A luta sem fim em busca da verdadeira reparação histórica em São Paulo
Foto de Vinicius Barbosa | Jornalistas Livres
É uma rua sem saída. A pequena igreja dos Aflitos parece tímida diante das grandes lojas e da movimentação constante do Bairro Liberdade. É uma guerreira histórica e tombada, mais do que isso, em suas entranhas há um passado rico para o Brasil, mas cruel para o povo negro.
No terreno ao lado, foram achadas 9 ossadas e algo que todos parecem querer apagar foi colocado à tona: a região era um cemitério de escravos e pobres levados à forca, fruto de um passado escravagista que o país e sua elite patrocinaram e usufruiram até a última gota de sangue, são 500 anos de uma encruzilhada que deixa sequelas inestimáveis.
O ato finalmente ganha vida quando, fora da igreja, ouvimos batuques, pandeiros e vozes coordenadas cantando imponentes. Era o grupo Educafro hasteando bandeiras e levantando o astral de todos os presentes, contagiante, todos em volta se juntam e o padre também, era uma homenagem. As vozes baixam e a missa atípica de terça-feira começa.
O lugar está abarrotado, mesclando quem segue o catolicismo e as religiões de matriz africana. A harmonia e paz é como um contrato implícito de que o acontecia ali era maior do que uma simples cerimônia, era um culto ao povo negro e sua cultura. A complexidade da situação é comovente, a delicadeza com que tudo foi tratado, as músicas cantadas e, com o fim da liturgia, o ato tomou as ruas.
Foi no asfalto que as vozes cresceram, um ambiente homogêneo em que todos sabiam o propósito final, era se orgulhar de sua pele e lutar por ela, discursos inflamados eram desabafos sinceros de quem cansou de se sentir humilhado e rebaixado pelo sistema, e ver aquelas ossadas foi ao mesmo tempo a ponta do iceberg e o pingo que transbordou aquela gente. A luta agora era para que os seus ancestrais pudessem ter um memorial onde descansar, o lugar perfeito seria ali, do lado daquela tímida igreja.
As ossadas, descobertas por arqueólogos, estavam na escavação da empresa de cosméticos Ikesaki, até então sem alvará. A luta é justa, mas a disputa é desigual, a corporação tem o poder político e econômico sobre a área. O desrespeito com a história é evidente: estão fazendo um “shopping” em cima de um cemitério e ninguém parecia se importar com isso. Parecia, até que alguém fez barulho, e que barulho.
O rito deu a volta no quarteirão e tomou a rua em frente à construção, e o pedido era simples: respeito pelo passado daqueles que são desrespeitados no presente. No meio de buzinas e de baixo de um sol quente, o protesto abalou aquele pequeno microcosmo cheio de japoneses e turistas, retomando o espaço histórico que tentaram nos fazer esquecermos.
VÍDEO SOBRE A ESCAVAÇÃO
AS TRANSMISSÕES AO VIVO na página do facebook, do ato do dia 19.12.2018
Ato por um Memorial da escravidão, na LIBERDADE, SP, onde se encontram ossadas de escravos. ACONTECE AGORA
Gepostet von Jornalistas Livres am Mittwoch, 19. Dezember 2018
#aovivoAto em prol de memorial em homenagem a escravos, no bairro da Liberdade, em SP.Ao lado da Capela dos Aflitos foram encontradas 9 ossadas do tempo da escravidão.
Gepostet von Jornalistas Livres am Mittwoch, 19. Dezember 2018
SAIBA +
A discussão da cultura negra e oriental presentes no bairro da Liberdade, em São Paulo, e sua relação com o tempo e o espaço, estão no exemplar físico, em duas histórias, uma de cada lado, se encontram no meio e dividem a mesma página final, sugerindo uma narrativa sem começo nem fim, na HQ INDIVISÍVEL de Marília Marz. A artista fez como trabalho de conclusão do curso da Escola da CIdade em formato de história em quadrinhos. Pode ser visto on-line.
Uma resposta
Belo texto. Não podemos deixar a História ser maltratada como está sendo!