Conecte-se conosco

Feminismo

Prefeitura sabota encerramento do Dia da Mulher no fim de semana

Publicadoo

em

Mais de cinco mil mulheres participaram da Marcha do dia 8 de março em Florianópolis. Sucesso da atividades da semana provocou boicote do encerramento pela prefeitura. Foto: Sérgio Lds

Florianópolis é uma das cidades que mais ganham noticiário no país por casos de feminicídio e crimes hediondos ligados à intolerância de gênero. No entanto, isso parece não preocupar a prefeitura. As entidades organizadoras do 8M Brasil em Santa Catarina denunciaram a Prefeitura Municipal de Florianópolis pelo boicote das atividades de encerramento do Dia da Mulher neste final de semana. Segundo uma nota de repúdio dirigida ao prefeito Gean Loureiro e publicada ontem (10/3), na página do 8M, “atos deliberadamente machistas e opressores” por parte do poder público municipal culminaram com o cancelamento do evento marcado para este sábado há mais de um mês. Depois de impor na última hora uma série de entraves burocráticos, a prefeitura não autorizou o uso do espaço público previsto para as atividades, que começariam com um cortejo de mulheres às 11 horas, no Instituto Cultural Arcoíris, e encerrariam às com uma festa e um ato político e cultural na Bodega La Kahlo, das 14 às 20 horas de sábado.  Em repúdio à sabotagem, o 8M realizou, no horário divulgado, o que chamou de “Cortejo Baque de mulheres”, em frente ao Arcoíris. Em forma de jogral, as mulheres denunciaram os desmandos, sabotagens e intimidações que as entidades promotoras da semana da mulher sofreram na organização dos eventos, lembrando que Florianópolis é uma das cidades mais destacadas do país pelos casos de feminicídio e lesbo e homofobia. Confira o protesto no vídeo ao vivo da La Kahlo:

Também em resposta ao boicote, as feministas adiaram a realização dos atos de encerramento para o dia 17 de março, próximo sábado, quando prometem vir em dobro. “Vamos fazer um ato de fechar a Hercílio Luz no dia 17 de março”, avisa a advogada Íris Gonçalves, da coordenação geral. “A desautorização do espaço e outras ações intimidantes tiveram por objetivo boicotar e coibir as atividades de resistência neste dia”, afirma a documentarista Adriane Canan, coordenadoras da comissão de comunicação do 8M em Santa Catarina. “A prefeitura está cerceando o direito cidadão de ocupar os espaços públicos”, acrescenta Cristine Larissa Classen, que coordenou as atividades culturais da Semana da Mulher. “Não resta dúvida que é uma perseguição a tudo o que representa o 8M: mulheres na rua lutando por direitos trabalhistas e denunciando as múltiplas formas de violência da sociedade machista”, afirma a advogada Íris Gonçalves, da coordenação do 8M. Na avaliação das integrantes do movimento, é também uma perseguição à La Kahlo Bodega, um espaço cultural que se declara feminista e se configura como um espaço aberto à diversidade de gêneros, como reduto de mulheres do movimento LGBT. “Não vamos nos deixar calar e tomarem nossos direitos ao espaço público”, avisa Cristine Larissa Classen.

Cores de Aidê, bloco de mulheres, abre a marcha na avenida Paulo Fontes. Foto: Raquel Wandelli

PROGRAMAÇÃO CONSCIENTIZA CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Depois do sucesso das realizações da Semana e do Dia Internacional da Mulher em Florianópolis, pelo segundo ano consecutivo, parece que os entraves burocráticos impostos pela Prefeitura não vão intimidar a organização do 8M Brasil em Santa Catarina. “No dia 17 de março vamos voltar e será maior”, garantem as coordenadoras. Sob o mote “É tempo de Rebelião”, a grande marcha das mulheres do dia 8 de março reuniu mais de cinco mil pessoas em passeata por mais de duas horas pelas principais ruas da cidade. Gritando pela tolerância, pelo fim à violência contra a mulher, acenaram bandeiras de todas as cores e partidos, movimentos sociais organizados, grupos de cultura popular, trabalhadoras urbanas e ruais, sindicalistas. Todas unificadas por um único grito “Fora Temer”, pela volta da democracia, contra a reforma da previdência e pelo fim dos ataques aos direitos humanos e sociais e, sobretudo, pelo basta à opressão da mulher. E foram mais de 20 mil pessoas envolvidas no conjunto de atividades desenvolvidas durante toda a semana em Florianópolis e nas principais cidades de Santa Catarina. Mesas redondas, rodas de conversa, oficinas, mostra culturais, seminários, palestras, manifestações artísticas, troca de cartas com mulheres e mães presidiárias tomaram conta do Largo da Alfândega, das 8 às 23 horas durante todo o dia 8 de março. O dia de lutas só terminou com o final da Batalha da Alfândega, uma disputa de grupos de rap e cultura popular a partir de temáticas feministas e sociais, toda programação voltada à conscientização e sensibilização para a tolerância e diversidade, como acentuam as organizadoras.

Para as feministas, a prefeitura tenta, em vão, enfraquecer o movimento, proibindo suas realizações de forma autoritária, através de burocracia e boicote direto à continuidade dos eventos ligados ao dia mundial de luta das mulheres organizados pelo movimento feminista 8M. “Fica evidente que essa é uma retaliação à liberdade e a luta pela igualdade e pela democracia”, acrescenta Shirley Azevedo, coordenadora do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Urbanas (MTU Santa Catarina) .  “Não vamos nos calar! Este chamado é para que os nossos direitos ao uso de espaços públicos continuem existindo e sejam respeitados! Essa luta é de todos e todas! Bora pra rua com Movimento Baque Mulher e 8M batucar pelos nossos espaços de direito!”, dizia a chamada convidando para o Cortejo Baque Mulher em repúdio ao boicote do encerramento do 8M!

 

CARTA DE REPÚDIO DO 8M SANTA CATARINA À PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS E AO CERCEAMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MOBILIZAÇÃO DAS MULHERES!

Prefeito Gean Loureiro, você não vai nos calar!

O oito de março é marcado pelo Dia Internacional da Mulher e, assim como em 2017, o movimento 8M Santa Catarina, que reúne mulheres de diversas representações da Grande Florianópolis, organizou suas ações para a semana do 8 de março com bastante antecedência. Entre as burocracias necessárias para ocupar espaços públicos da cidade, já bastante reduzidos para uso da cidadania, estão as licenças e protocolos, os quais o 8M Santa Catarina respeitou e organizou junto aos órgãos responsáveis. E, sim, obtivemos as licenças obrigatórias.

Acontece que a Prefeitura não fez sua parte. E não só isso: tentou ao máximo nos boicotar e calar nossas vozes. Em uma atitude deliberadamente machista e opressora, permitiu que a Feira da Alfândega acontecesse na quinta-feira, dia 8, justamente no dia previsto para a grande atividade das mulheres, preparada para aquele espaço das 7 horas da manhã até a noite. Ressaltamos aqui que a feira normalmente não abre nas quintas-feiras.

É importante enfatizar que apoiamos a agricultura familiar, as feirantes e os feirantes, e acreditamos que a feira é de extremo valor para fazer oposição às grandes multinacionais que dominam o mercado. As agricultoras e agricultores são nossas companheiras e nossos companheiros! Nossa crítica não é a eles, mas às autoridades municipais.

As ações da Prefeitura para boicotar e coibir as atividades de resistência neste dia foram evidentes, incentivadas, inclusive, pelo secretário da Prefeitura que insistiu que alguns feirantes ficassem bem em frente de espaços de nossas atividades, bloqueando e impedindo circulação. Em frente ao coreto, onde aconteceriam as atividades culturais, por exemplo, sobraram poucos metros livres. Além de tudo, a Prefeitura ainda tentou se aproveitar da nossa organização colocando seu balão de identificação. No mesmo dia, as mulheres conseguiram que o balão fosse retirado. A atual gestão da Prefeitura de Florianópolis não nos representa!

As atitudes de intimidação não param por aí.

No sábado, 10, as atividades do 8M Santa Catarina continuam e teríamos um evento no bar “La Kahlo”, espaço conhecido por ser reduto das mulheres e da comunidade LGBT, no centro de Florianópolis. Entretanto, foram inventadas pela Prefeitura algumas burocracias de última hora para liberação da atividade, mesmo com as taxas já pagas, documentos enviados e todos os protocolos respeitados pelo 8M Santa Catarina . Na sexta, 9, a Prefeitura começou a solicitar outros documentos. Quando representantes do 8M Santa Catarina chegaram com eles em mãos, as pessoas da Prefeitura, as que deveriam receber e liberar, disseram que “o expediente havia fechado”.

Eles acham que vão nos calar, mas se enganaram!

As mulheres organizadas no 8M Santa Catarina não se calarão. Vamos denunciar o boicote e a opressão machista da Prefeitura de Florianópolis aos quatro cantos. A retaliação à liberdade e à luta das mulheres pela igualdade e a democracia, assim como a hostilização, burocratização e criminalização do uso dos espaços da cidade por todos os movimentos será denunciada. A Prefeitura de Florianópolis, com o uso da burocracia e da força, vem cotidianamente fechando espaços públicos. Mas a cidade é de todas e todos. A Prefeitura não pode impedir que nos manifestemos. Não à repressão, aos golpes cotidianos nos direitos, aos ataques às trabalhadoras e trabalhadores, em todos os níveis.

Quando impede as mulheres de ocuparem espaços em Florianópolis, estão mexendo também com todas as mulheres do mundo, pois as atividades do 8M Santa Catarina acontecem junto com as atividades de mulheres em todos os continentes, numa ação global que levou milhões de nós às ruas no 8 de março. Em 2019 vai ser maior!

Contra qualquer abuso de autoridade, estaremos em luta, sempre! Nós, mulheres, não tememos burocracias e intimidações de nenhum nível. Resistimos até hoje e continuaremos resistindo! Estamos permanentemente organizadas e em #TempoDeRebelião.

 

 

 

Feminismo

“Estupro culposo”, culpa da vítima?

Publicadoo

em

Por Sonia Coelho*

O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.

A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.

O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”

A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.

Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.

O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.

O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.

Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências

A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.

São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.

No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.

Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.

Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade

Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.

Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.

Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.

O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.

(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.

Leia também:

Continue Lendo

Feminismo

Estupro e feminicio em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros

A cidade conhecida nacionalmente pelo clima esotérico, energia positiva e atrai turistas que exalam positividade, não tem sido um lugar seguro para as moradoras locais

Publicadoo

em

Republicação do jornal Metrópoles, por Anderson Costolli

APolícia Civil de Goiás (GO) investiga um caso de violência sexual que deixou os moradores de Alto Paraíso (GO), um dos principais destinos turísticos de Goiás, revoltados. Uma mulher, identificada como Oigna Rodrigues da Silva, 43 anos, foi estuprada e, devido aos graves ferimentos provocados pela brutalidade, morreu. Ela chegou a ser socorrida e encaminhada para o hospital da cidade, mas não resistiu.

O caso ocorreu nessa quarta-feira (16/9). Oigna foi encontrada em casa, por uma equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), bastante machucada e o Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu) foi acionado. A vítima recebeu o atendimento na unidade de saúde, com adoção dos procedimentos e protocolos indicados às vítimas de violência sexual, mas veio a óbito na manhã dessa quinta-feira (17/9).

A Secretaria Municipal de Saúde do município de Alto Paraíso disse que os serviços de segurança pública foram notificados das lesões que a paciente apresentava, através de exame comprobatório de corpo delito preenchido pelo médico de plantão.

O prefeito de Alto Paraíso, Martinho Mendes da Silva, repudiou o caso de violência e disse, por meio de nota, que acionou a PCGO, “solicitando uma atuação severa e investigação rigorosa”.

Oigna era uma mulher bastante conhecida no município. Por ter sofrimentos psíquicos, era atendida pela equipe da Secretaria de Assistência Social e do CRAS havia 12 anos, segundo a prefeitura.

Segundo o boletim de ocorrência, a vítima tinha um atendimento marcado com a assistente social do CRAS para quarta-feira (16/9), mas a paciente não compareceu. Desconfiada, uma equipe foi até a casa da mulher, que não atendeu a porta. Pela janela, uma das assistentes sociais avistou os pés de Oigna, que estava caída no chão.

Com a ajuda de uma vizinha, a funcionária do CRAS conseguiu entrar na casa de Oigna e a encontrou caída, de bruços, com vários ferimentos no rosto e com muito sangue no chão. “Ela estava sem consciência, sangrando, porém, respirando de forma ofegante”, consta no boletim.

Ao chegarem ao local, os atendentes do Samu fizeram os primeiros socorros e verificaram que o sangue na roupa da vítima já estava seco, o que indicava que os ferimentos haviam ocorrido tinha algum tempo.

Os sinais de violência sexual só foram identificados no hospital, no momento em que os funcionários da unidade davam banho em Oigna. “Ela possuía sinais de agressão física no tórax, seio, e também laceração na vagina, em decorrência de uma violência sexual”, diz o documento. Oigna aguardava pela transferência para um hospital em Goiânia, quando teve uma parada respiratória e faleceu.

Delegado da Polícia Civil de Goiás à frente do caso, Danilo Meneses diz que o crime foi cometido com requinte de crueldade. “Já identificamos um suspeito e pretendemos dar uma resposta à sociedade o quanto antes. O crime é realmente chocante. Inadmissível”, disse o delegado.

“Justiça por Oigna”

Nas redes sociais, um coletivo de mulheres de Alto Paraíso clama por segurança, uma vez que ninguém foi preso. O grupo organiza, ao menos, duas manifestações e exigem respostas das autoridades que investigam o caso.

Nesta sexta-feira (18/9), às 17h, ocorre a Marcha Justiça por Oigna, com concentração na Praça do Canãa. A orientação é que todas as mulheres compareçam ao protesto de roupas pretas e levem velas.

Uma nova manifestação está marcada para a próxima segunda-feira (21/9), desta vez em frente à Prefeitura Municipal de Alto Paraíso. O ato Justiça por Oigna começa às 10h.

Continue Lendo

Belo Horizonte

A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

Publicadoo

em

Texto: Lucas Bois
Revisão: Ágatha Azevedo

Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

Como começou

Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

Como é produzido

Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

“Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

Retorno dos ouvintes

As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

Democratização da comunicação

Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

Para onde vai essa Ciranda

O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

Continue Lendo

Trending