“O problema é que muito pescador só sabe pescar. Todo dia vivia no rio e agora não pode ir para o rio mais”

Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres

Reportagem especial da cobertura da Marcha realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, um ano após a tragédia de Mariana (MG), que refaz o trajeto da lama de Regência (ES) até a barragem em Minas Gerais.

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Chegando no cais de Regência, seja de manhã, tarde ou noite, se vê vários barcos de pesca, entre canoas e pequenas embarcações, algumas ancoradas e outras já estacionadas no leito do rio. Um pequeno grupo de pescadores se reúne no cais e conversam sobre o vilarejo, família e trabalho, se divertindo da contação de causos. Quando me aproximei, eles riam das travessuras do saci que, sem explicação, conseguia bagunçar suas redes na água e jogar areia nas suas camas. “E caboclo d’água? Alguém já viu?”, perguntei brincando. “Nunca vi e nem quero ver”, diz um mais jovem, temendo a criatura, seguido pela resposta do ancião do grupo: “Agora que a gente nunca vai ver mesmo”.

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O episódio resume o sentimento da população ribeirinha do Rio Doce, que se encontra na trágica contradição de estar próxima às águas, mas se mantém distante pelo bom senso. O Ministério Público Federal (MPF) proibiu a pesca na foz desde fevereiro deste ano, formalizando a sina determinada pelo crime de novembro de 2015. As comunidades locais se recusam a beber ou se banhar no rio, muito menos pescar. “Rapaz… eles falam que o peixe vai dar câncer na gente, que vai matar as pessoas com doença e não sei o que…” conta Antônio, apelidado de “Costinha”, pescador em Mascarenhas, distrito no interior de Baixo Guandu (ES). A pesca no interior do Rio ainda é permitida, porém não há comprador por receio dos efeitos de seu consumo.

Antonio Gomes, "Preto", pescador em Mascarenhas, ES, mostra com orgulho carteira de pescador. Foto: Danilo Candombe
Antonio Gomes, “Preto”, pescador em Mascarenhas, ES, mostra com orgulho carteira de pescador. Foto: Danilo Candombe

O medo não é infundado.  Em Março, análises feitas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apontam alta concentração de metais pesados nos pescados do Rio Doce. “Os dados são preocupantes. A contaminação de peixes e camarões por metais está acima dos limites permitidos pela Anvisa. Nestas condições, o consumo de pescados representa riscos para a saúde humana e para a ecologia”, explica o presidente do ICMBio, Cláudio Maretti.

“Hoje eu vivo de bico, trabalhos que a gente não sabe fazer. Faz um serviço de pedreiro ali, de eletricista lá… Tem que ir se virando porque se não não dá para sobreviver” conta Clavelanio Soares Peçanha, conhecido como Preto, pescador em Regência, distrito de Linhares (ES).

“O problema é que muito pescador só sabe pescar. Um cara desses está passando aperto. Todo dia vivia no rio e agora não pode ir para o rio mais”.

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Alguns pescadores recebem um benefício emergencial da Samarco que, de acordo com a Mineradora, no Espírito Santo e em Minas Gerais, é de um salário mínimo, mais 20% o valor do salário por membro da família e o valor em dinheiro de uma cesta básica. No entanto, para os pescadores este valor é muito baixo, considerando o que recebiam antes. “Quando a pesca estava fraca, a gente conseguia mais de R$1.500 por mês e quando estava forte, dava entre R$6000 e R$8000”, explica Glaucimar Soares, 41 anos. Segundo o pescador, sua filha teve que sair da Universidade, onde estudava Biologia em Linhaes porque o pai não consegue mais sustentá-la.

Segundo a Samarco, no Espírito Santo e em Minas Gerais, quase 5 mil pessoas recebem o auxílio, porém muitos ribeirinhos reclamam que não são contemplados. É o caso de Joelmir Sampanho, de 27 anos, colega e vizinho de Glaucimar. Apesar de trabalharem juntos e viverem na mesma condição, Joelmir afirma que a mineradora se recusa a explicar por quê de não ser contemplado.

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