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Brasília

A palavra ao Acampamento Terra Livre

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‘Naquele tempo político (referindo-se a época da Constituinte de 1988) recebia a gente muito bem. Só ligava, marcava e ele recebia nós, agora hoje estão usando bomba lacrimogênea, pimenta spray para receber nós lá. Hoje, dia 26, era para ir 80 indígenas, foram só 60. Lá barraram e pediu pra entrar somente 20. Aí lá criaram outras pequenas confusões.’- Cacique Paulinho Paiaka, etnia Kaiapó.

Mesmo em tempos turbulentos como o nosso, o Acampamento Terra Livre sobrevive, assim como seus participantes sobrevivem há quinhentos e dezessete anos de colonização. O acampamento de 2017 foi o maior que tiveram até agora: ‘Mais de quatro mil indígenas, cerca de 200 povos de todas as regiões do país, estiveram presentes(…) A estimativa inicial era que cerca de 1,6 mil viessem à capital federal.’ (APIB)

Foram quatro dias de intensa atividade, nos quais resultaram no ‘fortalecimento do movimento nacional, envolvimento de vários povos que ainda não haviam participado das mobilizações, além de junto ao governo demonstrar que os povos indígenas permanecem vigilantes para defesa de seus direitos.’- Ângela Katxuiana, da etnia Katxuyana.

Tanto a Ângela, de 34 anos, que trabalha na Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará – FEPIPA, e é conselheira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB e membro do Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, quanto o cacique Paulinho, carregam em suas histórias a força e a tristeza da luta indígena.

Primeiramente, Ângela representa a garra das guerreiras indígenas, que além de lutar pela terra também precisam lutar pela própria igualdade de representatividade entre os indígenas.

A história do seu povo, ela me conta, remonta a ditadura militar, da qual também foram vítimas: em 1968 eles foram levados do seu território tradicional, na cabeceira do Rio Cachorro e Trombetas, no Pará, para o Parque Indígena Tumucumaque, onde a entrevistada nasceu e cresceu.

A justificativa para o crime foi uma epidemia, ‘Mas sabemos que foram interesses, nessa região se instalaram grandes mineradoras. Passamos mais de 40 anos sofrendo na terra dos “outros”, tentando não perder nossa língua e cultura. Muitos de nossos velhos morreram de depressão nessa transferência, afinal não sabiam por qual motivo foram tirados de sua terra.’

A partir de 1998 eles começaram a voltar em uma longa jornada para casa. Ela me conta que até hoje tem indígena voltando para sua terra, pois voltam aos poucos de carona.

A demarcação de suas terras, ‘única forma de reparação de nossas perdas’, afirma, ainda não foi realizada.  Suas terras indígenas (TI) foram publicadas na DOU (Diário Oficial da União), assinadas pelo presidente da FUNAI, João Pedro. O RCID foi publicado no dia 22 de outubro de 2015, ou seja, ainda faltam mais quatro passos para a terra ser realmente considerada deles. O estudo e organização de todos os documentos começou em 2003.

Atualmente estão abrindo aldeias nos locais das antigas aldeias: ‘Nossa aldeia chamada Pur’ho Mi¨ti¨ é exatamente na aldeia antiga dos nossos avós. É questão de retomada mesmo.’

Uma luta de mais de quarenta anos por uma terra que já era deles. Essa é uma história que se repete entre os indígenas: a expulsão, o retorno, a luta constante para manter essa terra.

Já Paulinho é formado em: ‘Guerra, igual capitão, general, marechal. Por quê? Por causa das lutas que ouvi dos velhos, sobre ter que mudar de um local para outro, ver outras florestas, outros rios, outros pássaros. Aí eu decidi: quando crescer quero ser igual vocês. Quando crescer vou lutar. Vou encarar esse mundo.’

Ele me conta que se sentiu enganado várias vezes pelo homem branco, e que por isso passou anos sem ver nenhum deles, passou um bom tempo se dedicando exclusivamente as tradições indígenas.

Quando era um jovem de 18 anos, ele foi chamado para participar de um projeto do governo, a Transamazônica. Ninguém explicou direito o que realmente era o projeto, o que ia acontecer, e por isso se sentiu enganado.

‘Governo chamou índio para participar do projeto, e nós fomos inocentemente. Eu vi trator arrastar aldeia dos índios Zarará, pra fazer a estrada. Eu estava acampado na aldeia que foi abandonada por causa dos tratores. Depois disso fui para o mato com o pessoal da FUNAI, protegendo pião. Hoje me arrependo da minha participação. Fui andando de Marabá a Altamira, de Altamira a Itaituba, de Itaituba a Santarém. Foi aí que comecei a ver que homem branco usa tecnologia para destruir a floresta, a terra. Passei 5 anos fora da Aldeia Kaiapó’.

Esse foi o primeiro momento em que sentiu decepcionado com o homem branco. O segundo, ele disse, foi quando dentro da própria FUNAI lhe prometeram estudo, mas não lhe deram. Depois desse acúmulo de decepções, passou um bom tempo em sua aldeia, sem contato com o homem branco.

Mais tarde, ele conta, decidiu que era hora de ir lutar fora da aldeia: ‘Trouxe Kaiapó para lutar no Congresso, para dançar no Salão Verde, e nós ganhamos 487 votos a favor de índio. É essa lei que os políticos de hoje querem acabar, criando PEC 215. Acompanhamos toda votação, nós e Xicrim. Essa é nossa luta. ‘

Depois, em 1989, lhe foi apresentado o projeto de construção de barragem lá em Altamira, que chamava de Kararaô: ‘Foi no dia 2 de fevereiro de 1989 que nós realizamos grande movimento contra a construção de barragem, e conseguimos barrar. Para barrar tive que fazer campanha na Europa pedindo apoio. ‘

O encontro de Altamira depois ficou conhecido como o primeiro encontro das Nações Indígenas do Xingu, e lá foi elaborada a carta de Altamira, importante pelo seu teor unificador entre os povos indígenas.

A mensagem que fica desse encontro, e que o Paulinho Paiaka gostaria que eu transmitisse, é a seguinte: ‘Se você se sente brasileiro, lembra que nós índios somos os primeiros responsáveis por essa terra. E devolve os direitos destruídos. ‘

Nós somos brasileiros e temos sangue de índio: precisamos relembrar essa força para sairmos às ruas e lutarmos pelos direitos que estão nos tirando. Se eles lutam há 517 anos sem perder a esperança, nós também conseguiremos.

Laís Vitória Cunha de Aguiar, para Jornalistas Livres, Brasília.

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  1. Mirtes

    16/05/17 at 6:39

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#EleNão

Fanáticos fascistas apoiadores de Bolsonaro agridem imprensa em manifestação pró golpe militar

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Na manhã deste domingo (3) – dia mundial da liberdade de imprensa, ocorreu mais um ato de fanáticos fascistas apoiadores de Jair Bolsonaro, o mesmo tipo de gente que agrediu, na última sexta-feira, profissionais de saúde que prestavam homenagem aos colegas mortos.

Os fanáticos fascistas que apoiam Bolsonaro, mais uma vez pediram o fechamento do congresso e do STF. Bolsonaro desceu a rampa do Palácio do Planalto, se aproximou sem máscara dos manifestantes, e disse que “as forças armadas estão com o povo”.

Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos da Globo, do Estadão foram agredidos e insultados pelos manifestantes. Um fotógrafo chegou a ser derrubado de uma escadinha, depois foi chutado nas costas. A polícia militar nada fez, enquanto a imprensa era agredida, segundo reportagem da Folha de São Paulo.

O ato apoiado por Bolsonaro ocorreu um dia depois de o ex ministro Sérgio Moro prestar depoimento de oito horas na sede da Polícia Federal em Curitiba. O depoimento de Moro foi sobre as denúncias que ele fez contra Bolsonaro, quando pediu demissão do cargo de ministro. Moro acusou o ocupante da cadeira de presidente de tentar interferir politicamente na PF, e disse, em entrevista para a revista Veja, ter apresentado provas como  áudios, e-mails e prints de conversas no WhatsApp.

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/2695599904005423/

 

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#EleNão

“Ele nos chamou para briga. O que ele ganha com isso?”

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Por Luis Araújo, professor da Universidade de Brasília, Doutor em Políticas Públicas.

 

Não sou dono da verdade, já tem muitas pessoas cumprindo essa tarefa ingrata. Mas peço um minuto de reflexão.

Na noite de ontem (24 de março), depois de um mês do primeiro caso de coronavirus e com o crescimento acelerado de casos, o presidente Bolsonaro fez um discurso inacreditável, absurdo e revoltante. Diante de tal absurdo, a reação dos setores progressistas foi anunciar o seu fim, diagnosticando que o mesmo enlouqueceu e que tirá-lo da presidência imediatamente é a demanda a ser assumida. Será?

Bolsonaro é louco? Não há nenhum dado cientifico sério que confirme isso. Ele é um idiota? Se o fosse não teria conseguido ganhar as eleições, derrotando a direta tradicional e uma forte unidade da esquerda no segundo turno. Bem, se não é um caso médico e ele agiu ontem de caso pensado, qual o seu interesse de provocar tamanha revolta?

Não sou um bom jogador, nem de futebol e muito menos de xadrez, mas dizem que o melhor cenário numa guerra ou num jogo, sendo a batalha inevitável, é poder escolher o local e o momento que mais lhe favorece. É isso que ele está tentando fazer. Vejamos os elementos que estamos deixando escapar.

A pandemia é real, vai matar centenas, talvez milhares, de brasileiros, vai superlotar o já saturado sistema de urgência do país. E, para além das consequências sanitárias, já está paralisando a economia, o que nos jogará numa recessão violenta, com desemprego, queda de renda de 40 milhões que vivem da informalidade, fechamento de empresas e tudo que disso é derivado. Isso ainda está no início, mas quando chegar no ápice, a culpa será distribuída em quem tinha responsabilidade de conduzir o país: Bolsonaro. Ele sabe disso, sabe que os ânimos da população diante de seu governo vão mudar, fazendo derreter a base social que até agora mantém no seu entorno e, fazendo isso, ele perderá a utilidade para as elites, podendo facilmente ser descartado.

O que Bolsonaro fez ontem foi potencializar o campo de batalha que lhe é favorável, a narrativa de que há uma trama da esquerda, de governadores e da mídia, tentando destruir a economia, exagerando os efeitos da pandemia, para derrubá-lo. Trabalha com a desinformação, com o medo, com os mesmos mecanismos que o levaram a presidência. Sua intenção é antecipar a polarização, provocando ódio nos setores progressistas (#bolsonarogenocida) e tentando coesionar sua base em sua defesa.

O que ele fez ontem foi tentar antecipar a batalha do impeachment para o momento que mais lhe favorece, no cenário real que vivemos: antes que a maioria da população comece a sentir os efeitos econômicos da recessão, facilitando a sua narrativa de que é uma trama sórdida para lhe tirar do poder, justamente na hora que estava tentando proteger os empregos das pessoas.

É uma aposta perigosa? Sim, por que se as medidas de mitigação não forem suficientes para deter o vírus, um crescimento do número de mortes cairá na sua cabeça. Mas é a mesma aposta que Trump está fazendo, por que os dois sabem que as pessoas votaram neles em momento de desespero e esperavam que a vida melhorasse.

Assim como no xadrez, aceitar a oferta de uma peça aparentemente gratuita e equivocada, pode simplesmente comprometer peças importantes do nosso time, prejudicando nossa estratégia.

Antecipar um processo de impeachment, no meio da pandemia, sem possibilidade de mobilizações sociais presenciais, sem ter derretido bastante a base social bolsonarista (leiam as três pesquisas disponíveis para ver que isso está em processo, mas ainda longe de caracterizar um real isolamento), é deixar que ele escolha o local e o momento da batalha. Um erro que pode nos custar a perda do jogo.

A hora, nesse momento, é de carimbar a irresponsabilidade de Bolsonaro, de propor medidas que dialoguem com o drama de milhões de brasileiros que não alcançamos pelas nossas redes sociais, nos quais a nossa indignação ainda não chega e que ainda o discurso de polarização esquerda X mito é ainda forte. A pandemia e a recessão, bem trabalhadas, podem desfazer as barreiras que nos impedem de fazer esse diálogo.

E os panelaços? Sim, presenciamos uma radicalização dos setores que não concordam com o governo e o avaliam de forma negativa ou regular. É um sintoma de que estamos reconquistando terreno. E é justamente esse diagnóstico que faz Bolsonaro antecipar a batalha, antes que perca mais posições e não tenha narrativa que se sustente diante do caos econômico.

A economia derreteu Collor, manteve Lula no cargo em 2006 e isolou Dilma de sua base social em 2016. E é o que será capaz de derreter de 30 a 35% de apoio que Bolsonaro ainda tem.

A vontade de interditar esse presidente, um irresponsável que coloca em risco milhões de brasileiros é muito forte. Comungo muito dessa revolta. Mas, sem racionalidade e uma estratégia que entenda que o adversário não é louco ou imbecil e que sabe jogar, não seremos vitoriosos.

Assim, considero que a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e uma narrativa que mostre sua irresponsabilidade, articulada com uma plataforma de exigências de medidas que salve a vida dos brasileiros e proteja seus empregos e renda, são mais eficientes do que deixar que ele escolha a hora e o lugar da batalha. Iremos travar essa batalha, não em 2022, mas este ano ainda, mas ele precisa sangrar mais, precisa perder legitimidade junto a milhões de brasileiros que serão vitimados por sua inconsequência.

Quem é Luiz Araújo:

Professor, doutor em políticas públicas em educação pela USP. Secretário de educação de Belém (1997-2002). Presidente do INEP (2003-2004). Assessor de financiamento educacional da UNDIME Nacional (2004-2006). Assessor do senador José Nery -PSOL/Pa (2007-2009). Consultor na área educacional. Consultor Educacional da UNDIME Nacional (2010/2011). Assessor da Senadora Marinor Brito – PSOL-PA (2011). Assessor da Liderança do PSOL no Senado Federal (2012-2013). Atualmente é Professor da Faculdade de Educação da UNB.

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#EleNão

Indígenas adiam maior encontro brasileiro por causa do novo coronavírus

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Foto: Leonardo Milano

O Acampamento Terra Livre, o maior encontro indígena do país, que ocorreria entre os dias 27 e 30 de abril, em Brasília-DF, foi adiado por conta da ameaça do coronavírus, que poderia ser catastrófico para populações indígenas. O Encontro costuma reunir cerca de 4 mil indígenas de todo o país. Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil Explica:

“Ressaltamos também, que pandemias como estas alertam para o quão gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio”

COMUNICADO GERAL (APIB)

Diante da disseminação do Coronavírus e seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde e decretos do governo do Distrito Federal para evitar aglomerações na tentativa de mitigar a propagação do vírus, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem informar sobre a necessidade de adiar a realização do Acampamento Terra Livre, que estava previsto para o período de 27 a 30 de abril de 2020. Uma nova data será divulgada conforme as recomendações das instituições de saúde e governamentais.

Com a ocorrência dessa pandemia, vemos como mais urgente ainda a necessidade de ampliar o serviço de saúde pública e a garantia dos subsistemas de saúde indígena, por meio da SESAI e Distritos Sanitários Especiais Indígenas, com condições adequadas de assistência de saúde aos povos indígenas.

Ressaltamos também, que pandemias como estas alertam para o quão gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio.

É importante ressaltar que com o aumento das alterações climáticas, cientistas já atestam para a maior recorrência de epidemias.

Aproveitamos para elencar aqui algumas recomendações de medidas preventivas colocadas pelas instituições de saúde:

  1. lavar as mãos com água e sabão, evitando levar aos olhos, nariz e boca;
  2. Não compartilhar objetos pessoais como talheres, toalhas, pratos e copos;
  3. Evitar aglomerações e frequência a espaços fechados e muito cheios;
  4. Manter os ambientes bem ventilados;
  5. Quando possível, evitar viagens para locais que tenham casos decontaminação e reuniões e eventos com a presença de pessoas que venham de países ou estados que tenham confirmação do vírus
  6. E por último, não entrar em pânico. É uma doença que médicos e cientistas já têm conhecimento e estão na tentativa de seu controle. Essas orientações são preventivas, para evitar que a doença se propague.

Os sintomas do Coronavírus são ocorrência de febre, tosse, dificuldade para respirar e dores do corpo. Em caso de ocorrência dos sintomas, procurar atendimento o mais rápido possível e seguir orientações médicas.

E tão logo o vírus esteja controlado, definiremos uma nova data para nossa maior mobilização nacional, que neste momento de ataques, invasões, conflitos e retiradas de direitos se faz tão urgente necessária.

Sangue indígena, nenhuma gota a mais!

Brasília, 12 de março de 2020.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Veja o comunicado na íntegra:

COMUNICADO GERAL 01 (2)

 

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