Por Leo Moreira de Sá, dos Jornalistas Livres
Uma multidão de 3 milhões de pessoas tomou a paulista no ultimo domingo(18) para celebrar o orgulho LGBT. Depois de alguns anos esvaziada, a parada de São Paulo, que é o maior evento da cidade depois da fórmula 1, voltou num fôlego sem precedentes. Foi a maior celebração do orgulho LGBT de todos os tempos.
Com o tema “Independente de nossas crenças, nenhuma religião é lei! Todas e todos por um Estado Laico”, a festa foi uma reação amorosa e combativa aos discursos de ódio dos fundamentalistas. Num país onde a religião impacta na administração pública, com bancadas de religiosos no Congresso que declaram abertamente posicionamentos Lgbtfóbicos, foi uma bandeira mais que necessária.
Estrelas da mídia foram chamadas para o evento. Anita fez uma rápida abertura e Daniela Mercury cantou durante todo o trajeto. Mas a verdade é que a grande estrela da parada de 2017 foi o povo.
Gente de toda a cidade e do país chegava em ondas de reafirmação do orgulho, direito e liberdade de ser quem é. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas de todo tipo de identidade e orientações sexuais compuseram uma representativa porção do povo brasileiro.
Saltou aos olhos a presença maciça de jovens de periferia fazendo festa nas ruas. A abrangência do público que vai à parada foi esgarçada pelo ativismo LGBT. Mas, dessa vez, sem dúvida nenhuma, a presença da juventude chamou atenção. As recentes manifestações dos estudantes secundaristas, que questionaram a educação careta e formal recebida nas escolas, solidificaram uma nova consciência e participação política. E isso estava lá, expresso na felicidade e liberdade daquela intensa celebração urbana.
A festa nas ruas é sempre um epílogo depois de uma série de atividades durante o mês do orgulho LGBT. É a conclusão de uma programação que envolve debates e mostras de produção cultural da comunidade.
A RedeTrans (Rede Nacional de Transexuais), por exemplo, havia promovido diversos eventos contra a transfobia e para a promoção do respeito ao nome social de pessoas trans. Todas as pessoas que participaram das discussões subiram no trio elétrico oficial de travestis, mulheres transexuais e homens trans. Com muito orgulho, demonstraram seu ativismo de maneira festiva. É uma vitória.
O movimento de pessoas trans no Brasil começou a organizar-se em 1993, no primeiro encontro nacional de travestis e transexuais para o enfrentamento da epidemia das doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, o histórico ENTLAIDS. Hoje, a comunidade trans quer marcar sua atuação política para defender seu direito de viver em paz no país de maior incidência de crimes por transfobia no mundo.
A bandeira do grupo de homens trans do Instituto Brasileiro de Homens Trans (IBRAT) resume muito bem a demanda deste grupo: no desfile, empunhavam a bandeira “Homens trans e transmasculinos existem e resistem”. É um luta política recente, que se solidificou em março de 2015, num precursor encontro nacional que reuniu 115 homens trans de todas as regiões do país. Essa população sofre com a invisibilidade social e ainda sobrevive em subemprego no mercado informal. A jornada de lutar por respeito, oportunidades e representatividade está nos primeiros passos.
É certo que tudo o que diz respeito ao movimento LGBT ainda é novo. Foi só em 1978 que um membro do SOMOS (Grupo de Afirmação Homossexual) discursou numa mesa de debates na Universidade de São Paulo. Naquela época, chamada pelos militares de “abertura democrática gradual e segura”, os ditadores sentiram que precisavam da legitimidade do povo para se manter no poder.
Os pequenos grupos que nasceram em capitais brasileiras, só algumas, estavam estimulados pela contracultura e a revolução sexual dos anos 60. Apenas em 1990 a homossexualidade saiu do código internacional de saúde (CID) e hoje gays, lésbicas e bissexuais podem desfrutar de sua humanidade conquistada e ir à luta por direitos civis. As décadas de luta para conquistar o espaço público, então, hoje resultaram no que se viu na última parada.
No entanto, ainda que diante dos avanços, é fato que pessoas trans tem muito para conquistar. A transexualidade ainda está definida na Classificação Internacional de Doenças (CID) como transtorno mental. Isso sem falar do nosso direito à cidadania, bem aquém de ser conquistada.
Travestis , mulheres transexuais e homens trans ainda lutam para existir. Somos assassinados e assassinadas todos os dias de forma cruel. Estamos associados e associadas à patologia e ao crime. A exclusão social geralmente começa dentro de casa; frequentemente pessoas trans são expulsas de seus lares. O caminho para a sobrevivência é fácil apenas quando se trata de entrar no mercado da prostituição. Sabe-se que 90% das travestis e mulheres transexuais são profissionais do sexo e são obrigadas a se expor à violência nas ruas das grandes cidades.
Diante de tudo isso, a expectativa de vida de uma pessoa trans é a metade da média nacional: 35 anos. Ainda precisamos conquistar o direito à vida, à legalidade do nome social para avançarmos na conquista da nossa cidadania. A jornada trans, combativa, continua. Estamos cientes dos desafios que temos que enfrentar e a parada do orgulho LGBT, agigantada em todo seu esplendor, nos fortalece e nos impulsiona a seguir adiante.