13 maio de 2016
Após a votação do Senado federal, por 55 votos a favor do impeachment de Dilma Rousseff contra 22, esta acaba de ser afastada por 6 meses e de deixar o palácio presidencial do Planalto, em Brasília. A Presidente, já reduzida à impotência por vários meses, é “carta fora do baralho” em suas próprias palavras, a menos que se torne uma figura da resistência à injustiça.
No entanto, a crise política brasileira, longe de estar resolvida, é devastadora para todas as instituições e toda a classe política; ela atinge os fundamentos da democracia e aprofunda o fosso entre os dois campos que dividem o país. Enfim, ela marca uma guinada na história da “Nova República”, nascida com a devolução do poder aos civis e a elaboração da Constituição de 1988.
Como a guerra de Tróia, ocorreu o golpe de estado
Pouco importam as discussões bizantinas sobre a qualificação precisa dos acontecimentos políticos que ocorrem no Brasil e o afastamento da presidente Dilma Rousseff e, com ela, do Partido dos Trabalhadores. A grosso modo, para a metade dos cidadãos brasileiros, o que está acontecendo é experimentado como um golpe de estado e passará para a posteridade como tal.
A tomada do poder por Michel Temer e seu partido, o PMDB, tão intrinsecamente ligados à corrupção sistêmica, desperta neles nojo, vergonha e raiva misturada. Os autores de um golpe de estado se vangloriam raramente. Eles preferem disfarçar seu pacote com eufemismos, apresentações gloriosas ou belos sofismas.
Assim como, em 1964, os militares e seus comparsas civis pretendiam, derrubando o Presidente João Goulart, executar uma “revolução” para salvar a democracia ameaçada pela “subversão” e pela – já nesta época – corrupção. Em 2016, a fábula da “jovem democracia” que chega à maturidade, em conformidade com as exigências de uma população melhor formada e mais exigente para com os seus governantes, que respeita escrupulosamente a sua Constituição e expulsa seus dirigentes corruptos e/ou incompetentes de acordo com a lei, se desfaz em pedaços diante do currículo dos principais beneficiários do “assalto”- um dos significados da palavra golpe em português.
A maioria dos deputados e senadores, chamados, respectivamente, nos dias 17 de abril e 11 de maio para decidir sobre o destino da Presidente, não se interessou pela causa precisa da acusação – a maquiagem das contas públicas para ocultar a extensão dos déficits e facilitar sua reeleição – e permaneceu fora do assunto, atacando o desempenho do governo e fazendo afirmações surrealistas.
Uma pequena minoria da representação nacional evocou a desproporção entre a culpa imputada à Presidente e as penalidades sofridas, o que desestabiliza as instituições do país. “É como se aplicássemos a pena de morte por uma infração ao código do trânsito,” declarou uma senadora (PT).
Um jogo de massacre institucional
Para os observadores estrangeiros, a leveza com que o impeachment da Presidente da República – uma verdadeira bomba atômica em um regime presidencial — é minimizado não deixa de surpreender. Se todos os líderes impopulares ou considerados incompetentes em democracias modernas fossem removidos, poucos terminariam o mandato que lhes foi atribuído por sufrágio universal.
Independentemente do julgamento que pode-se ter sobre a política ou a personalidade da Presidente afastada, seu impeachment enfraquece de maneira duradoura, se não irremediável, a função de Presidente. A Vice-Presidência, manchada pela falta de lealdade de Michel Temer, que conspira pelo menos há um ano contra a titular do cargo, não está em melhores condições. O Congresso Nacional, cuja venalidade é proverbial, foi ridicularizado repetidamente.
Mesmo o Supremo Tribunal Federal mostrou-se incoerente, tendencioso e falhou em sua missão de defender a democracia brasileira. Este levou mais de três meses para suspender do cargo, o Presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB), indiciado por corrupção, lavagem de dinheiro, barreiras à justiça e sem o qual não teria havido o processo de impeachment.
Os grandes grupos da imprensa, com a TV Globo à frente, tem feito descaradamente campanha contra a Presidente e o PT e tem perdido sua credibilidade restante junto a uma parte da opinião pública que lhes vaia sem tréguas. A Justiça Federal continua a multiplicar as investigações e acusações à personalidades de destaque. Em suma, a “nova República” é apenas um campo de ruínas, de onde paradoxalmente emergem as práticas políticas mais arraigadas e desacreditadas.
A tomada do poder federal
Michel Temer, que provavelmente irá invocar a salvação da pátria e a situação económica desastrosa do Brasil para justificar-se, começa seu governo interino em um estado de desgraça do qual será difícil de sair. O vice-presidente é visto como um traidor por todos aqueles que consideram o impeachment como um golpe de estado. Até 2018, se ele conseguir até lá, não será só a sua política que será contestada, mas a sua legitimidade.
As árduas negociações para compor seu governo mostram que o Planalto estará sujeito mais do que nunca à pressão do Congresso, e mais especificamente, à miríade de pequenos partidos que condicionaram seu apoio. Este sistema, velho como a República no Brasil, é apelidado de “fisiologismo”, a troca de apoio político por vantagens – legais ou ilegais- que articula a relação entre o governo e os partidos, o executivo e o legislativo, o governo federal e os estados.
O “fisiologismo”, espinha dorsal da corrupção sistêmica, é, obviamente, desprovido de qualquer conteúdo ideológico e é notável por sua compatibilidade com todas as sensibilidades. O campeão do “fisiologismo” é precisamente o PMDB de Michel Temer, partido que tem o maior número de políticos eleitos, domina a Câmara e o Senado e compõe a maioria há 30 anos.
Um governo de retorno aos fantasmas
Depois de ter prometido um governo enxuto e formado por “técnicos”, nomeados por sua competência e não por indicação política, Temer teve que voltar à real e retribuir seus velhos e novos amigos com vários ministérios e os 10.000 cargos do Governo Federal que foram liberados pelo despejo do PT.
Um partido da coligação requer a nomeação de um dos seus para o Ministério da Ciência e Tecnologia, que pertence a uma igreja evangélica e defendeu o ensino do criacionismo! O governo traz a marca da continuidade e do conservadorismo: os ministros são velhos peritos que, na melhor tradição fisiológica, participaram de todos os governos anteriores, independentemente de sua cor política, de Fernando Henrique Cardoso à Dilma Rousseff, passando por Lula.
Nenhuma mulher participa por enquanto do governo, composto inteiramente por homens, brancos, em média septuagenários. É verdade que a revista Veja recentemente celebrou a esposa de Michel Temer, 42 anos mais nova, como “bela, recatada e do lar” – obviamente, o inverso de Dilma Rousseff. Isto não poderia ser melhor exemplo para expressar simbolicamente uma certa concepção da sociedade brasileira.
É provável que os movimentos sociais se mobilizem nos próximos dias, para obter eleições antecipadas e dar a última palavra ao povo soberano. Michel Temer, que apenas 8% dos brasileiros queriam na última semana como presidente interino, e que hoje atrai apenas 3% das intenções de voto, rejeitou esta hipótese: tal eventualidade não está prevista na Constituição. Recorrer aos eleitores, disse o advogado renomado, seria um verdadeiro… golpe de estado.
(*) Historiadora, Université Paris-Sorbonne – Sorbonne Universités
Para ler o artigo original: The Conversation
3 respostas
Parece a foto do Parlamento de Gotham City , com o “Coringa” no comando da alcatéia.
a “leveza com que o impeachment é minimizado” deve-se à nossa imprensa golpista. a televisão e as bancas de jornais ainda falam muito alto e são dominadas por empresas de comunicação sem compromisso algum com o povo