“Não vamos abrir mão de direitos duramente conquistados”, afirma Sérgio Mamberti

Em cartaz há seis meses com a peça “Visitando o Sr. Green”, que fala sobre intolerância e redenção e na interpreta um judeu, o ator Sérgio Mamberti, está preocupado com os rumos do país. Durante entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, ele narrou um episódio recente que, para ele, serve de comprovação sobre o clima de intolerância atual. Mamberti estava na Rede Globo e o motorista que foi buscá-lo na emissora vestia uma camisa que fazia referência ao Partidos dos Trabalhadores (PT). Pois o rapaz foi ‘proibido’ por um segurança da Globo de entrar no estacionamento. “A entrada só foi permitida depois que ele trocou de camisa. O rapaz precisou trocar de camisa!”, contou, estarrecido. “Sei que isso não é orientação da emissora, mas mostra como as pessoas [não] estão lidando com a divergência no campo político”. Mamberti, um dos fundadores do PT, não poupa críticas ao partido, mas clama por uma agenda mais propositiva e menos reativa por parte da legenda e da oposição. Confira a entrevista:

Jornalistas Livres — Como você avalia o atual momento político que o país atravessa?

Sérgio Mamberti — Vivemos um momento preocupante. Muito mais pela condução das discussões e da crise política do que pela crise econômica. A situação do Brasil está muito melhor hoje do que quando o Partido dos Trabalhadores ascendeu ao poder. Quando chegamos ao governo a situação do país era bastante grave. Havia uma inflação muito maior do que a de hoje, e as reservas eram de US$ 38 bilhões. Em um ano tiramos os Brasil da lista de devedores do Fundo Monetário Internacional e hoje temos reservas de mais de US$ 370 bilhões. Foi um governo muito positivo para o país. Mas houve um acirramento da crise econômica internacional e agora, vemos informações totalmente manipuladas, criando o quadro de que PT e seus membros são os únicos culpados pelo momento crítico que vivemos e ignorando totalmente a crise internacional. De repente parece que é preciso achar um culpado único, e a verdade é que o Brasil é um país classista, especialmente a região Sudeste, então o governo ser do Partidos dos Trabalhadores, é um agravante e o torna o alvo perfeito. Fiz parte do governo por 12 anos e reconheço que cometemos erros, mas se compararmos o avanço do Brasil com o PT com outros governos que tivemos, na verdade, não dá para comparar.

Sérgio Mamberti — Qual o papel da internet no cenário do debate político brasileiro?

Jornalistas Livres — Em 13 anos de PT, a internet passou a fazer parte da vida das pessoas e neste período as redes passaram a ter um papel importante na formação de opinião. A internet tem que ser livre, sou um entusiasta das redes sociais, mas as pessoas precisam ter consciência do quanto o que elas dizem lá [nas redes sociais] tem impacto na vida pessoas. Eu mesmo já fui vítima do julgamento apressado, agressivo e irresponsável das redes sociais, quando usaram um discurso meu totalmente fora do contexto para me atacar, me chamando de defensor de bandido. Ora, quem conhece a minha história sabe que fui acusado injustamente. Da pior forma possível, eu percebi que as pessoas estão sendo culpabilizadas sem comprovação de dolo, simplesmente por terem opinião. Isso é o mais grave deste momento que vivemos.

Jornalistas Livres — Como você enxerga a crise política que governo da presidenta Dilma atravessa?

Sérgio Mamberti — A presidenta Dilma ainda não conseguiu governar. A oposição e até mesmo as forças aliadas ao governo não mediram consequências para imobilizar o governo. E justamente os meios de comunicação, ao invés de criarem um ambiente propício para se fazer uma análise clara da situação e debater a crise econômica e política, tomam partido — e não de forma clara, que fique registrado — , prejudicando o sistema eleitoral que nós lutamos tanto para reestabelecer. Custamos tanto a estabelecer um espaço de crítica, mas agora ele não é usado! Não está satisfeito com o governo, vá para ruas, proteste, exija. Isso faz parte da normalidade democrática. Mas impedir a governabilidade e enfraquecer as instituições democráticas é uma irresponsabilidade. Dessa forma, vejo que a cultura, a internet e a mídia são os fatores que podem reequilibrar esse debate de forma a qualificá-lo. Há forças políticas que querem impeachment e isso é muito grave. Voltaríamos a ser república das bananas. Onde disseram que quase 55 milhões de votos podem ser ignorados dessa forma? Hoje, somos a sétima economia do mundo, a presidenta está abrindo a conferência das Nações Unidas. Querem fazer aqui o fizeram no Paraguai do presidente Lugo, que foi deposto e instalaram um governo de conveniência. Mas o Brasil não é o Paraguai, e nem tem o mesmo peso econômico e político que o Brasil no mundo. Então, estou junto com as forças que lutam pela institucionalidade e o respeito ao voto. Luto por uma articulação que debata a crise de forma propositiva, que sugira saídas para crise, mas que respeite o processo democrático. Não abriremos mão de conquistas conseguidas a duras penas.

Jornalistas Livres — Você falou sobre um espaço de autocrítica. Onde você acha que o governo eleito errou ou o governo anterior e o próprio Partido dos Trabalhadores errou na hora de comunicar o seu projeto?

Sérgio Mamberti — Há anos que a gente vem lutando por uma comunicação democrática, mas ela ainda não existe. A comunicação do Brasil é um monopólio de famílias e, de uma certa maneira, as informações passam a ser manipuladas para favorecer interesses de grupos específicos e não do país como um todo. Eu acho que o governo deu pouca importância à democratização da comunicação e eu acho também que as forças de esquerda democráticas realmente não tiveram um empenho no sentido de mostrar as conquistas que obtivemos. Eu vejo que a cidadania passa pelo acesso à cultura e a liberdade democrática, e o processo democrático real se constrói a partir de uma cultura forte, institucionalizada, junto à educação, ou seja, a educação é a sistematização de todo esse conhecimento e de todos esses valores dos quais hoje sentimos falta. E aí, a informação democrática pode fazer com que a sociedade usufrua desses conhecimentos. É somente a partir de informação democrática e de qualidade que a população pode tomar posições qualificadas e inteligentes. Eu acho que houve um descuido com a informação e com a educação. Quando a gente pensa que nós emancipamos economicamente mais de 50 milhões de pessoas, ao mesmo tempo eu olho e vejo que uma boa parte dessas pessoas, hoje, estão sendo cooptadas pelo consumo, pelo sistema. E não estão percebendo que essa conquista foi histórica e que não foi de graça. Foi uma conquista árdua que até hoje é questionada. Quando você pensa que as grandes bandeiras sociais como o Bolsa Família são questionadas até hoje, como soluções clientelistas, que criam uma dependência do Estado. Quando a gente pensa no ataque virulento que a Petrobras sofreu, num momento em que o próprio petróleo sofreu uma desvalorização no preço do barril de R$ 100 pra R$ 45, percebe que as pessoas estão sendo manipuladas. E a gente sabe a importância social do pré-sal e a ambição das grandes petroleiras no sentido de voltar a ter controle sobre estas reservas. Quando a Dilma fez a mudança no sistema de exploração, houve uma medida que penalizou extremamente o governo porque certamente o petróleo, por mais que as pessoas digam que é uma energia suja, ultrapassada, ainda é o que move a economia do mundo. E eu não posso esquecer que passei por 64 e sei que as articulações internacionais também estão presentes aí nesse processo. Eu não sei em que nível isto acontece realmente, a gente sempre acaba sabendo muito depois, mas eu percebo que há uma tentativa de desmoralização de todos os governos de esquerda da América Latina. Absolutamente coordenada. O Evo Morales é chefe de contrabando, o filho da Bachelet é corrupto, a Cristina Kirchner é ditadora, a Venezuela é isso, aquilo. Ou seja, há uma tentativa de desmoralização de todas essas grandes lideranças que conquistaram uma institucionalidade democrática aqui na América do Sul e se uniram fortemente na defesa dessa institucionalidade. De uma certa maneira, querem fazer com que a gente volte pra uma situação anterior a que, absolutamente, historicamente, não podemos mais voltar. Esse retrocesso não existe. Eu não acredito que a gente possa retroceder para como era a América Latina até a década de 90.

Jornalistas Livres — A sua peça atual, Visitando Sr. Green, fala sobre intolerância e a redenção das pessoas em torno dessa intolerância. Qual você acredita que pode ser a redenção para o momento tão agressivo politicamente que vivemos hoje no país?

Sérgio Mamberti — Veja bem, eu acredito sempre que a cultura pode prestar um serviço muito importante. Eu tenho certeza que as pessoas que assistem o Sr. Green saem daqui muito mais enriquecidas, e com a sensação de que o respeito às diferenças é fundamental. É muito importante que a questão religiosa, a questão da diversidade sexual, tenha uma visão de alinhada com aConvenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. O Brasil é signatário, são mais de 150 países do mundo que são signatários dessa convenção. E ela prevê justamente isso, que as questões ligadas a idade, à orientação sexual, aos direitos conquistados, o respeito ao processo democrático, e principalmente o respeito à diversidade cultural passam a ser elementos fundamentais. porque quando se fala de diversidade cultural, a gente tá falando de tudo isso. Então, eu acredito que a cultura pode ter um papel muito importante no sentido de fazer com que as pessoas compreendam e possam se entender melhor. Claro que isso tem que estar aliado a políticas públicas que consolidem a convenção, já que somos signatários.

Jornalistas Livres —E como você vê o fato de que o Congresso aprovar, dentro de uma comissão especial, a definição de que uma família só pode ser formada por um homem e uma mulher, e exclui qualquer outro tipo de formação, seja mãe solteira, seja pai divorciado, sejam casais homossexuais…

Sérgio Mamberti — Eu acho um retrocesso absolutamente inaceitável, num momento em que o mundo civilizado inteiro, de alguma maneira, já superou e resolveu este debate. Países como Uruguai e outros países têm adotado políticas públicas, no sentido de defesa justamente desse alargamento de conceitos, antes muito restritivos, e sempre dentro de um processo democrático de fato. Infelizmente, nós elegemos no último pleito um congresso extremamente conservador e que está legislando em função, inclusive, dessa visão de mundo estreita e maniqueísta. Um retrocesso até com relação aos governos anteriores. Eu tenho 76 anos, desde os anos 60 que o mundo vem lutando justamente pela abertura e pelo alargamento desses horizontes. Então, eu vejo este como um momento muito difícil. Mas também vejo a sociedade em vários aspectos muito mobilizada. Então, separar e romper os princípios do governo atual não vai ser tão simples, como foi anteriormente. Porque você não vai abrir mão de conquistas históricas, nem eu. Eu acho que os movimentos sociais não vão poder aceitar que a gente tenha um retrocesso nesse nível. É o que eu espero, sinceramente.

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Jornalistas Livres —E você acha que a resistência dos movimentos sociais aliada à panela de pressão política que a gente tem vivido, pode terminar em enfrentamento mais agressivo?

Sérgio Mamberti — O enfrentamento já tá aí. Eu acho que a gente já tá enfrentando. A gente já tá num processo de enfrentamento. Eu acho que precisa ver como que a gente vai conduzir isso. Mas eu acho que as posições estão muito claras e muito firmes. Quem tem uma posição de abertura e uma posição democrática tá defendendo essa posição como eu estou defendendo aqui. E não é pouca gente. O problema é ver com que você vai estabelecer um diálogo que permita que a gente chegue a uma solução. É isso. E eu diria que é mais que tolerância, porque a tolerância ainda tem um caráter arrogante. “- Eu tolero.” Não. É aceitação mesmo. É você aceitar a diferença, é você aceitar o outro e as outras posições. E você perceber que todos têm direito de se expressar. É claro que as atitudes que cerceiam essa liberdade certamente terão que ser combatidas. Então todas as posições que, de uma certa maneira, estreitem essa abertura que foi conquistada não podem ser aceitas. Elas vão restringir a liberdade, e por isso eu acho que a gente tem todo o direito, inclusive, de lutar pra que essas conquistas sejam mantidas e que haja realmente uma livre expressão.

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