradicional e inimiga não esperamos nada, apenas a defesa do retrocesso. Da mídia progressista, esperávamos, pelo menos, que ouvissem entidades do Movimento Negro antes de repetir argumentos rasos que cabem melhor na boca do inimigo. Entendemos que qualquer medida do governo interino/golpista deve, sim, ser vista com reservas, mas nossa luta e conquistas não podem ser desprezadas para fazer críticas ignorantes, sem conhecimento técnico e irresponsáveis sobre uma pauta histórica do Movimento Negro: a correção das desigualdades.

É surpreendente e decepcionante ver que, no afã de criticar o governo golpista, pretensos aliados como o Sakamoto, a Maria Frô e Jornalistas Livres na figura de Laura Capriglione, se valham de termos e argumentos construídos pelos conservadores que são inimigos de nossa causa e que já foram julgados e invalidados pelo STF. Demonstrando apenas quão falha é a comunicação dita alternativa, que se presta muito bem em informar questões políticas quando estas não estão diretamente relacionadas ao Movimento Negro brasileiro, afirmando seus lugares de privilégio racial e social do qual não querem se desprender uma vez que, quando apontados sobre o equívoco, nos ignoram e menosprezam, disseminando inverdades sobre a população negra deste país; como salvadores que são, preferem que brancos ocupem os lugares de negros através das cotas do que nos apoiarem na luta pela veracidade corpórea. No mais, reafirmam posturas racistas e criminalizadoras de nossas ações, endossando a retirada de nossos direitos já instituídos. Os supracitados só poderão ser verdadeiramente aliados quando recuarem, quando admitirem o erro e se posicionarem de forma diferente, enquanto isso não acontecer, veremos proliferar erroneamente posicionamentos contrários às nossas vidas. 

 A Lei de Cotas no serviço público foi aprovada em 2014 dentro da reserva do possível: Estados e municípios não foram incluídos e os poderes legislativo e judiciário tampouco. De forma semelhante, a lei não previu mecanismos para coibir fraudes, mas, sabiamente, não os proibiu. Concomitante à aprovação da lei, vieram os concursos públicos e, com eles, as primeiras denúncias de fraude. De meados de 2014 até o final de 2015 são inúmeras as denúncias feitas por pessoas negras lesadas por brancos mal intencionados que ocuparam nossos lugares. Como exemplo, podemos citar o caso do Itamaraty, em que dos seis aprovados nas vagas para negros, quatro foram considerados brancos pela banca multirracial, que só foi formada após determinação judicial.

Com a falta de ação do Poder Executivo, entidades do Movimento Negro buscaram apoio de membros do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública. Assim, a cada edital publicado, uma recomendação de retificação do Ministério Público era emitida para que uma banca fosse formada. Ao mesmo tempo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) realizou audiências públicas e orientou seus membros a acompanhar de perto as denúncias de fraude e a implementação da Lei.

Em janeiro de 2016, após indícios de considerável quantitativo de candidatos brancos aprovados nas cotas para negros e percebendo o desinteresse do Ministério do Planejamento em coibir fraudes em seu próprio concurso, que já estava em fase de homologação e posse dos candidatos, o MPF e a Defensoria Pública entraram com ação contra o órgão no Judiciário solicitando a paralisação do concurso, que selecionou servidores também para a Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, e a elaboração de orientações para que os órgãos da Administração Pública adotassem em seus concursos mecanismos de verificação da autodeclaração.

Diante dessa ação, e da forte militância, que lançou uma carta (link) publicada em diversos veículos de imprensa negra – que aparentemente os veículos progressistas não leram – e inclusive protestou em frente ao Ministério em janeiro, sendo recebida pelo Secretário-Executivo da época, Francisco Gaetani, o Ministério se comprometeu com a realização da banca para o concurso que se desenvolvia e com a publicação de orientações para todos os órgãos governamentais.  Vale informar que as orientações contidas na Orientação Normativa nº 3/2016, publicada dia 2 de Agosto, são apenas a primeira do acordo, pois o órgão pretende, após consulta pública, detalhar as orientações em normativos futuros de forma a garantir uniformidade de procedimentos entre as bancas.

No entanto, tudo isso não é suficiente, queremos mais: queremos um sistema de monitoramento que funcione, uma rede que proteja a população negra de ser discriminada por gestores racistas e que garanta o combate ao racismo e suas implicações em todas as repartições do governo federal. Nesse sentido, queremos também que veículos da esquerda, alternativos, estejam a par de nossas trajetórias e conquistas quando forem discorrer sobre nossas ações, ou até mesmo quando se contrapuserem a qualquer medida governamental. Queremos ser consultados e consultadas, pois não admitiremos mais nada sobre nós sem nós, é inadmissível esse tipo de postura que só prolifera dúvidas infundadas e rasuras nas nossas lutas. 

A publicação das orientações é, portanto, fruto de uma luta que vem sendo travada há anos para garantir a presença de pessoas negras nos serviço público federal. A banca será composta por pessoas com diversidade de gênero, raça e naturalidade, de modo a refletir os diversos olhares que a sociedade pode ter do candidato. O critério é apenas a aparência, pois é assim que o racismo se estrutura na sociedade. Ninguém pede foto dos ancestrais para discriminar um negro e nem teste de DNA. Quem por qualquer razão se considerar negro, mas não tiver a aparência de um, pode continuar se identificando como tal, mas não será contemplado com esse direito, pois ele se reserva aos que são discriminados diariamente por sua cor.

É importante pontuar que a classificação racial pelo Estado não é uma inovação introduzida pelo sistema de cotas. Há muito tempo a certidão de nascimento informa a raça do recém-nascido e a polícia classifica os detentos e as vítimas segundo a sua cor. Nesses casos, a classificação racial nunca suscitou interesse por parte da mídia progressista. Nunca houve a acusação da existência de um tribunal racial. Até mesmo a metodologia do IBGE incorpora a chamada heteroidentificação, pois entrevista apenas um pessoa em cada residência, e, neste caso, a cor de cada morador é informada pelo entrevistado.

Frente às críticas, que tem por objetivo relativizar nossa luta, assumiremos o protagonismo de nossas demandas. Cabe a nós, negros, dizer o que é ou não um tribunal racial. Tribunal racial é o que enfrentamos todos os dias desde que nascemos. Tribunais raciais estão espalhados por toda a sociedade e nos julgam diariamente pela nossa cor e aparência, definindo quem é belo ou feio, bom ou ruim ou mesmo quem deve viver ou morrer jovem cravejado de balas pelos agentes de Estado, que sabem muito bem quem é negro ou branco ou amarelo nesse país.

O que queremos é que políticas públicas forjadas na nossa luta tenham critérios que viabilizem a coibição da fraude por parte das pessoas brancas e a entrada de pessoas negras (de verdade) no serviço público. E o que ainda precisamos bradar em pedidos é que a mídia alternativa da esquerda, pretensamente preocupada com o racismo, NOS RESPEITE, não fale em nosso nome, não fragilize nossas demandas, não exponha políticas que estão sob o fio na navalha nessa conjuntura, não deturpe nossas pautas, enfim, que se importe minimamente com o que de fato acontece com pessoas negras a ponto de saber do que está falando, de se dar ao trabalho de ler e conhecer a nosso respeito, ao invés de falar sobre o que desconhece com argumentos como a da “Carta dos intelectuais contra as cotas”, ou do Partido Democratas, ou Ali Kamel, Demétrio Magnoli e tantos outros inimigos do povo negro no Brasil.

Entidades que assinam essa carta (ordem alfabética):

Coletivo Nacional de Juventude pela Igualdade Racial – Conajir

Educafro

Nosso Coletivo Negro do DF

Pessoas que assinam essa carta

Danilo Lima

Dalila Negreiros

Djamila Ribeiro

Jéssica Hipólito

Joice Berth

Juliana Gonçalves

Laura Astrolábio dos Santos

Maitê Freitas

Marilandia Frazão de Espinosa

Renata Martins

Stephanie Ribeiro

 

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1 Comment

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  1. Olavo

    01/03/17 at 12:58

    Texto bom. Mas com omissões! é omisso que a lei trata de negros e PARDOS e a auto-declaração é consagrada para todos. Dificilmente uma matéria menciona o que é ser pardo. Não sei se foi uma malícia do legislador incluir a questão do “ser pardo”, mas para boa parte da população sou branco, mas me AUTO DECLARO pardo e ultimamente tenho sofrido críticas por assim me auto declarar.

    E lembrando que toda e qualquer comissão vai avaliar o que convier no sentido de heteroatrubuição. A frase “confirmará se sua aparência condiz com sua autodeclaração” não faz sentido. Podemos ter alguém que APARENTE “branco”, mas tem descendência NEGRA.

    O que deve ser avaliado é se o que ele se auto-declara tem sentido com o que pensa não apenas de si, mas dos outros e não a cor da pele, estilo do cabelo e etc.

    O texto também não fala que a auto-declaração só vale para o concurso em si. Ou seja, se eu fizer 10 concursos, posso me declarar afrodecente em um e não no outro alternativamente! O que é um paradoxo!

    O texto fala ainda que “classificação racial pelo Estado não é uma inovação introduzida pelo sistema de cotas”, mas peca ao falor no termo raça, pois só temos uma.

    Sugiro uma melhor reflexão sobre esse tema. Abraços!

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Campinas

Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em frente à Prefeitura de Campinas

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Comunidade Mandela Luta por Moradia

Em busca de uma solução, mais uma vez, moradores tentam ser atendidos

Os Moradores da Comunidade Mandela  fizeram nesta quinta-feira (17), um ato de protesto em frente à Prefeitura  de Campinas. O motivo da manifestação  é o   impasse  para o  problema da moradia das famílias que se arrasta desde 2016. E mais uma vez,  as famílias sem-teto  estão ameaçadas pela reintegração de posse, de acordo com despacho  do juiz  Cássio Modenesi Barbosa, responsável pelo processo a  sua decisão  só será tomada após a manifestação do proprietário.
Entretanto, o juiz  não considerou as petições as Ministério Público, da Defensoria Pública que solicitam o adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19, e das especificidades do caso concreto.
O prazo  final   para a  saída das famílias de forma espontânea  foi encerrado no dia 31 de agosto, no dia  10 de setembro, dez dias depois de esgotado o a data  limite.

As 104 famílias da Comunidade ” Nelson Mandela II” ocupam uma área de de 5 mil metros quadrados do terreno – que possui 300 mil no total – e fica  localizado na região do Ouro Verde, em Campinas . A Comunidade  Mandela se estabeleceu  nessa área em abril de 2017,  após sofrer  uma violenta reintegração de posse no bairro Capivari.

Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade

A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e  possui diversas irregularidades com a municipalidade.

 As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.

Mas o proprietário  e a municipalidade  – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.

As famílias querem ser ouvidas

Durante o ato, uma comissão de moradores  da Ocupação conseguiu ser liberada  pelo contingente de Guardas Municipais que fazia  pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres  da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres,  são as mães que  lideram a luta por moradia.

A reunião com o presidente da COAB de Campinas  e  Secretário de  Habitação  – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.

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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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Campinas

Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

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O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo.  Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição.   A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz  Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.

A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos  dos moradores e moradoras  da ocupação, segundo parecer socioeconômico  do Núcleo  Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal  também  se posicionou favoravelmente  a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente  a  Comunidade  sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.

As famílias

Célia dos Santos, uma das lideranças  na comunidade relata:

“ Tentamos várias vezes propor  a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo.  Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela  seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa.  Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”

Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero

“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei  as  coisas porque não temos nem  como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”

Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.

“ Com essa doença que está por aí  fica difícil  alguém querer dar abrigo  para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos.
Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer.
E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente.
Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”

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