Camilla Hoshino e Gibran Mendes, com fotos de Leandro Taques, para os Jornalistas Livres
A presidenta Dilma Rousseff foi o foco das atenções no picadeiro do Circo da Democracia, no Centro de Curitiba, nesta segunda-feira (8). Cerca de 700 pessoas lotaram a tenda azul e amarela, enquanto outras milhares ocuparam as escadarias do Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Aos gritos “”Fora, Temer’ e ‘Volta, Dilma’, a plateia assistiu ao discurso de cerca de quarenta minutos.
“Estamos aqui no Circo da Democracia fazendo a avaliação e a reflexão sobre os caminhos que temos que trilhar daqui pra frente. Temos a obrigação de tentar parar o golpe, porque se eles tiverem oportunidade os estragos serão muito grandes”, afirmou Dilma se referindo ao governo interino e às medidas políticas adotadas nos últimos dois meses. A presidenta caracterizou o golpe institucional em curso como um golpe parlamentar, com motivação política, já que não houve a comprovação de crime de responsabilidade.
“Se lembrarmos das épocas de resistência da ditadura, veremos que não podíamos falar que estávamos numa ditadura. É típico dos golpes não querer dizer que é golpe”, disse a presidenta sobre o atual cenário de repressão às manifestações sociais no país. “Dar nome aos bois hoje no Brasil é algo extremamente subversivo”, lamentou.
Como exemplo, ela citou as restrições exigidas durante as Olimpíadas, em que pessoas podem ser presas por dizer “Fora, Temer” dentro do Estádio do Maracanã. Apesar disso, Dilma defende que é fundamental identificar os atores do golpe, que são, segundo ela, a mídia monopolista, o capital especulativo e a parte mais programática da oposição a seu governo que “foi sendo substituída por uma parte mais fisiológica”. Dentro deste último setor estão Michel Temer e Eduardo Cunha.
Programa do golpe
Na avaliação de Dilma, o governo interino impõe ao país um programa que garante apenas interesses de segmentos da elite e que jamais seria aprovado pela pela vontade popular, caso passasse por eleições. “Quem de nós aprovaria o fim do modelo de partilha do pré-sal? quem de nós aprovaria uma PEC que congela os gastos com saúde e edução por 20 anos?, quem aprovaria uma versão da CLT em que flexibiliza a própria jornada de trabalho?”, questiona. Ela condena as atuais previsões de terceirização, como a intenção de reduzir a cobertura de atendimento à população pelo Sistema Único de Saúde, a redução do orçamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, além do Bolsa Família.
Além do ataque ao direito dos trabalhadores, Dilma reforçou a intenção velada dos atores políticos do golpe em impedir as investigações sobre esquemas de corrupção no pais, “estancando a sangria”, como ela coloca, se referindo ao áudio vazado do ex-ministro do Planejamento do governo interino, Romero Jucá.
Reforma política
A presidenta eleita também defendeu, publicamente, a realização de um plebiscito que defina duas questões básicas: a realização de novas eleições e uma reforma política. De acordo com ela, o número total de partidos presentes no Brasil hoje — 25 com representatividade no parlamento -, não representa o número de projetos para o País. “Uma coisa é certa: se continuar esse regime, nós vamos ter mais partidos antes que pisquemos o olho. Toda a estrutura de financiamento de campanha, de acesso ao horário eleitoral de televisão e do acesso ao fundo partidário leva a formação de novos partidos, a fragmentação partidária e a desprogramatização dos partidos”, enfatizou.
Essa repactuação, proposta pelo Plebiscito, precisa necessariamente passar pelas bases do País. “Não pode ser uma repactuação por cima”, afirmou. Este é o caminho para iniciar a recuperação do Brasil, comprometida com a crise política. Sem esta recuperação, na opinião da presidenta, a recuperação econômica do Brasil seguirá atrasada. “Não temos bolhas imobiliária, não temos empresas quebrando, porque se endividaram absurdamente. Nós temos uma crise fiscal com queda de arrecadação. Para sair dela, o que não é possível é o que um seguimento fala ‘que todo mundo paga, menos eu’. Essa é a história do pato”, comparou. Toda essa discussão, segundo ela, passa necessariamente pelo processo democrático tão fragilizado no Brasil.
Movimentos populares
No palco, Dilma foi acompanhada por senadores paranaenses e lideranças sindicais e de movimentos populares, nem todos favoráveis à proposta do plebiscito por novas eleições. “A militância que está aqui não é golpista, não é traíra. Estamos aqui por consciência política e por vontade própria, porque o nosso projeto é para o bem comum de todo o povo brasileiro”, garantiu Roberto Baggio, coordenador estadual do MST. O militante reforçou o caráter democrático do Circo, onde cabe a diversidade de ideias e de debates. “Mas também expressa a vontade de que o voto dos 54 milhões de brasileiros seja respeitado”, afirmou.
A presidenta da CUT Paraná, Regina Cruz, centrou suas críticas nos projetos que tramitam no Congresso Federal e que preveem retirada de direitos. “Mais de 60 projetos tramitam no Congresso Federal para retiradas de direito. O primeiro deles é a reforma da Previdência. Eles querem que a classe trabalhadora trabalhe até os 70 anos”, exemplificou. Segundo ela, essa fase do golpe é quando os deputados federais precisam “pagar a fatura para a Fiesp e eles querem que a gente engula esse processo, mas nós não vamos engolir. Por isso vamos às ruas”, assegurou.
Também participam da mesa Marcelo Lavenére, ex presidente da OAB, conselheiro atual da entidade e autor do processo de impeachment do ex-presidente Collor; Alice Ruiz, poeta e compositora paranaense; Roberto Requião (PMDB); Gleisi Hoffmann (PT) e Vagner Freitas e Regina Cruz, presidente nacional da CUT.
A Orquestra Latino-americana da Unespar abriu o evento com canções em homenagem às mulheres e à luta dos trabalhadores. O cerimonial trouxe a simbologia feminista com a citação de mulheres poetas, teóricas e militantes.