Conecte-se conosco

Artigo

Por que certa elite quer o parlamentarismo?

Publicadoo

em

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com charge de Genildo

 

O tempo costuma passar mais rápido em experiências de crises tão agudas como essa que vivemos aqui no Brasil desde 2013.

Mal nos recuperamos do grave desabastecimento provocado pela greve/lockout dos caminhoneiros e a crônica política cotidiana nos coloca diante de mais uma questão que diz muito sobre a crise, que diz muito sobre o Brasil.

Estou falando da decisão da ministra Carmem Lúcia, presidenta do Supremo Tribunal Federal, de colocar em discussão o regime político brasileiro, dando à plenária da suprema corte a prerrogativa de decidir, sem consulta prévia à nação, se devemos ser governados por uma República presidencialista ou parlamentarista.

Aos 45 minutos do segundo tempo, por algum motivo que ainda não está claro, Carmem Lúcia recuou e desistiu de pautar a matéria, o que não quer dizer que a discussão tenha sido encerrada.

Desde que a crise institucional se aprofundou, ainda no mandato da presidenta Dilma Rousseff, que os grupos políticos que se envolveram diretamente na conspiração que golpeou a mandatária eleita em 2014 acalentam o velho sonho do parlamentarismo, que há muito embala o sono da elite do atraso.

Por que parte das elites brasileiras deseja tanto a implementação do parlamentarismo no Brasil?

É pra essa pergunta que ensaio uma resposta neste texto.

Desde já adianto o argumento que me acompanha até o fim desta reflexão: aquilo que há de mais reacionário e atrasado nas elites brasileiras vê no parlamentarismo a possibilidade de uma democracia sem povo.

É que pras nossas elites, as elites da terra, as elites do atraso e dos privilégios, a democracia não passa de formalidade a ser ostentada para a opinião pública internacional.

Trata-se uma gente colonizada que morre de medo de levar a pecha da barbárie. É como se a elite do atraso fosse aquele homem endinheirado mas de hábitos brutos que precisa de traje alinhado para frequentar a high society e dizer “vejam como sou civilizado e limpinho”.

O problema é que a democracia é um combo e traz consigo um probleminha: o tal do povo, sempre tão perigoso e temido. É aqui que o parlamentarismo se torna uma solução, se torna a possibilidade de uma democracia devidamente saneada, controlada e segura.

Ao longo da história moderna, o parlamentarismo teve diversos formatos, que podem ser resumidos a um aspecto central que bem define essa experiência de governo: o enfraquecimento da instituição Presidência da República.

Na perspectiva liberal, esse enfraquecimento é visto como algo positivo, pois o voto para cargos legislativos teria maior capacidade de representar os interesses dos eleitores do que os votos direcionados aos cargos executivos.

Segundo o princípio da representação liberal, o parlamentar, na medida em que é eleito na localidade, está mais próximo do eleitor e, por isso, é mais capaz de representar os interesses da comunidade que o elegeu.

Acontece que em uma sociedade de modernização incompleta como é o Brasil, o voto para cargos legislativos, justamente por serem regidos pelos interesses locais, são mais sensíveis às pressões e cooptações que acabam falseando a representação política.

No Brasil, o bairro, o distrito, a comunidade, são territórios dos mandatários locais, que ora podem ser o fazendeiro, o traficante, o miliciano ou até mesmo o pastor neo-pentecostal. Com uma estratégia que combina violência, favores financeiros imediatos e vínculos de foro íntimo, essas lideranças condicionam a escolha do eleitor.

Ou em outras palavras: o eleitor pobre brasileiro quando vota para vereador, deputado estadual, senador e deputado federal tende a basear sua escolha no medo de uma agressão física, no interesse financeiro imediato ou em relações de parentesco e amizade. Chamo esse voto de “paroquial”, pois ele é praticamente desprovido de qualquer conteúdo programático geral, sendo regido, apenas, pela dinâmica de interesses nada republicanos.

Quero dizer, então, que o eleitor pobre não é capaz de se fazer representar pelo voto?

De forma alguma! Somente um elitista incorrigível seria capaz de dizer tamanha bobagem!

Estou dizendo apenas que por uma série de motivos, típicos de uma sociedade extremamente desigual e que ainda não foi capaz de se modernizar plenamente, essa representação não se dá pelo voto direcionado aos cargos legislativos.

A representação da vontade do eleitor mais pobre acontece através do voto destinado aos cargos executivos, especialmente à Presidência da República.

Há aqui uma racionalidade eleitoral que reúne cálculo e afeto.
Trata-se um tipo de representação política que contraria os preceitos liberais e faz da Presidência da República o coração da democracia à brasileira.

O brasileiro pobre sabe exatamente o que está fazendo quando vota para Presidente da República.

O brasileiro pobre sabia exatamente o que estava fazendo quando elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso. Por uma sensibilidade prática, as pessoas identificaram a figura de FHC com a estabilidade econômica, o que no cotidiano dos brasileiros pobres assumiu a forma do controle da inflação.

– Como estava a vida antes de Fernando Henrique ser presidente?

– Tudo caro nas prateleiras dos supermercados.

– Como ficou depois?

– Melhorou. Passamos a viver melhor.

– Pronto. Vamos votar no cabra!

A partir do momento em que a imagem de Fernando Henrique Cardoso deixou de estar associada ao controle da inflação e começou a representar o desmonte do Estado, o príncipe dos tucanos passou a ser o maior queimador de filmes da política nacional. Todos que colaram nele e tentaram reivindicar o seu legado foram rejeitados nas urnas.

O povo não é burro. De burro tem nada não.

O povo pobre sabia exatamente o que estava fazendo quando elegeu e reelegeu Lula, quando elegeu e reelegeu Dilma. É que chegou um momento em que apenas estabilidade econômica passou a ser pouco.

O povo queria mais, queria o Estado atuando como agente provedor de direitos sociais. O povo enxergou no Partido dos Trabalhadores e na liderança de Lula o projeto político capaz de viabilizar esse desejo.

É isso que explica a sobrevivência política de Lula, mesmo após quatro anos de intenso bombardeio. Qualquer outro já estaria destruído.

Lula lidera com folga as pesquisas eleitorais e seria eleito mesmo preso, talvez em primeiro turno. Não é só carisma. É cálculo. É estratégia. É o povão fazendo política.

O brasileiro pobre olha para Lula e vê a possibilidade de uma vida mais digna. Vê água na torneira. Vê luz elétrica. Vê crédito facilitado. Vê conforto. Vê consumo.

– Você vai votar em quem?

– Em Lula, é claro!

– Mas ele tá preso. Ele roubou. Deu no Jornal Nacional.

– Ah sei lá. Só sei que com ele a vida estava melhor. Vou votar nele mesmo.

Quando o eleitor pobre vota para a Presidência da República, ele está menos exposto à cooptação das elites da terra, das elites do atraso e mais comprometido com os seus próprios interesses. As elites do atraso sabem disso.

As elites do atraso sabem perfeitamente que ao longo da história do Brasil moderno (de 1930 para cá), as eleições presidenciais lhes trouxeram mais derrotas que vitórias. Tá aí o aspecto incômodo do regime presidencialista: quando vota pra Presidente da República, o povo pobre efetivamente escolhe.

É por isso que o parlamentarismo é o velho sonho das elites do atraso, sendo o principal projeto institucional do golpe em curso no Brasil.

Numa República parlamentarista, com a instituição Presidência da República enfraquecida e esvaziada, o povo pobre pode eleger quem quiser que o poder político efetivo estará nas mãos do Congresso Nacional, dos mandatários locais eleitos pelos fazendeiros, pelos traficantes, pelos milicianos, pelos pastores neo-pentecostais.

Num Brasil parlamentarista, a real vontade dos mais pobres não seria representada no plano da política institucional.

Sei bem que muitos companheiros de luta são traumatizados com a memória da ditadura militar e, por isso, vivem às voltas com o receio de uma nova intervenção militar que reconduziria as forças armadas ao controle do Estado brasileiro.

Uma intervenção militar desta natureza é mais que improvável. Os tempos são outros: não há mais a polarização ideológica da Guerra Fria, as forças armadas não possuem mais doutrina de governo. O que existem por aí são três ou quatro generais de pijama, sem tropas, buscando likes no twiter.

As Forças Armadas estão dóceis ao poder instituído e se tiverem que ir a campo farão no melhor estilo pretoriano: sem nenhum protagonismo, para garantir a “lei e a ordem”, o que na prática significa defender os interesses do golpe neoliberal, um golpe civil, togado e chancelado pelo Sistema de Justiça.

É fundamental superar os antigos traumas para que nossos sentidos sejam capazes de perceber os novos perigos.

O parlamentarismo, sim, é uma ameaça gravíssima e uma necessidade de primeira urgência para o golpe neoliberal.
O golpe neoliberal não fecha sem o enfraquecimento da instituição Presidência da República. O golpe neoliberal não encontrou candidato viável capaz de defender a sua agenda nas urnas.

Por isso, o golpe neoliberal precisa, desesperadamente, do parlamentarismo.

Hoje, o parlamentarismo seria mais desastroso para a nação do que qualquer ditadura militar. O parlamentarismo seria capaz de reivindicar a formalidade democrática e expulsar a vontade popular do jogo político, pra sempre.

Tá aí o velho sonho das elites do atraso. Essa gente é insistente e perigosa.

Continue Lendo
2 Comments

2 Comments

  1. Francisco Xavier de Bastos

    10/06/18 at 20:52

    porque a elite não respeita Democracia e nem Constituição. pra eles tanto faz, se provocar uma revolução civil no país é melhor ainda, pois a justiça está presa em suas mãos.

  2. Webber

    14/01/20 at 10:58

    O texto reflete um estado de desperança irreversível, imutável e perene.
    Para as elites, tanto faz o regime que se tenha, pouco ou nada vai mudar para este grupo.
    Já para o eleitor médio, ficaria a possibilidade de que com uma diversidade de cabeças, os erros pudessem ser menores e as mudanças mais rápidas.
    Veja, o estado de coisas em que se encontra o país. Nada, funciona, a miséria crescente, o presidente e sua trupe sequer avaliam o que representa ganho. Vão destruindo e desqualificando tudo o que entendem ser contra suas teses. Instaurou-se um fundamentalismo violento, covarde, baseado no que de pior e mais retrógrado existe. Foi eleito depois de um golpe, legitimamente, nas urnas eletrônicas tão atacadas.
    O povo não é burro. De burro tem nada não…O NÃO é uma partícula que as crianças não entendem. Se o povo sabia o que fazia quando elegeu FHC, Lula e companhia, também saia o que estava fazendo em 2018. Na verdade, você reafirma a máxima do Rei do futebol.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigo

LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

Publicadoo

em

Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

Continue Lendo

Artigo

OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

Publicadoo

em

 

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

Continue Lendo

Artigo

Armai-vos uns aos outros

Publicadoo

em

Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

Continue Lendo

Trending