Há 20 anos nascia o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em Campinas, interior de São Paulo, e pra comemorar uma data tão importante, nada melhor do que uma festa, não é mesmo? Ontem estive no show-festa do MTST mas não encontrei o MTST.
Um grande encontro foi organizado entre sexta e sábado, em Embu das Artes, com delegações de 14 estados para trocar experiências e debater sobre a atual conjuntura política e os caminhos que o movimento deve seguir no próximo ano. O show-festa viria para encerrar com chave de ouro as comemorações pelo movimento ter conquistado pelo menos 20 mil moradias, beneficiando 80 mil pessoas, em todo o país.
O evento então começou, grandes nomes se apresentariam ao lado de bandas do próprio movimento, mas não foi isso que aconteceu. Os não-famosos se apresentaram no início do evento, naquele momento que as pessoas estão começando a chegar e comprando uma breja pra aliviar o sol escaldante. Sem surpresa alguma, uma forte chuva começou e, claro, as bandas do movimento não tinham nem 100 pessoas como público. Chuva de verão não dura muito, mas foi o suficiente pra que o show dos não-famosos terminasse sem aplausos.
O sol voltou a brilhar: alegria, festa, carnaval. No público as mesmas carinhas do Loollapalooza ou do Rock in Rio. Conversei com algumas pessoas, uma pergunta simples: “o que está acontecendo aqui hoje?” e as respostas seriam perfeitas se eu fosse o Mamãe Falei, do MBL. “show do Caetano”, “aniversário do MTST” (enquanto procurava alguma placa em volta pra ver quantos anos), “o MST trouxe o Criolo”. Um desânimo total! Então decidi trocar a pergunta: “o que é o MTST?” e, céus, por que fiz isso????? As respostas me embrulharam o estômago. “É o movimento que quer ganhar moradia do governo” – seguido da piadinha ,”aliás, preciso, viu, tá difícil morar com meus pais me controlando, acho que vou morar com eles, “ah, movimento de moradia, né”, “eles ocupam terras que ninguém usa”.
Bom, nesse momento eu já tinha percebido que o público estava mais entusiasmado em postar no Instagram uma foto da lama dos canteiros do Largo da Batata comparando com o um certo festival de música do que qualquer outra coisa. Entre uma selfie, uma ajeitada na maquiagem e um gole de cerveja, a única preocupação era como encontrar os amigos no meio da multidão.
Não consegui encontrar nenhum militante de outro estado, o que foi muito estranho porque, como já comentei, haviam 14 delegações em São Paulo.
Resolvi ir pra área do palco e reparei em algumas coisas estranhas e resolvi enumerá-las:
1) A camiseta de comemoração dos 20 anos era preta. Não vermelha, não roxa – como o MTST já fez em outras ocasiões, mas preta. E o mais curioso: nas costas estava escrito “Caetano Veloso”, como se fosse uma assessoria de imprensa.
2) Eu trabalho com midialivrismo, to acostumada a cobrir atos, manifestações e shows. Naquele ambiente não havia nenhum rosto conhecido, o lugar que antes era ocupado por trabalhadoras e trabalhadores do MTST, agora era todo de pessoas que pareciam ter sido contratadas. Poucas vezes tive problemas para acessar os locais reservados para a imprensa, mas ontem logo de cara fui barrada porque “imprensa não entra mais”. Acho que a minha cara de inconformada fez com que mudassem de ideia, mas não antes de eu ter que questionar o porquê uma mídia voluntária de esquerda não poderia entrar. Enfim, entrei mas preferia não ter entrado. Não permaneci por mais de 20 minutos naquela área.
Eu estava frustrada, não consegui conversar com o povo sobre o MTST, não consegui conversar com quem fez os shows, não consegui ver nada político, apenas carnaval.
Eu amo carnaval e eu amo festas, acho que precisamos mesmo de momentos de confraternização, mas me pergunto: não era o povo lutador do MTST que merecia comemorar? Onde estão os trabalhadores e as trabalhadoras que constroem diariamente o movimento? Onde estavam as crianças que tornam os atos tão lindos e emocionantes? O show-festa era de quem? Pra quem? Onde estava o vermelho que todo mundo carrega com orgulho no peito?
Tenho pra mim que enquanto a gente, como esquerda, ficar querendo agradar a classe média, a luta não avança. A festa do povo virou o showzinho de Pinheiros. Não tinha povo, não tinha luta, mas rendeu várias fotos ótimas nas redes sociais.
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