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América Latina e Mundo

Poucos dias antes de ser preso, Lula enfatizou integração da América Latina.

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Hoje, de brincadeira e repercutindo o debate da Bandeirantes, falamos em URSAL. Mas para Lula, integração da América Latina é coisa séria. Em um dos últimos eventos de que participou antes de se tornar preso político, Lula defendeu a integração da América Latina na Unila, Universidade Latino Americana, localizada na tríplice fronteira entre Argentina, Paraguai e Brasil e que tem como missão oficial promover a integração da região.

A união da América Latina pela sua independência econômica dos países do eixo Estados Unidos Europa é assunto sério e a política externa aplicada desde o golpe vem justamente para retroceder nas realizações dos governos Lula e Dilma em relação ao Mercosul e ao desenvolvimento econômico conjunto da região. O golpe quer recolocar o Brasil numa posição de subserviência colonizada.

A integração era o sonho de Bolívar, de Martí. Lula abraçou essa idéia na democracia.

Segue o discurso que ele fez na ocasião, em que encontrou Fernando Lugo, presidente Paraguaio que sofreu um golpe Parlamentar em 2012:

“Quando pensei em criar uma universidade de integração com a América Latina, e criar uma universidade de integração com o mundo africano [Unilab], tinha em mente uma coisa que me envergonhava. Me perguntava como Cuba, um país do tamanho de Pernambuco, com população de 10 milhões de habitantes, com um PIB pequeno, renda per capita baixa, como Cuba dava tantas bolsas de estudo a meninos pobres da América Latina para estudar lá”, relatou o ex-presidente.

“Pensava porque a Argentina e o Brasil não podiam fazer. A única explicação que encontrei não era falta de dinheiro, era falta de interesse político de contribuir para que as pessoas mais pobres da América Latina tivessem acesso a universidade”.

Lula lembrou que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, o último a fazer a independência, o último aonde a mulher teve direito ao voto e o último a ter uma universidade.

“O Brasil tem menos aluno na universidade do que o Chile, do que a Argentina e proporcionalmente menos que outros países”, relembrou Lula.

“Eu achava que a Unila era importante também para contar a história do nosso continente, que sempre foi tratado como quintal do nosso Império”.

“Fiquei pensando, porque se a gente muda a geografia mundial, a economia e a política, porque não pode fazer universidade de integração. Nada melhor que Itaipu para fazer a universidade. Da mesma forma pensei em fazer a Unilab para integrar o Brasil e os povos africanos, porque a dívida que o Brasil tem de 300 anos de escravidão não pode ser paga com dinheiro, só pode ser paga com gestos, com solidariedade, com transferência de tecnologia”.

Lula afirmou que teve dois motivos para começar a caravana pelo Rio Grande do Sul. “Primeiro queria prestar homenagem no túmulo do Getúlio Vargas, do João Goulart e do Brizola, por causa do desmonte da legislação trabalhista brasileira que foi feita em 1943, que ninguém podia dizer que não era boa. Ninguém poderia deixar de reconhecer que o Getúlio deu cidadania ao povo brasileiro”.

“Eu sou o único presidente que não tem diploma universitário e sou o presidente que mais fez universidade no Brasil. Eu faço isso um pouco pra provocar, porque você percebe que governar não é ter diploma. Governar é saber quais são as prioridade do país e saber para quem governar”.

“Eu sou o único presidente desse país que todo ano me reunia com todos os reitores das universidades. Os outros presidentes não se reuniam com reitores porque eles iriam levar reivindicações. Em oito anos consecutivos me reuni com reitor e aprendi para caramba”.

Lula relatou a perseguição que tem sofrido por parte de grupos fascistas desde que chegou no Rio Grande do Sul. Primeiramente na cidade de Bagé, depois em outras cidades como Passo Fundo, São Leopoldo e Chapecó, sendo que nesta última tentaram evitar o pouso de seu avião. “Em alguns estados foi engraçado porque os agressores estavam ali, a polícia ficava olhando e por cima da policia tacando pedras e paus”.

“Eu to contando isso para contar que enfrentamos uma barra que pensei que nunca aconteceria. Agora vamos terminar nossa caravana em Curitiba. Nós somos de paz, mas a única coisa que não aceitamos é provocação”.

“As pessoas tem que ser ensinadas a conviver democraticamente. Não queremos que as pessoas não se entendam porque são de partidos diferentes. Esse ódio começou a ser vendido nesse país de fora para dentro. Estou convencido que as manifestações de julho de 2013 tem o dedo norte americano”, afirmou Lula.

“Tem interesse de privatizar a Petrobras, fraquejar o Brasil diante do mundo, porque não querem que tenha soberania. Não querem integração. O fato da gente fortalecer o Mercosul na cara do Bush em Mar del Plata”.

“Quando descobrimos o pré-sal, que foi a mais importante descoberta de petróleo no século 21, o que fez o EUA: colocou para funcionar a Quarta Frota do Atlântico, que estava desativada. Em resposta criamos o Conselho de Segurança da Unasul”.

“Tenho a impressão que os Estados Unidos nunca aceitou a aproximação de Brasil e Argentina, Brasil e Colômbia, Brasil e Paraguai. O acordo que a gente tinha com Paraguai era um acordo leonino. O Brasil fez um acordo com Paraguai e cada país tinha 50% de energia. O acordo dizia que o Paraguai tinha metade da energia produzida e usava na medida que precisasse economicamente. O acordo dizia que não poderia vender a energia para terceiros, só para o Brasil. Refizemos o acordo e o Paraguai começou a crescer economicamente”.

“Essa gente contra a integração não sabe que um pais do tamanho do Brasil, com a população do Brasil, tem a obrigação moral de fazer política de integração. Tem um bando de vira lata que fica puxando o saco dos Estados Unidos. Os argentinos também preferiam os Estados Unidos, o brasileiro preferia os Estados Unidos, o Paraguai prefira os Estados Unidos, achando que tudo feito lá era ótimo e aqui não valia nada. Eu acho que o que a gente faz aqui vale pra cacete, vale muito”.

“Só a titulo de recordar a memória, vou dar números. O fluxo de comércio entre Brasil e América Latina era de apenas 19 bilhões de dólares em 2003, em 2013 era 95 bilhões. Nosso comércio com a América do Sul em 2003 era de 15 bilhões de dólares, em 2013 era de 73 bilhões. O fluxo no Mercosul era 10 bilhões de dólares em 2003, em 2013 era de 50 bilhões”.

“Prestem atenção, o fluxo comercial com a Argentina era 7 bilhões de dólares, quando deixamos a preside era de 36 bilhões de dólares. O fluxo internacional era 7 bilhões e passou para mais de 40 bilhões de dólares”.

“Cito esse números para dizer que a integração de um continente, com a política comercial justa, rende muito mais para o Brasil do que se a gente vende para Inglaterra, França. É muito mais fácil comprar do Paraguai e Uruguai e vender para eles do que da Europa”.

“Nós provamos que integração da América Latina é muito importante, a integração da América do Sul é muito importante, o Mercosul era muito importante”, afirmou Lula.

“O superávit do Brasil com a Venezuela era de 5 bilhões de dólares. Por isso inventamos de fazer a refinaria de Abreu e Lima, para comprar alguma coisa da Venezuela, para equilibrar as contas, depois produzir aqui, misturar óleo pesado com o leve. Comércio é via de duas mãos. Tem que comprar e tem que vender, tem que haver equilíbrio”.

“Integração é importante na América Latina porque temos mais de 570 milhões de habitantes. Não podemos é valorizar o que a gente compra e desvalorizar o que a gente vende. A integração é necessidade de sobrevivência nesse continente onde o sistema financeiro não financia mais papel, caneta ou óculos. O sistema financeiro especula na bolsa, e quando quebra, como quebrou nos EUA, os americanos gastaram 13 bilhões de dólares e não resolveram o problema”.

“Eu não consigo enxergar nenhum dos nossos países ser soberano se a gente não tiver política de desenvolvimento comum. O Brasil tem que compartilhar com seu seus vizinhos. O mais rico tem que ter política favorável aos mais pobre. Assim teremos integração na América Latina”.

“Não querem que a gente se dê bem, querem a gente brigando entre nós. A diplomacia as vezes não se entende, muita vaidade, a gente briga e eles mandado na gente. A União Europeia não quer que a gente venda produto de valor agregado, que a gente se industrialize. Quer compra soja e vender carro, maquina de medicina. Como a gente vai passar a vida inteira só sendo exportador de commodities”.

“Queremos exportar conhecimento, inteligência. Por isso temos que investir nas universidade de integração. Eu sei que é difícil fazer”.

“Acho que no nosso período de governo vivemos o melhor momento de integração de toda a América Latina. O Chávez era professor da academia militar na Venezuela e cansou de dizer para mim e pro Lugo que a aula dele era para dizer que o Brasil era inimigo. Quem dizia para ele que o inimigo era o Brasil eram os Estados Unidos”.

“Quando foi feito Itaipu, os generais argentinos queriam construir uma bomba atômica para se precaver contra o Brasil, porque Itaipu ia alagar Buenos Aires. Era assim a cabeça das pessoas. Todo mundo achava o Brasil muito grande”.

“A soberania do nosso continente não é algo pequeno. A soberania é tomar conta do nosso território, é tomar conta da fronteira sem impedir que as pessoa26s transitem livremente entre os países. É dizer que a floresta, quem tem que cuidar é cada pais de forma soberana. É dizer que cada país tem que cuidar da sua água”.

“O Brasil é o único país do mundo que tem na constituição que é contra armas químicas e bomba atômica. Tanto americanos quanto russos, ao propor que mundo repudiasse armas atômicas não diminuíram as deles. Agora estamos de estilingue e eles de armas nucleares.”

“Respeito é bom, nós temos que aprender a dar, mas temos que exigir receber. Eu estou nessa empreitada porque to vendo a sacanagem que estão fazendo no Brasil.”

“Na década de 1960 começaram a dar golpe na América Latina. Antes do golpe mandavam matar os presidentes, depois eles sofisticaram e resolveram dar golpe militar. O problema é que os militares não querem mais sair. Agora inventaram coisa sofisticada: um conluio entre os meios de comunicação, setores do Ministério Público, da Polícia Federal e do judiciário.”

“É uma mentira que se inventa e se repete. No meu caso disseram que eu tinha um apartamento. Se eu fosse dono tinha que ter um titulo. Inventaram uma historia de uma offshore do Panamá. O sonho do Moro era me levar para a Lava Jato. Se fosse julgado por um apartamento que não era meu teria que ser em São Paulo.”

“Eu falo bravo porque estou indignado. Não posso admitir que digam que sou dono de uma coisa se não sou dono dessa coisa. Nesse momento estou brigando em defesa da minha honra, da minha inocência. O Globo mente, a Polícia Federal mente, o Ministério Público mente e o Moro mente ao aceitar a peça mentirosa.”

“Depois vai para o TRF4. Por isso não respeito a decisão, porque se aceitar a decisão de uma mentira, quando minha neta crescer vai sentir vergonha do avô que foi covarde e não teve coragem de brigar. Além de acreditar na integração latino-americana, da América do Sul, da América do Sul com a África, eu quero agora mais do que nunca ser candidato a Presidência da República desse país.”

“Temos que fazer um referendo revogatório ou convocar uma constituinte nova porque a constituinte cidadã de 1988 eles rasgaram. Temos que resgatar a integração com a América Latina. Não podemos deixar vender o BNDES, o Banco do Brasil, a Petrobras e não entregar o petróleo do povo para garantir educação para a juventude brasileira. A primeira coisa que eu disse quando a gente descobriu o pré-sal é que seria o passaporte para o futuro Brasil.”

“Se eles pensavam que eu estava velhinho, que eu não queria brigar. Sou mais velho que Requião, mas eles não sabem o que é um pernambucano com 72 anos de idade. Em busca da minha inocência, em busca do respeito que quero que tenham comigo, porque não estou acima da lei, mas quero que julguem o mérito do meu processo.”

“Quero que saibam. Me prender para que? Para me tirar da rua? Estarei na rua pelas pernas de vocês, pela vontade de vocês, pela boca de vocês.”

“De mentira em mentira eles deram um golpe. O Temer assumiu a Presidência da República, a gente dizia que não iam mudar a legislação trabalhista e mudou, só não mudou a previdência por causa das pesquisas. Ele trocou uma pauta com 90% da população contra por outra que tem 90% da população favorável.”

“Vocês são todos jovens, a gente não tem limite para brigar pela democracia. Democracia não é dizer que quer estudar, é estudar. Não é dizer que está com fome, é comer. Não é dizer que quer cultura, é ter acesso.”

“Eu descobri com esse golpe que a democracia nesse país é exceção. Se vocês querem uma motivação de luta, não se preocupem com o que está acontecendo com o lula, se preocupem com o que está acontecendo com esse país, porque se a gente vai voltar a ser um país sem soberania, eles vão tomar conta daquilo que nós temos aqui no Brasil.”

“Mesmo que eu tiver um minuto, esse minuto será dedicado para a gente recuperar a possibilidade de integração da América Latina e para recuperar esse país. Esse país não pode ter complexo de vira lata, esse país é grande. A gente tem que ter autoestima, coisa que aprendi com uma mulher que morreu analfabeta aos 70 anos.”

Depois de falar dentro do auditório da Unila, Lula foi ao lado externo da universidade, onde conversou com mais jovens. “Tenho a Unila como uma das coisas mais importantes que fiz como presidente da república. Sempre achei que o Brasil como é o maior país da América Latina, mais rico e mais industrializado, tinha que promover o processo de integração.”

“Educação nunca custa caro, porque conhecimento não pede concordata nem entra em falência. Uma vez adquirido ajuda o país a se desenvolver, ser competitivo do ponto de vista da tecnologia e das trocas comerciais”, finalizou Lula.

*Com informações da Agência PT.

 

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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