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Os Desafios Atuais da Reforma Psiquiátrica

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Os dados da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas apontam que o movimento de desospitalização dos portadores de transtornos mentais está em curso. Entre 2002 e 2014 houve uma queda no quantitativo de leitos psiquiátricos de 51.393 para 25.988 e uma redução do percentual de gastos com a rede hospitalar de 75,24% para 20,61%. Por outro lado, a quantidade de Centros de Atenção de Atenção Psicossocial (CAPS), principal instituição responsável pelo modelo de atenção comunitária subiu de 148 em 1998 para 2209 em 2014 e o percentual de gastos extra-hospitalares aumentou de 24,76% em 2002 para 79,39% em 2014.

Esses números indicam que a Reforma Psiquiátrica não é mais uma “proposta alternativa”. Ao contrário, é o fundamento da atual política de assistência à saúde mental no Brasil. No lugar do modelo hospitalocêntrico, tem-se construído uma rede de serviços territorializados que procuram desenvolver práticas de cuidado sem a necessidade de institucionalização.

Mas devemos lembrar que Reforma Psiquiátrica não é somente a construção de um sistema humanizado de assistência à pessoa com transtornos mentais. É também a promoção de uma mudança cultural, ou seja, mudar o modo como a sociedade compreende e interage com a loucura. A Reforma é, portanto, um movimento que se desdobra em vários planos.

Apesar dos muitos avanços conquistados, hoje tal movimento encontra-se sob ataque. É fato que a maioria dos defensores dos hospitais psiquiátricos não se colocam contrários a muitos dos princípios gerais da Reforma. Questiona-se, porém, que uma grande quantidade de casos não pode prescindir da internação e que o modelo que está sendo construído, de “sufocamento” das internações, adota “uma estratégia que prejudica aqueles que, em algum momento de sua história clínica, precisarão de um suporte hospitalar”, segundo o Sr. Emmanuel Fortes, psiquiatra e conselheiro do Conselho Federal de Medicina. Desse ponto de vista, as políticas instituídas a partir da Reforma Psiquiátrica não dariam conta dos casos mais difíceis, pelo menos não nos momentos de crise (surto), quando a pessoa com transtorno mental precisaria ser internada em um hospital.

Uma maneira de questionarmos esse posicionamento é argumentando que a Reforma ainda nem chegou a ser totalmente implementada para se dizer se ela está falhando ou não. O melhor exemplo está justamente na situação apontada pelos seus críticos e que expusemos no parágrafo anterior. Para situações graves de crise, a atual política levanta a possibilidade de acolhimento noturno em CAPS III (instituição ainda de característica comunitária, mas com maior estrutura e capacidade de atendimento) ou ainda breves internações em hospitais gerais (mas nunca em hospitais especializados, ou seja, hospitais que só atendam pacientes psiquiátricos). Contudo, os CAPS III correspondem a apenas 6,97% de todos os CAPS’s e os leitos de psiquiatria em hospitais gerais eram, em 2014, somente 4.620, poucos se comparados com as 25.988 vagas em hospitais psiquiátricos, como mostramos no início.

Diante disso, fica nítido que as políticas da Reforma Psiquiátrica ainda não foram plenamente concretizadas. Se são insuficientes, não é porque o modelo que centra sua atenção nos cuidados em meio aberto está equivocado. É porque ele ainda não foi suficientemente implementado. A solução dos problemas que atualmente encontramos no atendimento em saúde mental não é uma volta às práticas institucionalizantes. É um aprofundamento do sistema atual.

Assim, a construção de formas de avaliação do novo modelo, que levem em consideração não apenas os critérios da clínica médica tradicional, é um desafio essencial a ser superado atualmente. Não podemos nos esquecer que o questionamento do modelo hospitalocêntrico veio junto com a crítica à disciplina que reinava de modo absoluto no interior dessa instituição: a Psiquiatria. Sendo a Reforma um movimento multidisciplinar, hoje uma das fontes de resistência a ela não é na direção de um retorno aos manicômios, mas da permanência da centralidade do médico na equipe de saúde, como se só ele fosse capaz de lidar com os casos mais graves. Assim, a resistência vai também se dando de modo indireto: no fortalecimento dos tratamentos medicamentosos, no abuso da utilização classificatória do DSM em detrimento das categorias psicodinâmicas de compreensão da psicopatologia, etc. Nos primeiros anos da Reforma Psiquiátrica, os debates se centraram em torno da questão dos espaços de tratamento. Agora a discussão se desloca para as formas de tratamento.

Hoje o combate se dá, portanto, nos “manicômios mentais”, padrões cognitivos e práticas afetivas profundamente enraizados e que tendem a reproduzir o modelo de cuidado dos antigos manicômios. Temos perdido a consciência do entrelaçamento dos aspectos clínico e político de nossas práticas, ou seja, a ideia de que nossos sistemas de tratamento produzem e reproduzem uma determinada concepção de sociedade e não outras. Quando defendemos o tratamento ambulatorial, por exemplo, estamos nos posicionando em prol de uma sociedade em que pessoas com transtorno mental tenham um lugar, que façam parte do nosso projeto de nação.

No plano sócio-jurídico, também vivemos um momento de transição no foco dos enfrentamentos. Enquanto no início da Reforma, o centro dos debates eram os mecanismos de proteção jurídica a pessoas com transtornos mentais, hoje o foco está na criação de formas de inclusão da diversidade das pessoas e no fomento de sua autonomia. No campo da pessoa com deficiência, tais discussões avançaram muito. Passamos de debates sobre “trabalho protegido”, “renda protegida”, “moradia protegida” para pensarmos, por exemplo, em “processo de tomada de decisão apoiada” no qual, ao invés de alguém decidir pela pessoa com deficiência, é ela quem elege indivíduos de sua confiança para apoiá-la em sua decisão. A própria definição de “pessoa com deficiência” da nova Lei Brasileira de Inclusão, pensando nos impedimentos (físicos, mentais, etc) em articulação com as barreiras ambientais, é um avanço enorme que precisa ser trazida para a área dos transtornos mentais e drogas.

O objetivo da Reforma nunca foi somente modificar as políticas assistenciais de cuidado às pessoas com graves sofrimentos psíquicos. Isso porque se sabe que esse objetivo só é possível de ser alcançado juntamente com uma mudança cultural a respeito da visão que se tem sobre a loucura. Afinal, desinstitucionalização é muito mais do que desospitalização. Nesse ponto, filmes, matérias jornalísticas e todas as atividades extramuros dos pacientes, como exposições artísticas, economia solidária, etc., são terapêuticos não só para aqueles que sofrem com transtornos mentais, mas também para a nossa sociedade doente, que quer excluir os diferentes.

De modo mais amplo, podemos caracterizar a Reforma Psiquiátrica como um dos movimentos de luta contra a exclusão e a favor da convivência democrática entre os diferentes. É, portanto, algo que se inclui no interior da história de ampliação gradual do campo da cidadania.

 

Frente às forças conservadoras que atualmente acusam a Reforma de não ter conseguido construir um sistema de cuidado efetivo à loucura e que passam a pressionar por um retrocesso às formas manicomiais de tratamento, a saída é um aprofundamento das propostas iniciais do movimento reformista, entendendo que, para consolidar os modelos alternativos de cuidado, devemos transformar a cultura e a sociedade no modo como elas concebem o sofrimento mental. Assim, devemos entender a luta antimanicomial como um processo de transformação contínuo, que passou por uma primeira fase, qual seja, a mudança das políticas de atendimento, mas que precisa avançar para uma segunda etapa de mudança cultural. Sem isso, corre-se, inclusive, o risco de se perder os avanços construídos até o momento.

O objetivo da Reforma hoje é consolidar um modelo de relação com a loucura que não passe por uma negação romântica do sofrimento mas que, ao mesmo tempo, não caia nas antigas armadilhas da religião, que queria “salvar” a alma do louco do demônio que a possuía, nem da psiquiatria clássica, que queria curá-lo ou repará-lo. O desafio é não mais produzir salvação e nem cura, mas cuidado. E um cuidado que inclua a dimensão da cidadania, ou seja, da participação social. Assim, as práticas antimanicomiais se confundem com exercícios de transformação psíquica e social de todos os envolvidos na relação terapêutica: paciente, terapeuta e sociedade.

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1 Comment

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  1. Lidia Straus

    21/05/17 at 9:16

    Nem todo hospital psiquiátrico é como os terríveis manicômios que existiram. A psiquiatria vem dando importantes contribuições aos pacientes.
    Tem uma visão global do indivíduo, contemplando aspetos biológicos, psicodinâmicos e sociais.
    Porque o cérebro teria o privilégio de não ter doenças ? Tudo seria apenas produto da história do indivíduo e da sociedade ?

    Acho importante a existência dos CAPS, mas será que funcionam mesmo ?
    Será que as equipes são mesmo competentes. Algumas devem ser, mas….
    Sugiro que visitem CAPS em várias cidades, em vários estados para uma conclusão. Visitas sem agendamento prévio.
    Cada caso deve ter o tratamento necessário, tem pacientes que necessitam internação competente, por tempo necessário para cada caso.

    Numa classe social desfavorecida, tem uma função social, mas tratam adequadamente ?

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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