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População na Irlanda aprova casamento igualitário e coloca em xeque o poder da Igreja

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Foto: Pedro Machado

62% dos irlandeses disseram sim em uma decisão inédita tomada por decisão popular

Quem andou pelas ruas da Irlanda nos últimos meses se deparou com uma disputa de espaço entre placas de Sim e Não. Isso porque o dia 22 de maio de 2015 já entrou para a história do país. Um referendo inédito no mundo colocou nas mãos da população o poder de decidir pela aprovação, ou não, do casamento civil igualitário, o famoso casamento gay.

Foto: Caio Bibiano

Com 62%, a vitória do Sim foi chamada de “esmagadora” por jornais irlandeses e também em um comunicado do tradicional partido de esquerda, o Sinn Féin.

A Irlanda, que até 1993 criminalizava a homossexualidade, acaba de entrar para o grupo de apenas 20 países, que desde 2010 inclui o Brasil, onde pessoas do mesmo sexo estão asseguradas perante a lei para se casar.

Na Irlanda, o voto não é obrigatório. Mesmo assim, mais de 3,2 milhões de eleitores foram às urnas no país, e em somente uma região, entre as 43 áreas de votação, o Sim perdeu. A adesão da juventude foi massiva e importante para a campanha chamada Yes Equality. A mais famosa drag queen da Irlanda, Panti Bliss, codinome para o ativista irlandês Rory O’Neill, 47, lembra que os últimos meses foram difíceis para gays, lésbicas e transexuais irlandeses. “Quando andávamos pelas ruas e víamos as placas de Não, parecia algo pessoal, pois as pessoas estavam falando sobre você e muitas vezes te desvalorizando”.

A campanha pela igualdade ganhou ainda mais visibilidade quando, no começo deste ano, o atual ministro da saúde, Leo Varadkar, assumiu publicamente sua homossexualidade. Pelas ruas, voluntários se empenharam em pedidos de voto, reuniões, comícios e, inclusive, batendo de porta em porta. Panti conta que foi encorajador ver a comunidade gay se unindo e recebendo apoio de mães, estudantes e heterossexuais.

União Civil versus Casamento Igualitário

Na Irlanda, desde 2010, gays e lésbicas já podem praticar a união civil, porém, há diferenças entre união civil e casamento como a proteção do segundo pela Constituição e a adoção de crianças, o que levantou grande parte da polêmica entre Sim e Não.

Foto: Caio Bibiano

Com a vitória do Sim, anunciada em clima de festa no Dublin Castle, região central de Dublin, capital do país, na tarde do último sábado, 23, o passo seguinte será a alteração do artigo 41 da Constituição. A partir de então, haverá uma especificação, na qual o casamento se dará, de acordo com a lei, entre duas pessoas sem distinção de sexo. O governo estima que entre todos os trâmites, a atualização deve entrar em vigor em cerca de três meses.

Na Irlanda, toda emenda constitucional é colocada em votação pública. Também na última sexta-feira, 22, irlandeses decidiram por manter a idade mínima de 35 anos para ser presidente do país, indo contra a proposta de redução para 21 anos de idade.

Pesos e Medidas

De um lado, a campanha em prol do casamento igualitário pedia igualdade de direitos, ressaltando que se trata de um casamento civil e, portanto, não afetaria matrimônios religiosos. Do outro, a campanha pelo Não reivindicava o direito de uma criança ter um pai e uma mãe, entre outros argumentos.

O período de campanha foi marcado por polêmicas de diversas naturezas. Em placas espalhadas pelo país, uma imagem sem autorização foi associada ao Não. No entanto, pai e mãe que aparecem na fotografia se manifestaram em um comunicado oficial, esclarecendo que além de não terem permitido o uso da imagem, apoiam o casamento igualitário.

Entre os argumentos do Não, insinuaram, por exemplo, que a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo poderia abrir uma brecha e que, no futuro, poderia ser aprovada uma lei para barriga de aluguel, o que criaria um tipo de mercado para “encomenda de crianças”.

Tradição Religiosa

Com a vitória do Sim, há preocupação por parte da Igreja Católica, que já esboça uma reação à resposta do plebiscito irlandês considerando fazer “uma revisão da realidade”, de acordo com entrevistas concedidas pelo bispo Diarmuid Martin. Posicionamentos de católicos como o do auditor fiscal Rob Hanlon, 26, é um exemplo. Para Hanlon, “a orientação sexual de uma pessoa não pode defini-la aos olhos da lei. Não há motivos para eu poder casar e alguns dos meus amigos não”, diz.

A juventude questionou paradigmas de tradição na hora de votar. Andrew Keneddy, professor, 26, diz, “eu não considero opiniões religiosas em questões sobre igualdade”, afirmou.

“A sua religião não deve afetar a felicidade dos outros. Se eu tiver filhos homossexuais quero que eles possam se casar com quem amam e sejam vistos como um casal perante a Constituição”.

Hillary Fagan, jornalista e membro do grupo religioso Mothers and Fathers Matter, diz que na própria Constituição consta que “nenhuma autoridade é maior que a da família”, e o casamento seria o início da criação de uma família. “É a união entre um homem e uma mulher com o objetivo de procriar. Não queremos que isso seja alterado”.

Para a enfermeira e eleitora do Não, Lucy McDonald, 57, a preocupação em “proteger as crianças” a motivou a votar contra o casamento igualitário. Mesmo motivo de sua colega de profissão, Karen Ludden, 24. “Não sou contra gays, mas devemos preservar o direito natural de crianças terem um pai e uma mãe”, diz.

Foto: Acássia Deliê

A influência do cristianismo na Irlanda é confirmada por números. No último censo, de2011, 90% da população se declarou cristã, sendo 84% da Igreja Católica Apostólica Romana. O cristianismo está enraizado na cultura irlandesa de modo que a festa mais conhecida do país é a comemoração do Dia de São Patrício, santo católico e padroeiro da Irlanda. Além disso, a maior parte das escolas públicas é administrada por membros da Igreja.

Uma vez que a Igreja Cristã considera a homossexualidade pecado, organizações religiosas envolveram-se diretamente na campanha em prol do Não, entre outros motivos, baseadas nas suas convicções de fé. O pastor Samuel Mawhinney, da Igreja Presbiteriana, diz que a definição de casamento dada por Deus, no livro Gênesis, da Bíblia, corresponde a uma união entre um homem e uma mulher. “Jesus reforçou isso nos evangelhos e o apóstolo Paulo usou o casamento entre homem e mulher para representar a relação entre Jesus Cristo, o noivo, e a Igreja, a noiva. Para mim, isso é casamento”.

Mawhinney não hesita em justificar sua campanha em crença religiosa. Porém, rebate o argumento de que a Igreja não deve se envolver em uma questão sobre direitos civis. Para ele, uma vez inserida na sociedade, a Igreja também deve participar do debate. “Mesmo entre cristãos, muitos acreditam que Estado e Igreja devem ser totalmente separados. Eu acredito que Deus está na sociedade, mesmo que a sociedade ignore o que Ele diz.”

“A Irlanda não é governada pela Igreja Católica”, Panti Bliss

Em um texto para o jornal irlandês The Independent, Panti defendeu que a Irlanda não é um país governado pela Igreja Católica. E depois de visitar o Dublin Castle, onde o anúncio oficial do governo irlandês foi feito em uma tarde de sol com direito a arco-íris no céu, a drag queen foi recebida com salvas de palmas e clima de festa em seu pub, Pantibar, na região central da cidade. Uma multidão se aglomerava no cruzamento aos gritos de “Queen of Ireland” (Rainha da Irlanda), que também escreveu, “essa é uma luta de mais de 40 anos, e eu sinto como se tivesse pedido a Irlanda em casamento, e todos me disseram sim!”.

Colaboraram: Fernanda Machado e Mariana Gasparetti

Foto: Pedro Machado

 

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Perifericu no centro do Cinema Brasileiro

Perifericu, um dos mais relevantes curta-metragem dos últimos anos está disponível via streaming dentro da programação online da 8ª Mostra Tiradentes | SP. Legenda da foto de capa: Diária feita na Casa 1, casa de acolhimento de LGBTQIA+ em SP | Divulgação/Perifericú

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Desde o dia 1 de outubro iniciou-se em parceria com o SESC SP, a 8ª Mostra Tiradentes | SP, desdobramento da 23ª edição mineira do evento que ocorreu em janeiro de 2020. Na programação paulista, a mostra exibe entre outros filmes, os vencedores da edição mineira, como o curta-metragem “Perifericu”, um dos mais celebrados filmes do ano.

Por André Okuma * André Okuma é mestre em História da Arte pela UNIFESP, faz filmes independentes, é arte-educador e mora em Guarulhos-SP

A Mostra Tiradentes é um tradicional evento do calendário de festivais de cinema no Brasil, conhecido por uma curadoria atenta aos vislumbres e caminhos do pensamento e da produção cinematográfica no Brasil, tem apresentado uma diversidade de olhares e narrativas que extrapolam o centro expandido paulista e seus correlatos cariocas.

Com o tema “Imaginação como Potência”, a curadoria tenta elevar os ideais da mostra aos limites das possibilidades estético-políticas em diálogo com o nosso tempo, diga-se de passagem, tempo este de ascensão neofascista, censura, negacionismo, desmonte de políticas culturais e destruição da Cinemateca Brasileira:

A Imaginação como Potência é a temática que norteia esta edição do evento e propõe novas maneiras de ver, produzir e se relacionar com as imagens. Pretende gerar reflexão e ser propositiva diante de um cenário incerto, faz um convite para olhar adiante, desfrutar o cinema como arte e, em sua criação, vislumbrar os caminhos possíveis para a construção de novos rumos” (trecho do texto de apresentação do Catálogo da Mostra)

Diante desta perspectiva, um dos filmes premiados desta edição, o curta-metragem “Perifericu” é de certa forma a síntese disso. Premiado também como melhor curta-metragem no 27º Festival Mix Brasil e no 31º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, o filme ficcional conta a história de Denise e Luz duas amigas pretas, LGBTQIA+ e periféricas que vivem no extremo sul de São Paulo.

Uma das qualidades aparentes à primeira vista no filme é seu desvio ante aos estigmas amplamente difundidos ao longo da história do cinema brasileiro, como as narrativas dramáticas das diversas violências sofridas, seja da desigualdade social, seja pelo preconceito sobre seus corpos, o filme, apesar de não ignorar estas questões, não é um filme-lamento, muito menos uma romantização disso, ele é uma insurgência estética e política profunda deste cinema já esgotado.   

Ancorado na afetividade, o que emerge das imagens em movimento é de um universo profundamente real e honesto, sem divagações estéticas, porém intensamente poético e consequentemente político. Corpos pretos, LGBTQIA+ e periféricos se impõem, desafiando o mundo ao mesmo tempo que o abraçam. Numa das cenas mais emblemáticas do filme, a personagem Luz (Vita Pereira, que também é uma das diretoras), dubla uma música gospel, no melhor estilo “I Will Survive” em Priscilla, a Rainha do Deserto,  o corpo trans cantando um louvor gospel na frente de sua mãe religiosa enquanto ela trabalha embalando pedaços de bolo pra vender, seguida de um plano detalhe de uma imagem de Nossa Senhora ao lado de um Barbie descabelada em cima da geladeira, é um desbunde!

O filme, ainda que seja “apenas” um curta-metragem, dá conta de imprimir uma certa potência estética do real em suas minúcias, mostrando cenas e situações tão usuais para quem é da quebrada, que soam mais realistas que muito documentário já feito, desde a arquitetura das casas e ruas, nos ruídos das discussões familiares, da presença do jornalismo sensacionalista policialesco nas salas de casa, do rap e das batalhas de mcs, e das influencia das igrejas nos moradores destes territórios. As cenas nos transportes públicos são um exemplo dessa impressão irremediavelmente real, quem mora longe do centro se identifica visceralmente, a diversidade dos corpos LGBTQIA+ se misturam aos amontoados de corpos trabalhadores comuns, enquanto outros trabalhadores informais preenchem os silêncios destes longos trajetos que ocupam grande parte da vida do trabalhador. A imagem da vida e da arte se fundem na espera do deslocamento.

Outra caraterística relevante deste filme é o seu modus de produção, dirigido de maneira coletiva por Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira, o curta conta ainda com uma equipe e elenco de mulheres, LGBTQIA+, pretos e periféricos, subvertendo todos os paradigmas da estrutura organizacional do cinema brasileiro feito até recentemente, no qual, o diretor, em geral um homem branco cis, hétero normativo e de classe média é o autor, e o resto da equipe, em sua maioria brancos, seus subordinados.

O peso político do filme também se dá na escolha das locações, filmado quase todo no extremo-sul de São Paulo, território onde vive a maior parte das realizadoras, trazendo para o filme imagens profundamente carregadas de significado histórico e afetivo para a produção do filme. Outra locação importante é a da cena inicial do filme, gravado na Casa 1 importante espaço simbólico para a comunidade LGBTQIA+, pois é uma casa de acolhimento de LGBTQIA+ no centro da cidade que atende pessoas expulsas de casa e em estado de alta vulnerabilidade.

O filme abre e fecha com as personagens olhando diretamente para a câmera encarando o público, o filme se posiciona sem hesitar e reivindica a partir das imagens em movimento e sons o controle de suas próprias narrativas, aqui, e como potência imaginativa para vislumbrar possíveis caminhos para o cinema no Brasil, inclusive nos seus métodos e procedimentos de produção, “Perifericu” reconfigura novas e genuínas representações antes invisibilizadas e marginalizadas, e a insere no centro do nosso melhor cinema feito nos dias atuais.

Sobre o filme:

Perifericu (2019)

Sinopse: Denise e Luz cresceram no meio de canções de rap, louvores de igreja e passos de vogue. Da ponte para cá, é preciso aprender que o primeiro princípio para poder acessar a cidade é estar viva.

Este filme faz parte da Mostra Foco da 8ª Mostra Tiradentes | SP.

Brasil (SP) | 20 min. | Ficção | 14 anos

Direção: Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira

Roteiro: Winnie Carolina e Direção

Fotografia: Nay Mendl, Rosa Caldeira e Wellington Amorim

Produção Executiva: Nayana Ferreira e Wellington Amorim

Elenco: Ingrid Martins e Vita Pereira

O filme pode ser visto no link: https://sesc.digital/conteudo/cinema-e-video/54371/perifericu disponível até o dia 05/10/2020.

Mais informações sobre a mostra em http://mostratiradentessp.com.br/

*André Okuma é mestre em História da Arte pela UNIFESP, faz filmes independentes, é arte-educador e mora em Guarulhos-SP

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“É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí” diz primeira apresentadora transgênero da Bolívia

Leonie Dorado, de 26 anos, conclama que as pessoas da comunidade trans do seu país ocupem os espaços “comuns” da sociedade

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Por Maycon Esquer

Aos 26 anos, Leonie Dorado acaba de entrar para a história da televisão em seu país como a primeira apresentadora de notícias transgênero da história televisiva da Bolívia. Mas a conquista pessoal também é histórica  na comunidade LGBTIA+ da Bolívia, onde ser trans e ao mesmo tempo ocupar espaços de trabalho, principalmente com tamanha visibilidade nacional, pode soar como uma realidade inalcançável. “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí”, afirma Leonie Dorado.

O acontecimento, histórico, foi fortemente comemorado pela comunidade LGBT do país latino-americano, assim como da América do Sul, e representa um passo importante para um horizonte de inclusão trabalhista da comunidade trans boliviana. “Foi uma felicidade muito grande, estar à frente de um noticiário é uma responsabilidade jornalística muito grande”, conta Leonie.

Não é a primeira vez que Leonie se torna a primeira mulher trans a ocupar espaços na sociedade boliviana. Antes de entrar para a história da televisão boliviana esse ano, em 2019, a ativista, que também é musicista, entrava para a história da música do seu país ao se apresentar no “Festival Internacional Festi Jazz”, evento que acontece todos os anos desde 1987.

“Concentrado na cidade de La Paz, o festival de jazz recebe gente do mundo todo, inclusive artistas do Brasil. Eu resolvi encarar esse desafio ano passado e consegui”, relata Leonie relembrando o esforço e a disciplina que teve. “Eu penso que foi tudo atitude. Levei quase seis meses para me preparar para esse festival e no final deu tudo certo”, declara orgulhosa.

Leonie Dorado nasceu em La Paz, capital administrativa da Bolívia. Estudou música clássica desde os seis anos de idade no Conservatório Nacional de Música, onde aos 18 anos também estudou licenciatura em Música. Aos 21 anos decidiu estudar Comunicação Social em Buenos Aires, Argentina. Em 2015, depois de concluir a graduação no exterior, Leonie decidiu regressar à Bolívia e iniciar sua transição de gênero. Ao mesmo tempo, começou a se dedicar a outras coisas.  

Apesar da formação, Leonie conta que é essa a primeira vez que exerce a profissão de jornalista e que sua entrada nos meios de comunicação surge exatamente como um projeto da Abya Yala Televisión, canal boliviano de alcance nacional operando desde 2012, que atualmente tem apostado na “construção e difusão dos direitos individuais e coletivos que fortalecem o respeito à diversidade e inclusão social”.

 Assim como qualquer apresentadora de noticiários do seu país, em Ahora Bolívia, programa em que ela é âncora na Abya Yala Televisión, Leonie trata de temas nacionais e internacionais desde a cidade de La Paz, a segunda cidade mais populosa do Estado Plurinacional da Bolívia. “Abya Yala está mostrando uma pessoa trans não mais de um ângulo físico, como se fossemos um experimento humano, mas sim nos mostrando em um espaço social comum, como é o espaço na televisão”, explica Leonie.

“Eu tive apenas um mês de preparação para estar à frente de um noticiário”, comenta Leonie ao relatar o desafio ancorar o “Ahora Bolívia”, em um projeto que surgiu em plena pandemia. “No começo, eu estava muito nervosa mas agora, que é o segundo mês que estou nos meios de comunicação, já percebo um grande avanço. As pessoas que me sintonizam hoje em dia podem ver esse crescimento que venho tendo no meu desenvolvimento jornalístico”, declara.

FOTO:  Arquivo Pessoal

Puro Ativismo

A jornalista conta que o que a motivou a fazer parte da iniciativa da Abya Yala Televisión foi, principalmente, ver a “situação lamentável” das pessoas trans em seu país.

“Mundialmente, as ONGs e outras organizações que zelam pelos direitos humanos da comunidade LGBTIA+ têm hoje em dia uma preocupação especial com transgêneros, porque são as pessoas que mais enfrentam discriminação dentro e fora da comunidade”, revela Leonie.  

A jovem tem rompido barreiras no seu país ao mostrar, com o cargo que ocupa em uma cadeia de televisão nacional, uma pessoa trans exercendo uma “profissão comum” em um “espaço comum”. “Mostrar uma pessoa trans exercendo uma profissão comum,  como uma jornalista, advogada, veterinária, ou engenheira, é muito importante”declara Leonie ao argumentar sobre o significado da sua conquista para a comunidade trans.

Coletivo LGBTIA+ na Bolívia

Em termos legais, nos últimos anos a Bolívia teve avanços quanto à garantia de direitos à comunidade LGBTIA+. O artigo 5º da Lei Contra o Racismo e Todas as Formas de Discriminação – Lei Nº 45 de 2010 – proíbe a discriminação por motivos de orientação sexual e de identidade de gênero e o artigo 281º do Código Penal do país – modificado pela Lei Nº 45 – tipifica como delito qualquer ato de discriminação baseado na orientação sexual e/ou identidade de gênero. A promulgação da Lei Nº 807, em 2016, também estabeleceu a criação do procedimento para a troca do nome próprio e permitiu a utilização de nome social à comunidade transexual e transgênera do país. Porém, o coletivo LGBTIA+, especialmente a comunidade trans, à qual Leonie é parte, segue tendo tropeços.

“A Bolívia é um país onde temos muitas leis aprovadas, como a Lei de Identidade de Gênero e agora há pouco também se aprovou uma lei que permite a pessoas do mesmo sexo casar-se legalmente em um matrimônio civil”, esclarece Leonie. “Mas como em qualquer outro país, no geral podemos falar de América Latina, a comunidade trans segue tropeçando, não consegue ter acesso a fontes trabalhistas, não pode formar uma família, não pode adotar”.

Trabalhar na pandemia

Com mais de 80 mil casos de coronavírus e mais de 3000 mortes, a Bolívia atualmente enfrenta um caos desencadeado não apenas pela pandemia mas também pela ebulição política que aconteceu junto com o final de 2019. Entre outubro e novembro do ano passado, os bolivianos foram espectadores de um turbulento processo que envolveu a deposição e fuga de Evo Morales Ayma – presidente eleito pelo partido “Movimento ao Socialismo” – para o México, e posteriormente para a Argentina, onde atualmente se encontra exilado, e a posse de Jeanine Añez – atual presidente interina do país andino do partido liberal-conservador Movimento Democrático Social .

O conflito ainda é lido de duas maneiras pela população boliviana cada vez mais polarizada. Parte dos bolivianos acredita na narrativa de que o caso se resume à fuga de um líder populista por ter fraudado as eleições. Para outra parte, no entanto, houve um golpe de estado movido por forças políticas das classes médias urbanas e da direita do país, que não conseguiu se eleger em nenhuma das últimas eleições presidenciais. 

Os efeitos da pandemia do novo coronavírus na Bolívia, então, se cruzam não apenas com a carência hospitalar mas também com o cenário dramático da política atual. “Eu penso que se tivesse feito isso em uma época que não tivéssemos que viver essa pandemia, de todas as formas teria sido complicado, mas agora é duas vezes mais complicado”, explica a apresentadora sobre como tem sido o seu trabalho. “Na Abya Yala temos protocolos de biossegurança muito rigidos. Quando apresento o jornal, meu companheiro está a quase dois metros de mim”.

Bastidores do noticiário | FOTO: Arquivo Pessoal

Manifesto à comunidade trans

Outra bandeira do ativismo de Leonie, além da garantia de direitos básicos à comunidade LGBTIA+, é a luta pela conscientização dos riscos de tratamentos invasivos na população trans durante o período de transição. A ativista intitula como “O Surgimento da Nova Ideologia Pós-Moderna” a corrente que defende que a comunidade trans “não desperdice anos de vida lutando contra seus próprios corpos”, não se submetendo a cirurgias plásticas invasivas ou ao uso indiscriminado de hormônios. 

“Existem problemas de trans-feminicídio, sim, claro que existem. As pessoas ainda matam outras simplesmente por serem trans”, afirma Leonie, que durante a transição não fez uso de hormônios e nem se submeteu a operações plásticas. “Mas o que eu quero esclarecer é que outra grande porcentagem de morte de pessoas trans são os tratamentos invasivos, e não estamos falando de deformações corporais, estamos falando de tumores cancerígenos, problemas graves”, insiste.

Enquanto ocupa o seu espaço no país latino-americano e tradicionalmente conservador, Leonie amplia a sua voz para abrir caminhos para que a comunidade trans do seu país também possa reivindicar o seu espaço na sociedade.

“Pelo simples fato de você ser um ser humano, você já tem direitos trabalhistas, independente do gênero”, diz Leonie. “A sociedade sempre escondeu as pessoas trans, não só nessa época. Mas as pessoas trans podem e merecem ocupar espaço na sociedade e por isso temos que ir abarcando esses espaços”.Leonie Dorado sentencia: “Não é fácil! As coisas não vão ser cor de rosa do dia para a noite. No nosso caso, sempre temos que nos esforçar duas vezes mais para que nossos frutos sejam reconhecidos, por isso é muito importante não desistir e seguir adiante”. Um  exemplo disso é a sua própria história, que neste momento renova as esperanças de inclusão social e representatividade da comunidade trans da Bolívia.

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Ativistas lançam cartilha com Projetos de Lei LGBTIA+ nos Estados

Grupo mapeou todos os projetos de lei apresentados nas assembleias legislativas entre 2018 e 2020

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Movidos pelo interesse em compreender a realidade das pautas LGBTIA+ no legislativo dos estados brasileiros, os jovens Marcos Salesse, Hugo Martins, Matheus Gonçalves e Adeilson Viana, desenvolveram a Cartilha “LGBTIA+ no Legislativo dos Estados”. O material foi publicado nesta terça-feira (28), e apresenta um panorama dos Projetos de Lei (PL), criados entre 2018-2020, que tramitam nas Assembleias Legislativas dos estados brasileiros, e também da Câmara Legislativa do Distrito Federal. A ação integra um trabalho feito pelo grupo para o programa Todxs Embaixadorxs (Todos Embaixadores), da startup social Todxs Brasil (Todos Brasil).

            Com o levantamento, o grupo conseguiu identificar uma baixíssima presença das pautas LGBTIA+ no legislativos de diversos estados. Algumas dessas unidade federativas não apresentaram nenhum PL que tratasse das demandas desta população, como foi o caso de Santa Catarina, Rondônia, Acre, Amapá, Alagoas e outros.

Capa da cartilha disponível em https://bi.tly/lgbtianolegislativo

            Disponibilizado gratuitamente na plataforma Issuu, os interessados podem não só conferir a cartilha digitalmente, como baixar a íntegra do material. Segundo um dos desenvolvedores do conteúdo, essa é mais uma das formas de munir os LGBTIA+ com uma ferramenta fundamental na luta pelos direitos dessa população.

“Com a cartilha a gente consegue visualizar um panorama geral da situação das nossas pautas no Brasil”, explica Marcos Salesse, estudante de jornalismo na UFMT. “É fundamental que a gente tenha materiais como esse, assim podemos entregar aos nossos uma ferramenta imprescindível na luta por direitos, que é a informação”.

            Para acessar a íntegra da cartilha, clique aqui.

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