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Onde estava o MTST nos 20 anos do MTST?

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Há 20 anos nascia o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em Campinas, interior de São Paulo, e pra comemorar uma data tão importante, nada melhor do que uma festa, não é mesmo? Ontem estive no show-festa do MTST mas não encontrei o MTST.

Um grande encontro foi organizado entre sexta e sábado, em Embu das Artes, com delegações de 14 estados para trocar experiências e debater sobre a atual conjuntura política e os caminhos que o movimento deve seguir no próximo ano. O show-festa viria para encerrar com chave de ouro as comemorações pelo movimento ter conquistado pelo menos 20 mil moradias, beneficiando 80 mil pessoas, em todo o país.

O evento então começou, grandes nomes se apresentariam ao lado de bandas do próprio movimento, mas não foi isso que aconteceu. Os não-famosos se apresentaram no início do evento, naquele momento que as pessoas estão começando a chegar e comprando uma breja pra aliviar o sol escaldante. Sem surpresa alguma, uma forte chuva começou e, claro, as bandas do movimento não tinham nem 100 pessoas como público. Chuva de verão não dura muito, mas foi o suficiente pra que o show dos não-famosos terminasse sem aplausos.

O sol voltou a brilhar: alegria, festa, carnaval. No público as mesmas carinhas do Loollapalooza ou do Rock in Rio. Conversei com algumas pessoas, uma pergunta simples: “o que está acontecendo aqui hoje?” e as respostas seriam perfeitas se eu fosse o Mamãe Falei, do MBL. “show do Caetano”, “aniversário do MTST” (enquanto procurava alguma placa em volta pra ver quantos anos), “o MST trouxe o Criolo”. Um desânimo total! Então decidi trocar a pergunta: “o que é o MTST?” e, céus, por que fiz isso????? As respostas me embrulharam o estômago. “É o movimento que quer ganhar moradia do governo” – seguido da piadinha ,”aliás, preciso, viu, tá difícil morar com meus pais me controlando, acho que vou morar com eles, “ah, movimento de moradia, né”, “eles ocupam terras que ninguém usa”.

Bom, nesse momento eu já tinha percebido que o público estava mais entusiasmado em postar no Instagram uma foto da lama dos canteiros do Largo da Batata comparando com o um certo festival de música do que qualquer outra coisa. Entre uma selfie, uma ajeitada na maquiagem e um gole de cerveja, a única preocupação era como encontrar os amigos no meio da multidão.

Não consegui encontrar nenhum militante de outro estado, o que foi muito estranho porque, como já comentei, haviam 14 delegações em São Paulo.

Resolvi ir pra área do palco e reparei em algumas coisas estranhas e resolvi enumerá-las:

1) A camiseta de comemoração dos 20 anos era preta. Não vermelha, não roxa – como o MTST já fez em outras ocasiões, mas preta. E o mais curioso: nas costas estava escrito “Caetano Veloso”, como se fosse uma assessoria de imprensa.

2) Eu trabalho com midialivrismo, to acostumada a cobrir atos, manifestações e shows. Naquele ambiente não havia nenhum rosto conhecido, o lugar que antes era ocupado por trabalhadoras e trabalhadores do MTST, agora era todo de pessoas que pareciam ter sido contratadas. Poucas vezes tive problemas para acessar os locais reservados para a imprensa, mas ontem logo de cara fui barrada porque “imprensa não entra mais”. Acho que a minha cara de inconformada fez com que mudassem de ideia, mas não antes de eu ter que questionar o porquê uma mídia voluntária de esquerda não poderia entrar. Enfim, entrei mas preferia não ter entrado. Não permaneci por mais de 20 minutos naquela área.

Eu estava frustrada, não consegui conversar com o povo sobre o MTST, não consegui conversar com quem fez os shows, não consegui ver nada político, apenas carnaval.

Eu amo carnaval e eu amo festas, acho que precisamos mesmo de momentos de confraternização, mas me pergunto: não era o povo lutador do MTST que merecia comemorar? Onde estão os trabalhadores e as trabalhadoras que constroem diariamente o movimento? Onde estavam as crianças que tornam os atos tão lindos e emocionantes? O show-festa era de quem? Pra quem? Onde estava o vermelho que todo mundo carrega com orgulho no peito?

Tenho pra mim que enquanto a gente, como esquerda, ficar querendo agradar a classe média, a luta não avança. A festa do povo virou o showzinho de Pinheiros. Não tinha povo, não tinha luta, mas rendeu várias fotos ótimas nas redes sociais.

 

Esse texto exprime a opinião pessoal da autora. Aqueles que tiverem opinião contrária, e quiserem contribuir com o debate, tem aqui um espaço aberto. Envie sua opinião para jornalistaslivres@gmail.com

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15 Comments

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  1. Pingback: Onde estava o MTST nos 20 anos do MTST? | Jornalistas Livres | BRASIL S.A

  2. amina

    11/12/17 at 14:26

    nossa, fui em outro show então bem diferente. O que fui foi cheio de sotaques, povo felizão cantando junto, muita gente com simbologia do mtst. e sim, misturado em meio à classe média de pinheiros, o q nao é um problema. Olhar também é questão de foco e recorte.

  3. Adriana de Paula Almeida Rosa

    11/12/17 at 15:50

    Martha reconheço muita coisa que vc falou como a cor da camiseta e não vejo problema nisso, agora falar que não tinha povo? Talvez o que tivesse fosse uma mistura, o convite era para todos, talvez pelo local que vc ficou perto do palco. .Sei que é a sua opinião pessoal mas estou chocada. , a cobertura por outras mídias alternativas não viram por ai, eu tbm não. e foco tranquila pois bem sei o lado de quem o MTST esta e esta de parabéns.

  4. ana s.

    11/12/17 at 16:05

    Por que não estou surpresa?

  5. Marcela Correia

    11/12/17 at 16:42

    É por essas e outras q a esquerda está tão enfraquecida no Brasil, pq sempre tem alguém de esquerda que se acha mais de esquerda q os outros de esquerda! Eu estava lá, tinha mto do q foi relatado nessa reportagem, mas e daí? Não é uma forma de despertamos o interesse do jovem burguês de classe média??? É melhor q ele continue alienado sem nem saber q essas coisas existem e estão debaixo do nariz deles?? Vc deveria era se preocupar com o pobre de direita ou com as mulheres machistas!!! Pq a direita é assim, ela não liga se teu discurso é incoerente com a sua condição social, ela quer ser atraente, vender sua falácia com seu discurso fácil e “audível como música pela população”, e cada dia ganha os mais improváveis fiéis seguidores: jovens. Acorda moça, vamos nos unir, vamos incomodar, vamos juntos! Os reaças, puritanos, os donos da “moral e dos bons costumes” saíram do armário e saíram com força! Ou a esquerda acorda e se une no barulho q é capaz de fazer ou como eles gostam tanto de dizer, e digo isso com verdadeira ânsia, é melhor Jair se acostumando!

  6. Marcela

    11/12/17 at 16:49

    É por essas e outras q a esquerda está tão enfraquecida no Brasil, pq sempre tem alguém de esquerda que se acha mais de esquerda q os outros de esquerda! Eu estava lá, tinha mto do q foi relatado nessa reportagem, mas e daí? Não é uma forma de despertamos o interesse do jovem burguês de classe média??? É melhor q ele continue alienado sem nem saber q essas coisas existem e estão debaixo do nariz deles?? Vc deveria era se preocupar com o pobre de direita ou com as mulheres machistas!!! Pq a direita é assim, ela não liga se teu discurso é incoerente com a sua condição social, ela quer ser atraente, vender sua falácia com seu discurso fácil e “audível como música pela população”, e cada dia ganha os mais improváveis fiéis seguidores: jovens. Acorda moça, vamos nos unir, vamos incomodar, vamos juntos! Os reaças, puritanos, os donos da “moral e dos bons costumes” saíram do armário e saíram com força! Ou esquerda acorda e se une no barulho q é capaz de fazer ou como eles gostam tanto de dizer, e digo isso com verdadeira ânsia, é melhor Jair se acostumando!

  7. Jordan Michel-Muniz

    11/12/17 at 18:28

    Não conhecia Martha Raquel, mas acho que mandou muito bem o recado. Temos visto o aparelhamento do MTST por gente que busca espaço como candidata ou candidato, e por músico famoso que já declarou ter vergonha de morar num país presidido por analfabeto, embora o pior analfabeto provavelmente seja o que fez tal declaração. Enfim, pelo descrito, toda essa gente resolve dar uma festinha pros próprios egos, deixando de fora o povo em condição de rua. Nada muito diferente do sindicalismo pelego e sem base ou de partido sem trabalhadoras e trabalhadores. Começa assim e termina no lixo que é o Congresso Nacional, usando movimentos sociais como Escada para o Paraíso.

  8. Janaina

    11/12/17 at 19:25

    Concordo com o ponto de vista, mas falta bastante aqui também. Sem aprofundamento essa matéria. Parece alguém da classe média expressando sua opinião, sem argumentos. É o que parece. Matéria pra gerar raiva e nao aprofundar.

  9. Mario Nogueira Chalupo

    11/12/17 at 21:42

    Rendeu um palco para a candidatura do Guilherme Boulos

  10. Silvia Hernandes

    11/12/17 at 23:23

    Foi o que vi. Apenas Show, sem politização. Apenas, de vez em quando um, já sem possibilidade, “Fora Temer”. Não me identifiquei com aquilo.

  11. LUIZ CARLOS QUINTIERE

    12/12/17 at 1:21

    CARA MARTA RAQUEL, BOM DIA, ACABO DE LER SUA MATÉRIA, QUE ME FOI ENVIADA POR UM ARTISTA QUE VEM ACOMPANHANDO OS MOVIMENTOS SOCIAIS\POLÍTICOS EM SÃO PAULO, ELE SE CHAMA LOOP BE, É MUSICO, LUTHIER, ARTESÃO E PARTICIPOU GRATUITAMENTE COM SUAS OFICINAS MUSICAIS EM MANIFESTAÇÕES DO MTST, EU E ELE ESTIVEMOS ACOMPANHANDO A TRAJETÓRIA DESSE MOVIMENTO E OBSERVAMOS QUE EXISTEM FATOS NO MÍNIMO ESTRANHOS, EM RELAÇÃO A ATUAÇÃO POLÍTICA DESSE MOVIMENTO, E A APROXIMAÇÃO CLANDESTINA E POUCO CORAJOSA DE ALGUNS PARTIDOS QUE ATUAM NA SOMBRA DO POVO SEM MEDO DE LUTAR, OBSERVO AGORA CLARAMENTE QUE ESSA É A CARA DA ATUAÇÃO DO PSOL, SEMANA PASSADA ESSE PARTIDO E GUILHERME BUOLOS LANÇARAM UMA GARRAFA DE NAUFRAGO, UMA SONDA SUTIL NA IMPRENSA(E QUANDO EU DIGO IMPRENSA EU INCLUO A GOLPISTA TAMBÉM) DE UMA POSSÍVEL CANDIDATURA DE BUOLOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. O QUE VOCÊ PERCEBEU NOS BASTIDORES DESSE SHOW DE CAETANO E BUOLOS, FOI EXATAMENTE ISSO, NADA TINHA REALMENTE DE AGREGAR RECURSOS A CAUSAS ATUAIS, COMO A “LUTA CONTRA PERDAS SOCIAIS” E SIM VAIDADES POLÍTICAS PARTIDÁRIAS PARA JOVENZINHOS BURGUESES, SUA PERCEPÇÃO DOS FATOS E INTENÇÕES ALI NO COXIA DO EVENTO FOI PRECISA, EXATA E SENSORIAL, POIS A MÍDIA QUE VOCÊ REPRESENTA “JORNALISTAS LIVRES” NÃO TEM COMPROMISSO COM OS OBJETIVOS PAUTADOS NAS SOMBRAS, O QUE ACONTECE É QUE O PSOL NÃO PODE APARECER COMO UM TRAÍRA DENTRO DO MUNDO DAS ESQUERDAS BRASILEIRAS, MAS FOMENTA A DESUNIÃO DESSE LADA DA POLÍTICA BRASILEIRA, ESTIVE PRESENTE EM TODOS OS MANIFESTOS PELA DEMOCRACIA, AQUI NA CIDADE DE SÃO PAULO, PRINCIPALMENTE NOS DA PAULISTA E BATATA, E O QUE MAIS ME SURPREENDEU, FOI O FATO DE BUOLOS TRAZER O MTST COM POUCA GENTE PARA OS MANIFESTOS E NA HORA DE FAZER O ESQUENTA DE SEUS DISCURSOS ELE VAIDOSAMENTE DIZIA COISAS COMO SE ESTIVESSE FALANDO PARA TRABALHADORES SEM TETO, E ALI TINHA NA MAIORIA PETISTAS, MUITA GENTE IDENTIFICADA DO PCdoB, DO PCO, MST, UNE, UJS E OUTRAS ENTIDADES E ELE NÃO SAUDAVA ESSE POVO, E UMA VEZ, QUANDO ELE ESTAVA CAMINHANDO NO MEIO DO POVO, ENQUANTO JAMIL MURAD, LINDBERGH FARIAS, JANDIRA, RUI PIMENTA, PAULO TEIXEIRA CAMINHAVAM JUNTOS ELE SEGUIA NA PAULISTA SEPARADO EM CARREIRA SOLO, EU TINHA JUNTO COM MEU GRUPO INTERCEPTADO UM GRUPELHO DO PSOL E PSTU QUE PANFLETAVAM COISA CONTRA O MOVIMENTO DIZENDO QUE AQUILO SÓ AJUDAVA PARA SALVAR LULA E COISAS DO GÊNERO, EM POSSE DE PARTE DESSE MATERIAL(COISA POUCA) CORRI ATÉ GUILHERME BUOLOS E PERGUNTEI A ELE AQUILO ERA VÁLIDO DENTRO DE UM CONTESTO DE ESQUERDA E DE ESPAÇO DE LUTA SOCIALISTA COMO ERA AQUELA PASSEATA, MINHA SURPRESA FOI QUE EL FEZ UMA VEEMENTE DEFESA DO PSOL E RETRUCOU DIZENDO QUE ELES NADA TINHA A VER COM A DIREITA, E QUE A LUTA DO PSOL ERA MAIS JUSTA QUE A DO PRÓPRIO PT, FIQUEI INDIGNADO E DE UMA CERTA FORMA PENSATIVO QUANTO AO QUE ESTAVA SE PASSANDO ALI NAQUELE MOMENTO, QUANTAS PESSOAS ESTAVAM SENDO ENGANADAS POR VAIDADES POLÍTICAS DE OUTRAS PESSOAS QUE NO CALOR DA MANIFESTAÇÃO COLOCAM SEUS INTERESSES A FRENTE DE CAUSAS JUSTAS. A POUCO TEMPO QUANDO O GOVERNO FEDERAL MUDOU A DATA DA REFORMA TRABALHISTA E PREVIDÊNCIA AS CENTRAIS SINDICAIS SUSPENDERAM O INÍCIO DA GREVE GERAL COMO ESTRATÉGIA CORRETA DE MEDIR O MEDO, O IMPACTO QUE ISSO CAUSOU NO GOVERNO, BUOLOS COM SEU MTST NOVAMENTE FEZ VALER SUA CARREIRA SOLO DISSE QUE O MTST NÃO IRIA PARALISAR SUAS ATIVIDADES, AI SIM OUVE O APOIO ABERTO DE IVAN VALENTE E A TURMA DO PSOL DE SÃO PAULO, E A DECLARAÇÃO MIDIÁTICA SOBRE A CANDIDATURA DE BOULOS PELA LEGENDA “PSOL”.
    NO MAIS SEU TRABALHO ESTÁ ÓTIMO. PARABÉNS E A PARTICIPAÇÃO DO “JORNALISTAS LIVRES” É FABULOSA. PRECISAMOS DE JOVENS COMO VOCÊS.

  12. LUIZ SERGIO

    12/12/17 at 15:24

    A resposta para o que houve é simples: Boulos está em campanha para ser candidato a presidente pelo PSOL. Onde estão os militantes e simpatizantes do PSOL?

  13. Marcelo

    12/12/17 at 23:07

    Tenho essa percepção há muito tempo! Show e comemoração no largo da batata? Fica a impressão de “esquenta” pra balada na vila Madalena… Ou que vão tomar uma batida no cu do padre, se é que ainda existe. Tinha de ser nas ocupações

  14. Thiago Lemos

    13/12/17 at 16:00

    De uma clareza que cega!!! Parabéns por este texto maravilhoso.

  15. Mario R. V. Cassettari

    15/12/17 at 10:46

    Foi assim mesmo, pra pensar !

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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