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Argentina

Nervosismo de Macri e serenidade de Alberto e Cristina marcam eleições na Argentina

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Por Rogério Tomaz Jr*, do Viomundo

O estado de espírito dos principais candidatos à presidência da Argentina revela bem o quadro eleitoral no país, que realiza as suas eleições primárias neste domingo (11). As eleições “para valer”, num clima bem polarizado, ocorrerão no dia 27 de outubro.

O presidente Maurício Macri tem aparecido tenso, nervoso e de mau humor nos eventos de campanha pela reeleição.

Esse fato tem surpreendido apoiadores e jornalistas simpáticos ou alinhados ao seu projeto político.

Do outro lado, Alberto Fernández e Cristina Kirchner exibem sorrisos, serenidade e fazem críticas sem histrionismo à gestão macrista, num tom mais leve do que se observa na militância e na sociedade em geral.

A agressividade e a impaciência de Macri têm sido recorrentes.

Na terça-feira (6), contrariando o estilo da chamada “Revolução da Alegria”, que marcou sua campanha de 2015 e as eleições legislativas de 2017, o presidente soltou até um estrondoso “caralho!” durante ato fechado para a militância no acanhado ginásio do Ferrocarril Oeste.

O vídeo do episódio – no qual Macri fazia referência a um projeto no tempo em que era prefeito de Buenos Aires – viralizou e foi um prato cheio para a oposição nas redes sociais.

No dia seguinte, em Rosário, segunda maior cidade do país, Alberto e Cristina entravam no palco dançando sorridentes ao som de “Mariposa Tecknicolor”, canção de tom alegre e esperançoso de Fito Paez.

O evento ocorreu ao ar livre, no monumento à bandeira nacional, e reuniu mais de 100 mil pessoas. Praticamente no mesmo horário, Macri realizava um ato em Córdoba, também num espaço fechado. Contraste maior, impossível.

“O comportamento de Macri é o sinal evidente do desespero e do medo de perder o poder, de perder a capacidade de influenciar juízes e de saber que, com isso, poderá ir para a prisão”, observou-me um dirigente kirchnerista.

Polarização

Ao contrário de 2015, quando havia uma terceira candidatura forte, de Sergio Massa, peronista de centro-direita, a atual eleição está claramente polarizada entre dois projetos antagônicos: o ultraneoliberal de Maurício Macri e o desenvolvimentista de Alberto Fernández.

Ciente do estrago econômico causado pelo presidente, Massa está apoiando sem muita empolgação a chapa de Alberto e Cristina.

O ex-prefeito de Tigre, município abastado da grande Buenos Aires, participa da maioria dos atos da campanha, mas evita dar declarações que demonstrem forte engajamento.

Pesquisas

Nenhuma das outras sete duplas inscritas nas primárias deve ir muito além dos 5% dos votos. Isso é um fator que pode facilitar a definição já no primeiro turno de outubro.

Na Argentina, para a eleição ser definida no 1º turno há dois cenários: 40% dos votos válidos e 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado ou 45% dos votos válidos.

Todas as pesquisas indicam a liderança da oposição, mas Macri conseguiu recuperar espaço nas últimas semanas e, sem dúvida alguma, será competitivo em outubro.

O jornal Página 12 divulgou na semana passada um balanço com as pesquisas de oito institutos de pesquisa.

A maioria das “encuestas” aponta uma diferença entre 4 e 5 pontos a favor da chapa de Alberto Fernández, mas algumas indicam empate técnico e outras trazem uma vantagem oposicionista mais folgada.

Futuro sombrio

Independentemente do vencedor de outubro, as apostas sobre a economia argentina para os próximos anos sugerem um pessimismo generalizado.

A expectativa é que o dólar suba muito mais – saltou de 9 pesos, em dezembro de 2015, para 46 agora — e a inflação não dá sinais de estancamento, devendo se aproximar de 50% no acumulado de 2019.

Os contratos para os jogadores de futebol dos grandes clubes estão sendo fechados com previsão do dólar valendo 70 pesos em meados do próximo ano.

Boa parte das dívidas da indústria argentina também foi feita com base na moeda americana, o que poderá piorar ainda mais o desempenho do setor, que já é o pior em décadas.

Em março deste ano, o uso da capacidade instalada estava em 57,7%, ante 66,8% no mesmo mês de 2018.

Muitos analistas dão como certo o “default” da Argentina em 2020. Ou seja, moratória.

Sob o governo Macri, a Argentina foi o país que mais se endividou no mundo durante o último quadriênio.

A justificativa era o déficit fiscal, que não apenas não foi solucionado, mas está ainda pior do que em 2015.

Tristes tempos para um país tão lindo.

*Rogério Tomaz Jr. é jornalista, morou em Montevidéu e acompanha a política da América Latina. No momento, está escrevendo o livro “Conversando com Eduardo, viajando com Galeano”.

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Argentina

“Angustiante é quando o Estado te abandona”, desabafa presidente da Argentina sobre pandemia

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O presidente da Argentina Alberto Fernandez fez um desabafo durante a entrevista coletiva na qual anunciou a prorrogação do isolamento social no país até 7 de junho. Ele afirmou que vem sendo questionado por veículos e jornalistas sobre a angustia dos argentinos em permanecerem em quarentena por tanto tempo em razão das medidas de restrição social decretadas pelo governo dele.

A Argentina contabiliza 12.063 casos confirmados da Covid-19 e registra, ao todo, 453 mortes. No Brasil, o boletim divulgado neste domingo (24) pelo Ministério da Saúde aponta 363.211 casos confirmados e 22.666 óbitos.

O número de mortes por Covid-19 no Brasil é 50 vezes maior que o da Argentina.

A mensagem embutida nas palavras de Fernandez é uma aula de como o Estado é importante na condução de um país.

– É angustiante se salvar ? Angustiante é ficar doente e não se salvar. Não preservar a saúde. Angustiante é isso. Angustiante é o Estado te abandonar e te diga: “te vire como puder. Não que o Estado te diga: “fique em casa e se cuide e enquanto isso vou procurar onde está o vírus”. Angustiante é que o Estado não esteja presente. Eu falo com os epidemiologistas e, seguindo os conselhos deles, foi que pedi para que as crianças tenham um tempo para sair da casa, que tenhamos tempo para sair da casa. Estamos numa pandemia que mata gente. Da para entender ? Estamos numa pandemia de um vírus desconhecido, estamos numa pandemia de um vírus que não tem vacina, que nem remédio”, desabafou, antes de reforçar as recomendações aos argentinos e pedir para que a imprensa não semeie a angústia:

– Fique em casa, cuidem-se e tentem isso da melhor forma possível. Todos teremos a possibilidade de sair, de arejar quando precisarmos. Mas lhes peço: “Deixem de semear angustia”. Angustiante é que não cuidem de você, é quando o Estado te abandona. Angustiante é quando o Estado diz que “aqui não está acontecendo nada”. Aqui estão acontecendo coisas sérias, por isso a forma como atuamos”, afirmou.

Ouça o presidente da Argentina Alberto Fernandez:

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agronegócio

Covid-19. As causas da pandemia

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Pandemia Covid-19

Entrevista de Claudia Korol a pesquisadora Silvia Ribeiro publicada no jornal argentino Pagina 12 em 03 de abril de 2020
Tradução Leila Monségur

Silvia Ribeiro, pesquisadora nascida no Uruguai que mora no México há mais de três décadas, é diretora para a América Latina do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), com status consultivo perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. A soberania alimentar e o impacto dos desenvolvimentos biotecnológicos na saúde e no meio ambiente são alguns dos tópicos sobre os quais ela investiga e que a levaram a questionar, desde o início da pandemia, a ausência, não apenas da descrição das causas mas também das propostas para modificá-las. Nesta entrevista, ela se refere a esse ponto nodal, ao sistema de produção capitalista e ao que podemos vislumbrar, a partir do isolamento obrigatório, como o futuro.

Covid-19

A pesquisadora Silvia Ribeiro. Foto: Francis Dejon

Embora estejamos falando há meses sobre este vírus, vale a pena perguntar: O que é o Covid -19?

– É uma cepa ou linhagem – a que dá origem à declaração atual de pandemia – da família dos coronavírus, que geralmente causa doenças respiratórias leves, mas que pode ser grave para uma porcentagem das pessoas afetadas, devido à sua vulnerabilidade. Faz parte de uma ampla família de vírus, que como todos, sofre mutações muito rapidamente. É o mesmo tipo de vírus que deu origem à síndrome respiratória aguda severa (SARS) na Ásia e à síndrome respiratória aguda no Oriente Médio (MERS).

De onde provém?

Embora exista um amplo consenso científico, sobre sua origem animal, e sua origem seja atribuída aos morcegos, não está claro de onde vem, porque a mutação dos vírus é muito rápida e há muitos lugares onde poderia ter sido originado. Com a intercomunicação que existe atualmente a nivel global, ele poderia ter sido levado de um local para outro muito rapidamente.

O que se sabe é que começa a ser uma infecção significativa em uma cidade da China. No entanto, essa não é a origem, mas o lugar onde ela se manifesta primeiro.

Rob Wallace, um biólogo que estuda um século de pandemias há 25 anos e que também é filo-geógrafo, e como tal tem seguido o caminho de pandemias e vírus, diz que todos os vírus infecciosos nas últimas décadas estão intimamente relacionados a criação industrial de animais. Nós – do grupo ETC e do GRAIN – já vimos com o surgimento da gripe aviária na Ásia e da gripe suína (que mais tarde eles chamaram de H1N1 para torná-lo um nome mais asséptico), também da SARS, que é relacionada à gripe aviária, que são vírus que surgem em uma situação em que existe um tipo de fábrica de replicação e mutação de vírus que é a criação industrial de animais.

É porque existem muitos animais que estão juntos, amontoados. Isto se repete tanto com frangos como com porcos, que não podem se mover e, portanto, tendem a criar muitas doenças. Existem diferentes cepas de vírus, de bactérias, que se transladam entre muitos indivíduos em um espaço reduzido. Os animais são submetidos a aplicações regulares de pesticidas, para eliminar outra série de coisas que estão dentro do próprio criadouro. Também existem venenos nos alimentos – em geral, é milho transgênico que lhes é administrado -. Tudo está intimamente relacionado ao negócio de venda de transgênicos para forragens. Dão a eles uma quantidade de antibióticos e antivirais, para prevenir doenças, o que está criando uma resistência cada vez mais forte.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou as indústrias de criação de animais, especialmente frango, porcos, mas também piscícola e de perus, para parar de aplicar tantos antibióticos, porque entre 70 e 80% dos antibióticos do mundo, são usados ​​na cria industrial de animais. Por serem animais que têm um sistema imunológico deprimido, estão expostos a doenças o tempo todo e também lhes aplicam antivirais. Lhes dão antibióticos não tanto para prevenir doenças, mas para torná-los mais gordos mais rapidamente. Estes centros industriais de criação, desde o confinamento até à criação de porcos, galinhas e perus, muito apinhados, criam uma situação patológica de reprodução de vírus e bactérias resistentes. Mas também, estão em contato com seres humanos que os levam para as cidades.

Mas vem de morcegos ou não?

– Há quem se pergunte: “se se diz que foi encontrado em um mercado e provém de morcegos, como chega aos animais que estão sendo criados? O que acontece é que os morcegos, os civetas e outros que supostamente deram origem a vários vírus – até uma das teorias é que o vírus da Aids provém da mutação de um vírus presente nos macacos – os expandem devido à destruição dos habitats naturais dessas espécies, que se deslocam para outros lugares. Os animais selvagens podem ter um reservatório de vírus, que, dentro de sua própria espécie, estão controlados, existem mas não estão deixando os animais doentes, mas de repente se mudam para um meio onde se tornam uma máquina de produção de vírus, porque encontram-se com muitas outras cepas e vírus.

Eles alcançam esses lugares deslocados de seus habitats naturais. Isso tem a ver principalmente com o desmatamento, que paradoxalmente também se deve à expansão da fronteira agrícola. A FAO reconhece que 70% do desmatamento tem a ver com a expansão da fronteira agropecuaria. Até a FAO diz que em países como o Brasil, onde acabamos de ver tudo o que aconteceu com os incêndios, devido ao desmatamento para a pecuaria, a causa do desmatamento é a expansão da indústria agropecuaria em mais de 80%.

Existem vários fatores que se conjugam. Os animais que saem de seus habitats naturais, sejam morcegos ou outros tipos de animais, inclusive podem ser até muitos tipos de mosquitos que são criados e se tornam resistentes pelo uso de pesticidas. Todo o sistema de agricultura industrial tóxica e química também cria outros vírus que causam doenças. Existem vários vetores de doenças que atingem sistemas de superlotação nas cidades, especialmente em áreas marginais, de pessoas que foram deslocadas e não têm condições adequadas de moradia e higiene. Se cria um círculo vicioso de circulação entre os vírus.

Qual é sua opinião sobre o modo como se esta enfrentando a pandemia no mundo?

– Nada do que está acontecendo agora está prevenindo a próxima pandemia. O que está sendo discutido é como enfrentar esta pandemia em particular, até que, tomara, em algum momento, o próprio vírus encontre um teto, porque há resistência adquirida em uma quantidade significativa da população. Portanto, esse vírus em particular pode desaparecer, como o SARS e o MERS desapareceram. Não afetará mais, mas outros aparecerão, ou o mesmo Covid 19 será transformado no Covid 20 ou Covid 21, por outra mutação, porque todas as condições permanecem as mesmas. É um mecanismo perverso. O sistema agroindustrial de alimentos teria que ser discutido, desde a forma de cultivo até a forma de processamento. Todo esse círculo vicioso que não está sendo considerado faz com que outra pandemia esteja sendo preparada.

É possível identificar os responsáveis ​​por esta pandemia?

– É o mecanismo típico do sistema capitalista, que cria enormes problemas que vão das mudanças climáticas à contaminação das águas, dos mares, a enorme crise de saúde que existe nos países devido à má alimentação, mas também devido aos tóxicos aos quais estámos expostos, causando uma crise de saúde em humanos. É claro que o sistema capitalista não vai revê-lo, porque para isso teria que afetar os interesses das empresas transnacionais que são as que acumulam, as que concentram tanto na criação industrial de animais, como nas monoculturas, e inclusive nas empresas florestais e o desmatamento feito comercialmente.

Em cada um dos degraus da cadeia do sistema agroalimentar industrial, encontraremos algumas empresas. Estamos falando de três, quatro, cinco, que dominam a maior parte dessa área, como acontece com os transgênicos que são Bayer, Monsanto, Singenta, Basf e Corteva. O mesmo vale para aquelas que produzem forragem para animais. Por exemplo, Cargill, Bunge, ADM. Todas têm interesse na criação industrial de animais, porque são seu principal cliente. Muitas vezes são co-proprietárias dessas fábricas de vírus.

Além de questionar as causas, … elas teriam que ser modificadas. E mudá-las questiona os próprios fundamentos do sistema capitalista. É necessário questionar os sistemas de produção, especialmente o sistema agroalimentar, imediatamente. Mas também está relacionado a muitas coisas. Por exemplo: quem é o mais afetado pela pandemia no momento? As pessoas mais vulneráveis: quem não tem casa, quem não tem água. São os mesmos deslocados por esse sistema e que não podem acessar aos sistemas de saúde.

Como é a resposta dos sistemas de saúde?

– Nestas décadas de neoliberalismo não se atendeu a necessidade de sistemas de atenção primária à saúde, que é fundamental; mas também não há sistemas de saúde para cuidar agora de todas as pessoas que estão ficando doentes em muitos países. Os países em que houve menos mortes em relação à população são países que já tinham sistemas de saúde relativamente capazes de atender sua população. Aqueles que os desmontaram foram os que ficaram pior diante da pandemia. O sistema é injusto não apenas na produção. É injusto no consumo, porque nem todos podem consumir o mesmo. É injusto nos impactos que causa nas pessoas mais afetadas, que são as mais vulneráveis.

Em alguns casos, será devido à idade, mas em muitos outros, devido a doenças causadas pelo próprio sistema agroalimentar industrial, como diabetes, obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, todos os cânceres do sistema digestivo. Tudo isso está relacionado ao mesmo sistema que produz os vírus. No meio disso, vêm os sistemas de “resgate” dos governos, e em todos os países do mundo, por mais que digam que primeiro atenderão aos pobres embora possa haver essa intenção – em outros nem sequer isso tem, como nos Estados Unidos – na realidade, o que estão tentando salvar são as empresas, porque dizem que são os motores da economia. Então se repete o mesmo esquema. Se volta a salvar as empresas que criaram o problema.

Qual é o papel das indústrias farmacêuticas diante da pandemia?

Mesmo diante da pandemia, as causas não são discutidas, mas se procuram novos negócios, como por exemplo, com a vacina. Todo o negócio das vacinas está acontecendo agora, para ver quem chega primeiro, quem a patenteia. As farmacêuticas estão procurando o negócio. Também é um negócio para todas as empresas de informática, com as comunicações virtuais. Pouco antes da pandemia, as famosas empresas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft) já eram as empresas mais valorizadas no nível de valor de mercado de suas ações. E são as empresas que estão obtendo lucros enormes, porque houve uma substituição da comunicação direta, ainda mais, pela comunicação virtual. Os projetos de resgate da economia apoiarão esse tipo de empresa, as farmacêuticas que vão monopolizar as vacinas, as empresas de agricultura industrial que produzem estes vírus. É como uma repetição permanente desse tipo de sistema capitalista injusto, classista, que afeta muito mais a aqueles que já estavam mal.

Também é preciso dizer que 72% das causas de morte no mundo são devidas a doenças não transmissíveis: diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, hipertensão. São doenças respiratórias, não por contágio infeccioso, mas por contaminação nas cidades, com o transporte. Tudo o que está sendo feito agora em relação ao coronavírus é porque ele dá a ilusão no sistema capitalista, que pode ser atacado. Que se houver uma pandemia é um problema tecnológico, e a resposta é criar situações reguladas em cada país, o que é uma resolução do tipo tecnológica.

Mas existe outra possibilidade de enfrentar esta crise a não ser com o isolamento social?

– Quero esclarecer que concordo com que sejam tomadas medidas de distanciamento físico, e não social, mas devem ser acompanhadas por medidas que possam apoiar aqueles que não conseguem fazê-lo por causa de sua vulnerabilidade. O fato de selecionar uma doença específica, como neste caso é uma doença infecciosa, para liberar toda a bateria do que seria um ataque global à situação de pandemia, por um lado, não questiona as causas, mas, por outro, instala uma série de medidas repressivas inclusive, muito autoritarias, de cima para baixo pra dizer ao povo: “Faça isso, faça o outro, porque nos sabemos o que você deve fazer e o que não”.

Tudo isso está relacionado a não ver o fundo do problema, as causas e, ao mesmo tempo, dizer que os únicos que podem lidar com a situação em que vivemos hoje globalmente são os de cima, desde governos, empresas, que são os que forneceriam a solução e, portanto, devemos aceitar todas as condições que nos impõem. Diante disso, acredito que é fundamental resgatar e fortalecer respostas coletivas e desde a base.

Por exemplo?

– Por um lado, precisamos entender que existe um sistema alimentar que acessa o 70% da população mundial. Existem trabalhos muito serios de pesquisa do ETC e GRAIN, mostrando que 70% da população mundial se mantém pela produção em pequena escala de camponeses, pequenos agricultores, também hortas urbanas e outras formas de troca e coleta de alimentos que são pequenas, descentralizadas, locais. É isto que alimenta a maior parte da humanidade. E não é apenas uma comida mais saudável, como também a que chega a maioria das pessoas.

Estas alternativas deveriam ser apoiadas e fortalecidas. É como um paradigma para pensar soluções desde a base, descentralizadas, coletivas, de solidariedade, para ver como cuidar de nós mesmos, diante de uma ameaça que pode nos infectar, mas também cuidar um do outro, e continuar trabalhando na criação de culturas completamente questionadoras e contrárias ao sistema capitalista, porque é o que está deixando doente toda a humanidade, a natureza, aos ecossistemas e ao planeta.

Link do texto original em espanhol

https://www.pagina12.com.ar/256569-no-le-echen-la-culpa-al-murcielago

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Argentina

Bloco de carnaval em Buenos Aires faz homenagem a Marielle Franco

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Foto: Ramón Moser

Do caminhão coberto de tiras de tecido flúor e prateado, vem a voz sem vestígio de sotaque argentino de Gabriela Mercado, cantando “Ai, como eu queria que fosse Mangueira, que existisse outro Zé do Caroço…”. Os surdos marcam o compasso como um coração à espera do estouro da bateria. Ao lado do estandarte, surge a placa da rua Marielle Franco. “Está nascendo um novo líder…”. Um público de mais de mil pessoas, entre argentines, brasileires e outres migrantes, segue o Bloco Cordão de Prata, o primeiro e único da cidade de Buenos Aires, que leva esse nome em homenagem ao rio que une a região.

Quem conduz o quarto desfile anual do bloco é Julia Cavalcante, instrumentista paulista com dez anos de experiência tocando em blocos tradicionais do Rio de Janeiro. Julia foi também uma das organizadoras do ato realizado em Buenos Aires no dia 14 de março de 2018 em homenagem a Marielle Franco. Naquela noite, pelo menos duzentas pessoas se reuniram espontaneamente no Obelisco da cidade estrangeira, ainda desorientadas pela notícia que vinha do Brasil. Com velas, abraços e canto, os migrantes brasileires mostravam concretamente aos militantes argentines do que se tratava a política com afeto defendida por Marielle.

Migrante, afrodescendente e feminista, naquele momento Julia acabara de montar sozinha um projeto cultural em paralelo à sua militância política, o Centro de Estudos da Música Brasileira (CEMBRA) e seu bloco de carnaval. Aos poucos, o projeto tomou todo o seu tempo e se tornou ele mesmo uma militância.

Foto: Ramón Moser

“Quando eu cheguei a Buenos Aires em 2015, percebi que os argentinos adoravam a música brasileira, mas não a conheciam em sua diversidade. Sabiam alguns ritmos do sudeste e da Bahia, mas não muito mais do que isso”, diz. “O carnaval brasileiro que chegava aqui era aquele moldado pelo capital turístico, financiado por marcas de cerveja e padronizado, sem a autenticidade e a diversidade estética que caracterizam o carnaval popular”.

Com o CEMBRA e o bloco, Julia, que agora conta com uma equipe composta por seus principais afetos na cidade, busca apresentar ao público argentino o verdadeiro carnaval comunitário de resistência, feito por e para o povo, e, com ele, os ritmos tocados em todo o país. Além de Zé do Caroço, o repertório de 2020 teve marchinhas dos anos 70, ijexá, maracatu, forró, funk carioca e duas cumbias, para também agradecer a cultura que há quatro anos recebe o carnaval brasileiro em suas ruas.

 

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