No acompanhamento que fazemos das redes para a disciplina opinião pública, que lecionamos no Departamento de Comunicação da UFES, deparamos nos últimos dias um inusitado crescimento do Movimento Brasil Livre (MBL) que, acreditamos, merece ser discutido com atenção.
Os três movimentos gêmeos — Vem Pra Rua, Revoltados Online e Movimento Brasil Livre — vêm sendo considerados a grande novidade da mobilização de massa da classe média, a imagem da sua modernidade jovem, conectada às redes e ao ativismo político de direita.
Os aspectos mais salientes, e que constituem a base do poder desses grupos com as mídias — uma de suas lideranças, Kim Kataguiri, do MBL, estreou recentemente sua coluna na “Folha de S.Paulo” –, são supostamente a inserção que têm na opinião pública e seu impacto de massa. No dia 12 de março, na véspera da manifestação do dia 13, esses grupos possuíam juntos quase três milhões de curtidas em suas comunidades. São números que impressionam.
Ocorre que há indícios muito sólidos que nos levam a duvidar da consistência desses números e do poder desse gigantismo ‘popular’. E o primeiro e mais grave deles vem, justamente, do MBL, que cresceu em quase 400 mil likes na sua comunidade no Facebook, entre o dia 12 e o dia 27 de março. A situação registrada no dia 12 de março era a seguinte:
Revoltados Online — 1.390.230
Vem Pra Rua — 996.613
Movimento Brasil Livre — 458.256
No dia 27, deparamos com situação bastante alterada:
Revoltados Online — 1.556.641
Vem Pra Rua — 1.114.058
Movimento Brasil Livre — 824.754
O primeiro, e bastante contundente indício de anormalidade, é que a distância entre o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua, que era de 538.357, mais de meio milhão de likes, se reduz abruptamente para 289.304. Não há nada que explique essa mudança, uma vez que ambas as comunidades estavam em movimento ascendente, em razão da crescente intensidade da interação política nas redes, o que, portanto, imporia um crescimento que deveria ser proporcional.
Passando de 458.256 likes para 824.754, o MBL cresceu 79,97%, e isso o faz entrar em um padrão de total inconsistência com o percentual de crescimento das duas outras comunidades que dividem, com ele, a suposta representação da opinião pública da classe média anti-PT e anti-Dilma.
Comunidade do MBL no Facebook em 12/03/2016
Comunidade do MBL no Facebook em 27/03/2016
Os Revoltados Online possuíam 1.390.230 likes na comunidade em 12 de março, e passaram a 1.556.641 no dia 27. A taxa de crescimento foi de 11,9%. Esse crescimento é compatível com a maioria dos sites, comunidades e páginas da militância de direita no período. É o que se verifica também com o Vem Pra Rua, que passou de 996.613 seguidores para 1.114.058, isto é, o crescimento foi de 11,7%. Nesses casos, mais que se ressalta a paridade e a proporcionalidade que deveriam ser encontrados também no MBL.
Porém, a taxa de crescimento do MBL no Facebook, de 79,9 %, isto é, de 80%, é mais de 7 vezes superior ao crescimento das suas comunidades irmãs. O líder Kim Kataguiri, que já foi chamado de “adolescente-prodígio da internet”, terá que nos explicar esse milagre da multiplicação dos likes.
O absurdo desse crescimento fica bem expresso quando consideramos que, para crescer os mesmos 79,9% o Vem Pra Rua passaria de 996.613 para1.793.903 e os Revoltados Online, crescendo na mesma taxa, iria de1.390.230 para 2.502.414. Ao invés disso, o Vem Pra Rua foi para 1.114.058 e o Revoltados Online para 1.556.641, ou seja, cresceram dentro das taxas razoáveis, de 11.9% e 11.7% respectivamente, como já indicamos acima.
É francamente admirável, contudo, que essas redes irmãs, a quem certamente não poderia passar despercebida a proporção de crescimento do MBL, não tenham dado publicidade a isso, fato que, tudo parece indicar, constitui uma gritante fraude aos processos de representação democrática. É importante situar esse ponto, porque o tamanho da sua rede tem qualificado o MBL como força e sujeito no debate político atual.
O MBL e seus parceiros falam em nome de uma suposta representação de opinião, ocupam os espaços da mídia, e cruzam cada vez com mais desenvoltura a esfera público-política. Seus palanques, como os que armaram na Paulista no dia 13, são os nós em que se concentram os fluxos dos manifestantes. E, como não poderia deixar de ser, é dessas estufas que se espera que saia a nova geração de políticos do país.
Mas eis que a estufas estão produzindo flores artificiais. E espécimes que, já jovens, investem nas mesmas fraudes, engodos e falcatruas dos veteranos da corrupção que eles pretendem denunciar. A prática de compra de pacotes de likes, aliás, pode não ser apenas imoral mas também constituir crime. Caso uma investigação comprove que esses pacotes fazem usos de bots para sequestrar dados de perfis e usá-los, contra a vontade de seus proprietários, para curtidas indesejadas, estaremos no que prevê o artigo 154 doCódigo Penal que determina como crime “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores (…) com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa”.
O prejuízo imediato de maior impacto, contudo, é sobre a transparência do processo político, as práticas democráticas e a própria cidadania. O MBL é um movimento que se apresenta nos termos seguintes:
Ele se propõe como uma força de mobilização de cidadãos (“mobilizar cidadãos”), portanto, se compromete com as regras e as condições de uma sociedade democrática e representativa. A alegada modernidade desse grupo, aparece por exemplo, na matéria da “Veja”, que os faz pairar quase desencarnados na rede (como se produzir vídeos em massa, cartazes, banners, bonecos, etc., não exigisse montantes consideráveis de recursos) para materializarem-se em seguida nas ruas:
Saindo das redes sociais, onde se concentra a maior parte das atividades, eles também promovem ações de ruas. No começo do ano, o grupo fez um evento para contrapor a pauta do Movimento Passe Livre pela tarifa zero no transporte público. Desde novembro do ano passado, quando foi criado, o Brasil Livre já organizou três protestos contra a presidente Dilma Rousseff em São Paulo.
E a ninguém escapará que o nome Movimento Brasil Livre, é um plágio declarado de Movimento Passe Livre, cuja evidência foi enorme em 2013. O MBL valeu-se da projeção também da sigla, MPL, e se apropriou dela sem qualquer constrangimento. Mas diferente do MPL, cuja fundação dada de 2005, e que durante anos se dedicou a uma pauta muito concreta, o MBL cresceu abruptamente do nada, tornou-se exponencial na ribalta política do dia para a noite, e ninguém perguntou como se deu seu processo de acumulação de forças.
E é aí que talvez resida o calcanhar de Aquiles desses movimentos, em especial os três mais agigantados: não deixar claro como cresceram com tanta intensidade em tempo tão curto. A questão é a consistência efetiva da representação que pretendem ter. Se, como o Movimento Brasil Livre, pretendem mobilizar cidadãos, é preciso que fique claro que esses cidadãos não são robôs.
Um exemplo pode deixar claro o que está em jogo aqui. Em dezembro de 2015, depois de muito alardear os números que levariam às ruas, os três movimentos conseguiram juntar apenas 40,3 mil no dia 13 de dezembro, um domingo sombrio para os organizadores. Movimentos, como se sabe, são formas políticas que buscam mobilizar para uma causa. Mas o poder de mobilização dos três movimentos, caminha na contramão de seu aparente crescimento em números. Criados todos após setembro de 2014, cresceram ao longo de 2015 enquanto decrescia sua capacidade de levar às ruas seus ‘representados’:
Os números inflaram, os likes robusteceram as páginas… Juntos, chegam a somar milhões, mas quanto mais cresciam menor era a capacidade de “mobilização” desses movimentos. Um caso típico daqueles em que “ a montanha pariu um rato”. É um grande paradoxo, que só vemos paralelo com a subida de Aécio, no primeiro turno das eleições presidenciais, quando o candidato subiu 14 pontos em 72 horas. Analisamos esse estranho fenômeno no artigo O paradoxo de Aécio.
O prodígio de crescer em quase 400 mil likes em duas semanas (de 12 a 27 de março), por pouco não iguala todo seu crescimento de 01 de novembro de 2014, data da fundação, até o início de março de 2016. Inchou em 15 dias quase o que havia levado 16 meses (480 dias) para crescer. E tudo isso diante dos olhos e das antenas da percepção pública. Parece que desprezaram a capacidade dessa opinião de monitorar e denunciar disparates de tal grandeza. O que, aliás, não parece tão longe da verdade, já que os radares da mídia não registraram nada. E isso compromete também, devido ao voto de silêncio guardado, os movimentos gêmeos do Movimento Brasil Livre, que nada disseram sobre o fenomenal crescimento do irmão caçula.
É muito preocupante o que esses números parecem revelar, porque desde que a sociedade em rede se faz dominante, os fluxos de likes são os que dão representatividade às comunidades, quase com o mesmo peso com que, até agora, o voto tem hierarquizado as forças políticas. Através dos likes são qualificados os movimentos, a sua força e a sua representatividade. Uns tornam-se protagonistas privilegiados, enquanto outros definham e somem. Por isso, ocorrendo uma trapaça aí, não estamos muito distantes do que ocorre com a fraude eleitoral. A manipulação digital desqualifica o espaço inteiro da representação e da esfera pública. Intoxica as próprias condições de exercício da democracia.
Não é aceitável uma hipertrofia nas redes, produzida por injeção de likes e perfis fantasmas, operados por robôs e comprados em pacotes de milhares. Esse ganho de musculatura através da injeção de curtidas fabrica apenas aparências e entidades sem vida.
Isso talvez explique por que as grandes mídias, em particular a Globo, deixaram as aparências de lado e partiram diretamente para o confronto político em aliança com o judiciário (de onde vieram vazamentos a granel). O motivo foi justamente o fracasso dos “movimentos” em promover a “mobilização”. Esses movimentos, com seus números hiperinflacionados, e seus efeitos pobres de mobilização, parecem pertencer mais à dimensão dos simulacros do que à realidade. O que não quer dizer que não estejam cumprindo bem o papel de dar legitimidade popular à movimentos acionados pelas elites, de dentro da Fiesp, da Febraban, da Globo etc. Assim que seu papel de prover alguma aparência de suporte de massas às manobras hoje em curso seja cumprido, eles serão retirados de cena e, como cenário usado, guardados em algum galpão do Projac.
O oposto total das ficções digitais da política da direita, foi a mobilização desencadeada a partir da Frente Brasil Popular que, com poucos mais de 20 mil associados em sua comunidade, levou multidões às ruas no dia 18. Boa parte do ímpeto no ataque direto que as elites faziam para sitiar e derrubar o poder constituído, foi refreado pelo susto que os assaltou diante da população (não de robôs) que tomou as ruas naquele dia.
Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.
O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.
É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.
A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.
São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.
É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.
Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.
Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.
Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.
Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações
Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke
O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.
Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.
Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.
Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.
Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?
A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.
Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.
Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.
Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.
Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.
Rodrigo Janot
Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.
Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.
26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.
A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.
Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.
Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.
Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.
Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.
Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?
Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.
Rogério Favreto
Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.
“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.
Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.
Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.
Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.
Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.
Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.
Marco Aurélio Mello
Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.
1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.
É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.
Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.
Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.
Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.
2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.
Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.
A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.
Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!
*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.
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