Por Ruy Samuel Espíndola*
O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.
Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.
Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .
O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.
O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.
Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.
O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.
E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.
Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.
Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente pela Suprema Corte eleitoral brasileira.
Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.
A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.
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Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes.
Inácio da Silva
18/12/18 at 15:45
Que necessidade de criar assunto…já está na hora de aceitar que ele foi eleito pela maioria…assim de simples…se o eleito tivesse sido do PT… ninguém estaria enchendo o saco do cara com mimimi…
Elizabeth Correia
19/12/18 at 19:55
QUE maioria? Aquelas doa disparos das fake news ? O LADRÃO DE FURNAS E PROPINEIRO DA JBS . O PINÓQUIO MENTIROSO DO KIT GAY E DA BÍBLIA E DA BIBLIA?
Juarez B. da Cruz
18/12/18 at 15:55
Sra. Martha,
Antes de mais nada, devo-lhe informar que não votei em Bolsonaro, muito menos em Haddad, embora seja filiado ao PT.
Não obstante não veja porque dos questionamentos quanto ao aparato de segurança montado para protege-lo quando sabemos que Lula da silva torrou bilhões dos cofres públicos durante e depois de seu mandato, além de 21 milhões por uma campanha sabendo que estava inelegivel, isto sem falar nos cerca de 32milhões gostos por Fernando Haddad para sua campanha.
Sempre fui militante de esquerda, mas da esquerda que não se apropria do dinheiro público em detrimento do bem estar do povo, e fico indignado com a ignorância ou conivenvência de setores da esquerda que parecem ter memoria curta e acham que o que aconteceu no petista foi algo que se deva esquecer, mas no governo dos outros é estarrecedor.
Criminoso de esquerda ou de direita é o mesmo criminoso, não importa o que de bom ele tenha feito. E não me venham com essa ladainha de que Lula foi preso sem prova.
Juarez.cruz@uol.com.br
Salvador-BA
Elizabeth Correia
19/12/18 at 19:59
VOCÊ NUNCA FOI PETISTA . LULA É PRESO POLÍTICO FOI PRESO SEM PROVAS , POR DELAÇÕES PREMIADAS DE PESSOAS SEM ESCRÚPULOS E TENDENCIOSA. PARA ME LIVRAR DA CADEIA ENTREGARIA ATÉ A MÃE DESSE TAL DE PALLOCCI .
Ismenia Carolina Mota Gomes Bosco
18/12/18 at 16:07
Vou te explicar, bozonazi !
Porque a eleição foi fraudada, já que prenderam o verdadeiro presidente que seria ELEITO, para impefi-lo de participar do pleito e usaram milhões em FAKENEWS, doados por meio de CAIXA 2, que é corrupção, para impedir a vitoria do Haddad, indicado por LULA!!!!
Ok ou quer mais !!!
Sandro
18/12/18 at 16:37
A proteção é uma resposta necessária contra pessoas que não aceitam a democracia, não o contrário!
Washington
18/12/18 at 17:23
Ninguém estaria enchendo o saco??? Já estariam é falando em impeachment.
Papai Sacudo
18/12/18 at 18:41
kkkkk mano é sério isso?
Mônica França Vasconcellos
18/12/18 at 19:16
Juarez B. da Cruz, um partido com um filiado amigo e leal desse jeito não precisa de inimigos! Conta outra, meu filho!
Edna
18/12/18 at 19:24
Incompetente e covarde, isso é o mínimo que podemos falar do presidente eleito por um povo ignorante e sem noção alguma de consciência de sua classe, não pretendo discutir com pseudireitistas o embasamento desses conceitos, os senhores têm razão, ele venceu, e as regras da democracia me dizem que tenho que respeitar esse resultado, não aceita lo, muito menos calada, assistirei de camarote o assentamento do destino terrível reservado a maioria de nós, a maioria do povo pobre deste desta nação e até da tal classe média que vai aprender a duras penas que a ascensão que exoerimentou não é e nunca foi permanente, e que se tivesse um pingo de hombridade e bom senso teria lutado para mantê la, tempos terríveis virão e nós merecemos isso.
PB
19/12/18 at 7:18
O facada que esse ser vai receber não é do público, vem lá de dentro, da cúpula que senta a sua mesa para o café da manhã. Abre o olho Bozonaro, Mourão tá na tua cola.
Ulisses
19/12/18 at 9:15
Será que não tem nada a ver com o fato de Bolsonaro ter sofrido uma tentativa clara de assassinato vinda de um integrante do povo durante a campanha? Seja por quais motivos aleguem para essa tentativa (a motivação não vem ao caso, vem ao caso o fato pois há loucos de esquerda e loucos de direita), ocorre que se fosse Haddad a vítima do atentado, e o mesmo tivesse vencido a eleição, uma maior preocupação com a segurança do eleito também seria legítima! Ou seja, tanto Bolsonaro quanto Haddad estariam exercendo seu direito de ter um esquema de segurança diferenciado para a posse, bem como para o mandato. Entender isso é tão básico que o questionamento chega a ser uma infantilidade.
Elizabeth Correia
19/12/18 at 20:06
FACADA FAKE NEWS . ESSE CARA É UM COVARDE ARREGÃO CAGÃO. Por que será que não diz a verdade? Foi atendido pelo médico o oncologista que operou HEBE CAMARGO. Ele tá com câncer no intestino. Por que esconde a doença? Rico acha que doença não pode dar nele. PARA que Esconder que está doente
Natália
19/12/18 at 12:14
Acho que ele deveria aproveitar muito bem sua posse. Será um momento breve… tão breve quanto será seu governo.
Elizabeth Correia
19/12/18 at 20:08
Natália também acho. Só quem conhece ele como eu, sabe que tem algo errado com ele. Cara de doente. Ele não era assim. PARA que esconder que não está bem de SAÚDE.
Joaquim de Andrade
21/12/18 at 10:10
A ELEIÇÃO ACABOU,,O PRESIDENTE FOI DIPLOMADO, JUNTAMENTE OS SENADORES E DEPUTADOS. QUEM BEIJOU ,BEIJOU.AGORA SÓ ESPERAR 4 ANOS. VAMOS VER QUEM TEM GARRAFAS PARA VENDER.